O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, defende que a guerra civil em Moçambique foi justificada pela "traição da independência" por parte da Frelimo, que, se não tivesse sido "arrogante" e "cruel", o próprio movimento que fundou não existiria.
Se não fosse a "arrogância" de Samora Machel, primeiro Presidente moçambicano, e o "comportamento cruel" da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), "não haveria força física para uma guerra civil", declarou o líder da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), maior partido de oposição, em entrevista à Lusa, a propósito dos 40 anos da independência de Moçambique, que se comemoram no dia 25 de junho.
"Aquilo que era falado no mato, lutar pela independência, foi totalmente esquecido e o que o povo viu foram fuzilamentos, mortes, os curandeiros eram mortos, acusados de feitiçaria, os religiosos eram proibidos de rezar, a Frelimo chegava a dizer que Deus era dos portugueses" afirmou Dhlakama, realçando que muito menos se podia falar de "democracia e multipartidarismo".
O presidente da Renamo, que travou entre até 1992 uma guerra civil de 16 anos com o exército governamental, sustentou que, se a Frelimo tivesse acatado as reclamações populares e Samora Machel ouvido os conselhos dos líderes católicos (dos arcebispos da Beira, Jaime Gonçalves e Alexandre dos Santos), "o povo não teria coragem física para criar a Renamo", em setembro de 1976, e oito meses depois, a 05 de maio de 1977, para iniciar ataques militares na província de Manica e que se intensificaram no segundo semestre.
Em 1980, afirmou, os dois bispos voltaram a aconselhar Samora Machel, e dois anos depois, ainda tentaram mediar o conflito, "mas o Presidente (Samora) recusou-se redondamente a conversar com macacos e bandidos armados", segundo Dhlakama, alegando que acabou por recorrer às armas "como forma de persuadir que o adversário aceitasse a negociar".
O responsável da Renamo disse que a população encontrou na guerra uma maneira de parar a má governação do país, mas negou que o seu movimento servisse interesses estrangeiros, para desestabilizar a independência, num período em que Moçambique mantinha fronteiras com o "apartheid" na África do Sul e com a Rodésia, de Ian Smith.
"A Frelimo foi cruel com o próprio povo de Moçambique e imediatamente houve a reação do povo. Quero dizer hoje que, embora alguns da Frelimo estejam a beneficiar dos frutos da luta pela democracia da Renamo, têm vergonha de dizer que valeu a pena, ainda continuam a falar de desestabilização", declarou Afonso Dhlakama.
A Renamo, prosseguiu, "lutou pela democracia, multipartidarismo, governação, liberdade, a própria liberdade que hoje se considera, no dia a cada dia, é aquilo que a Renamo trouxe", defendendo que atualmente "já ninguém fala de independência, porque a independência foi manchada pela própria Frelimo".
"Quando se deu de facto a independência o que aconteceu era pior [do que o colonialismo)", insistiu Dhlakama, justificando que as pessoas eram encaminhadas para campos de reeducação ou fuziladas, acusadas de insultar a Frelimo ou por não participar em comícios do partido.
Afonso Dhlakama tornou-se líder da Renamo aos 22 anos, a partir de 1979, após a morte em combate do fundador do movimento, André Matsangaíssa, na Gorongosa, e o partido conserva atualmente o seu braço armado, apesar de um acordo de desmilitarização, assinado a 05 de setembro de 2014, para encerrar 17 meses de confrontações com o exército na região centro.