Dezenas de milhar pedem em 40 cidades espanholas fim do "negócio da habitação"

por Lusa

Dezenas de milhar de pessoas estão hoje a sair às ruas de 40 cidades de Espanha em manifestações que pedem o fim do "negócio da habitação" e denunciam a dificuldade crescente de acesso a uma casa no país.

"Não podes viver como inquilino nem podes passar a proprietário", resumiu à Lusa Luis Ripley, um psicólogo de 25 anos que hoje se juntou a uma das manifestações mais participadas, a de Madrid.

Segundo os organizadores, participaram no protesto de Madrid 150 mil pessoas, enquanto a Delegação do Governo (a entidade que autoriza as manifestações e determina os dispositivos de segurança) disse que foram 15 mil os manifestantes.

Luis Ripley partilha uma história semelhante à de milhares de pessoas que hoje acorreram ao protesto de Madrid: é da Andaluzia, no sul de Espanha, "onde não há trabalho", pelo que se mudou para a capital, onde ganha um salário que lhe permite apenas arrendar um quarto, nos subúrbios, cujo preço passou de 200 euros antes da pandemia para os atuais 500.

"Viver sozinho em Madrid é impossível. Não tens salário para arrendar sozinho e também não consegues comprar uma casa, até porque é impossível poupar para uma entrada. É um círculo vicioso", afirmou, sem conseguir responder à pergunta de que como é que projeta o seu futuro.

Luis Ripley atribui o aumento dos preços das casas nos últimos anos em Madrid a fenómenos como o turismo, com os proprietários a preferirem o alojamento local, ou à compra de casas por fundos imobiliários, sem qualquer controlo ou intervenção no mercado por parte dos governos "de todas as cores".

Aos muitos jovens que participaram hoje na manifestação de Madrid somaram-se pessoas de todas as idades, incluindo reformados e idosos.

"Sou solidária com os mais novos, que não poderão ser independentes. Mas também há muitos idosos afetados, a serem desalojados das casas onde viveram toda a vida, sem qualquer proteção", disse à Lusa Pilar Cataño, 77 anos.

Para Pilar Cataño, a legislação que tem sido aprovada em Espanha para responder ao problema do acesso à habitação é ineficaz e nem protege os inquilinos nem os proprietários "de sempre", continuando a favorecer os fundos imobiliários ou os alojamentos locais para turistas.

"As pessoas não têm casa, passou tudo a ser um negócio e esqueceram-se que a habitação é um direito constitucional", sublinhou.

A manifestação de Madrid saiu da rotunda da Atocha e terminou na praça de Espanha, numa marcha por grandes ruas e avenidas da cidade encabeçada por uma faixa com a frase: "Acabemos com o negócio da habitação".

"Vamos pôr fim a um sistema parasitário que devora os salários e o futuro", disse aos jornalistas, no início da manifestação, Valeria Racu, porta-voz do Sindicato das Inquilinas e Inquilinos de Madrid, uma das dezenas de associações e outras entidades que convocaram os protestos.

As mesmas associações estiveram já por trás de manifestações que mobilizaram centenas de milhar de pessoas no outono passado em cidades espanholas onde o acesso à habitação é especialmente afetado pelo turismo, como no sul do país, Barcelona ou nos arquipélagos das Canárias e Baleares.

As manifestações de hoje foram convocadas para 40 cidades e pretendem ser "a primeira manifestação a nível estatal pelo direito à habitação".

"Hoje voltamos a fazer história", disse Valeria Racu, que garantiu que os protestos do outono levaram a movimentos organizados de protesto "e resistência" que impediram despejos por todo o país ou conseguiram baixar rendas em 30%, no caso de habitações que estão as mãos de bancos ou outros fundos imobiliários.

"Acabou-se termos de sair dos nossos bairros e das nossas cidades, chega de despejos, chega de sairmos com a cabeça baixa", afirmou, apelando "à resistência" ao meio milhão de famílias que, segundo os dados da associação, verão em 2025 caducar contratos de arrendamento.

Além de Madrid, houve durante a manhã manifestações em cidades como Sevilha, Málaga, San Sebastian, Santiago de Compostela, Santander ou La Palma (Canárias). As restantes estão convocadas para o final da tarde, em locais como Barcelona ou Valência.

Os organizadores levaram hoje para as ruas reivindicações aos governos central e autonómicos: a imposição de descida de 50% de todas as rendas "após décadas de especulação", a obrigatoriedade de "contratos indefinidos" de arrendamento, "a recuperação de casas vazias, turísticas e de arrendamento de curta duração" para "uma função social" ou "o fim da compra especulativa" por fundos de investimento.

Na manifestação de Madrid ouviram-se também apelos à ocupação de "casas vazias dos bancos" e gritos como: "um despejo, outra ocupação".

Segundo um relatório de 2023 da organização não-governamental (ONG) Provivienda, 5,6 milhões de famílias em Espanha (29,5%) "sofrem exclusão residencial" e a estimativa é que 12,4% vivam em risco de cair na mesma situação.

O Observatório da Habitação Digna, da escola de negócios ESADE, com sede em Barcelona, lembrou num relatório recente que o relator especial das Nações Unidas para o direito à habitação escreveu já em 2006 que a situação de Espanha era a "mais grave da Europa e uma das piores do mundo".

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