A desqualificação dos pró-democratas, em 2021, da corrida ao parlamento de Macau e a exigência de lealdade à China pode permitir no futuro o sufrágio universal, disse à Lusa o deputado Ron Lam U Tou.
Em 2023, o parlamento da região semiautónoma chinesa aprovou leis que excluem candidatos considerados não patriotas da corrida tanto à Assembleia Legislativa (AL) como a chefe de Executivo, sem direito a reclamação ou recurso junto dos tribunais.
A falta de patriotismo já tinha sido usada pela comissão eleitoral como justificação para impedir, em 2021, 21 candidatos, incluindo 15 do chamado campo pró-democrata, de concorrer ao parlamento.
Ron Lam, eleito pela primeira vez para a AL precisamente em 2021, defendeu que, com estas medidas, o Governo Central chinês deixou de ter desculpas para não implementar o sufrágio universal em Macau.
"Qualquer pessoa que queria concorrer a eleições tem de ser um patriota. Porque não pode essa pessoa enfrentar a população e aceitar o teste? (...) Os patriotas que enfrentem o teste da população serão naturalmente os melhores candidatos", defendeu o deputado.
Tal como os anteriores, o novo chefe do Executivo, Sam Hou Fai, que vai tomar posse a 20 de dezembro, foi escolhido por uma comissão com 400 membros, selecionados por mais de 6.200 representantes de associações e organizações locais.
Há cinco anos, ainda antes de ser empossado, o agora líder cessante de Macau, Ho Iat Seng, tinha reiterado a possibilidade de instituir o sufrágio universal para eleição do chefe do Executivo no território durante o seu mandato, mas nenhum passo foi dado nesse sentido.
"Acho que todo o sistema eleitoral tem de ser alterado. Até agora, eu sempre disse que o primeiro passo deve ser ter uma eleição competitiva para o chefe do Executivo", defendeu Ron Lam.
Das seis votações realizadas desde a transição de administração para a China, apenas na primeira, em maio de 1999, houve mais do que um candidato, com Edmund Ho Hau Wah a derrotar Stanley Au Chong Kit.
Em 13 de outubro, Sam Hou Fai recebeu o apoio de 394 membros da comissão, o número mais elevado de sempre, após uma campanha que levou a Associação dos Jornalistas de Macau a denunciar a "grave deterioração" da liberdade de imprensa.
Algo que leva o antigo presidente do grupo pró-democracia Associação Novo Macau, Jason Chao Teng Hei, a dizer à Lusa que Ron Lam é "demasiado otimista".
O ativista, radicado desde 2017 no Reino Unido, disse que o Partido Comunista Chinês tem "um desejo de poder que não acaba", já que "quando têm controlo sobre algo, querem mais controlo para mitigar o seu desconforto interno sobre uma eventual perda de poder".
"Receio que não seja este [o sufrágio universal] o caminho que Macau irá seguir, a não ser que haja uma grande mudança política em Pequim", acrescentou Jason Chao.
"O futuro de Macau é imprevisível", disse à Lusa Leon Ieong Meng U, especialista em política do território. "Não podemos imaginar como será a China daqui a 25 anos", quando termina o período de transição acordado com Portugal, explicou.
O investigador da Universidade de Macau lembrou que, embora Xi Jinping "provavelmente já não terá o poder" em 2049, o atual líder chinês "quebrou as tradições tácitas para transições de poder e assim ninguém sabe quem será o próximo presidente".
Ainda assim, Ron Lam acredita que o sufrágio universal "é a forma de manter a paz e a estabilidade a longo prazo em Macau e Hong Kong, porque uma sociedade aberta exige um sistema que eleja alguém em quem as pessoas confiem".
Ao contrário da Lei Básica de Macau, a `miniconstituição` de Hong Kong prevê que "a meta final é a seleção do chefe do Executivo por sufrágio universal".
Algo que não desencoraja Lam: "Eu considero que a Lei Básica [de Macau] mostra que o chefe do Executivo pode ser eleito por sufrágio universal, de uma forma gradual".