Dia D. Operação Overlord abateu-se sobre as praias da Normandia há 80 anos

por Carla Quirino - RTP
Dia D - Desembarque dos aliados na Normandia, praia de Omaha Robert F. Sargent via Departamento de Defesa dos EUA

Assinala-se esta quinta-feira os 80 anos do primeiro desembarque na Normandia, que lançou as bases para a derrota das tropas comandadas pela Alemanha nazi, na II Guerra Mundial, em 1944. Mais de 160 mil forças aliadas invadiram a costa de França, participando na maior operação militar anfíbia alguma vez realizada. Porém, as baixas ao fim das primeiras 24 horas revelaram-se pesadas: mais de nove mil soldados aliados foram mortos ou feridos naquelas praias.

Aos 101 anos, o norte-americano Jake Larson, veterano do Exército do Dia D, viaja para França para participar nas comemorações dos 80 anos do desembarque na Normandia.

“Eu entrei naquele campo minado, onde tantos foram mortos. Não só das minas, mas do fogo das armas pequenas. E eles estão todos no céu. Esses camaradas de armas são os que merecem reconhecimento. E estou aqui para ter a certeza que isso acontece. Eu honro esses homens”, explica Larson à agência Reuters.

Recorda que depois de chegar a Londonderry, na Irlanda do Norte, foi transferido para o Corpo V do Exército. Na madrugada do dia 6 de junho de 1994, a sua unidade recebeu a ordem para saltar para a “água fria do Canal da Mancha”. Com o mar até o pescoço segurando a espingarda acima da cabeça, Larson chegou à praia Omaha.


Jake Larson, militar no Dia D e 80 anos depois, na sua casa em Martinez, California| Dylan Bouscher - Reuters (imagens adptadas)

Abrigou-se numa rocha e sacou de um cigarro. “Apercebi-me que alguém me agarrou do lado esquerdo. Eu acenei e perguntei-lhe se tinha lume. Não obtive resposta”, descreve Larson.

“Então olhei para trás. O homem estava deitado. E debaixo do capacete não havia cabeça. E de repente, era como se tivesse ouvido a sua alma a dizer-me: Levanta-te e corre agora. Então foi o que eu fiz". 
Dia D, um esforço internacional

O termo Dia D foi o código militar para o início do ataque combinado naval, aéreo e terrestre que tinha o objetivo final de libertar a França ocupada e expulsar as tropas alemãs do III Reich.

De acordo com a Royal British Legion, a fórmula Dia D já tinha sido usada com bastante frequência antes da invasão aliada a 6 junho de 1944. Depois disso,  passou a ser associada ao início da Operação Overlord, ou Batalha da Normandia, que começou com este desembarque - Operação Netuno.

O Departamento de Defesa dos EUA relata que o general norte-americano Dwight D. Eisenhower, que liderava os planos para a invasão, argumentou: "Qualquer operação militar tem uma data de partida (departure date), portanto, o termo abreviado passa a Dia D ”.

Houve, portanto, vários outros dias D durante a guerra, mas o da Normandia foi o maior e o mais conhecido. "Os desembarques marcaram o início de uma campanha longa e dispendiosa no noroeste da Europa, que acabou por persuadir o alto comando alemão de que a derrota era inevitável", sublinha o Imperial War Museum, do Reino Unido.


Uma perspetiva panorâmica de embarcações de desembarque e balões | Comissão Marítima dos EUA via Departamento de Defesa dos EUA

Para realizar o Dia D, foram estipulados vários requisitos relacionados com o clima. Esse dia teria que ser longo para o uso máximo da energia aérea. A noite deveria ser de Lua quase cheia para ajudar a guiar os navios e as tropas aerotransportadas.

Apenas nove dias em maio e junho pareciam atender a esses requisitos. Inicialmente, foi escolhido o dia 5, mas o general Eisenhower decidiu, no último minuto, mudar o desembarque para a madrugada de 6 de junho.

Em 1944, mais de dois milhões de soldados de pelo menos 12 países estavam na Grã-Bretanha em preparação para a invasão - para além das tropas dos EUA, Reino Unido e Canadá, também incluíam apoio naval, aéreo ou terrestre australiano, belga, tcheco, holandês, francês, grego, neozelandês, norueguês, rodesiano e polaco.

A invasão estendeu-se por 80 quilómetros de costa e contou com mais de 160 mil homens. As forças militares aliadas zarparam da cidade inglesa de Portsmouth, principal ponto de partida dos cinco mil navios que se dirigiam a Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword. As praias de Omaha e de Utah foram tomadas pelos norte-americanos, os britânicos juntamente com forças em menor número invadiram as praias de Gold e Sword, os canadianos ocuparam a praia de Juno.


Desembarque britânico na praia Gold | Army Film & Photographic Unit, Midgley (Sgt)/ original da coleção Imperial War Museums.

Cerca de 4.400 soldados aliados morreram no Dia D. Entre eles milhares de pára-quedistas norte-americanos que, durante a descida por de atrás das linhas inimigas, na praia de Utah, foram atingidos pelo fogo inimigo e afogados em pântanos.

A ofensiva de Omaha acabou por ser a mais sangrenta do dia, em grande medida porque os serviços secretos do Exército subestimaram o reduto alemão ali instalado.

O Dia D foi quase um fracasso, porém a resistência aliada aproveitou algumas falhas alemãs e acabou por furar as linhas inimigas, juntando-se à Resistência Francesa, que ajudou a enfraquecer as defesas nazis através da sabotagem. O desembarque e a Operação Overlord foram os primeiros passos que abriram caminho para o ponto de viragem na II Guerra Mundial.
Dever de relembrar o preço da guerra

Com idades entre 97 e 103 anos, muitos dos veteranos são auxiliados por bengalas ou vêm mesmo de cadeiras de rodas. Mas insistem em estar presentes e trazem as medalhas militares presas às lapelas.


O veterano da RAF Bernard Morgan, 100, de Crewe, saúda os caídos da Royal British Legion no 80º aniversário do Dia D, no Cemitério de Guerra de Bayeux, na Normandia | Aaron Chown via Reuters

Oitenta anos depois, esperam-se cerca de 200 veteranos, maioritariamente britânicos e norte-americanos, para assinalar a data redonda.

John Dennett, com 99 anos, regressa à Normandia. "É uma oportunidade única. Oitenta anos atrás, é muito tempo, voltar atrás, para ver o que começamos", declarou à BBC, acrescentando que se sente ansioso pelas cerimónias destes dias.

“É nosso dever lembrar quem morreu aqui e garantir que as pessoas percebam o quanto mal o mundo se pode tornar se realmente não se tomar cuidado”
, disse à Reuters o veterano coronel Joe Peterburs, piloto da Força Aérea do Exército durante a II Guerra Mundial, hoje com de 99 anos.

"Vejo todos os túmulos. A bravura e o sacrifício desses homens mortos na sua juventude que não puderam viver uma vida plena"
, disse ele, enquanto olhava de sua cadeira de rodas para fileiras e mais fileiras de cruzes de mármore branco.

Com a guerra a decorrer nas fronteiras da Europa, as cerimónias do Dia D também vão ter entre os convidados o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
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