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Desobediência civil. Bolsonaro deixado a falar sozinho com o novo coronavírus

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Adriano Machado, Reuters

"Não sigam as orientações do presidente [brasileiro Jair Bolsonaro]". A directiva partiu do governador de São Paulo, João Dória, para todos os 44 milhões de habitantes daquele que é o motor da economia brasileira e mais populoso Estado brasileiro. O mesmo sinal de desobediência teve eco no Rio de Janeiro, pela boca de um outrora aliado de Bolsonaro, o próprio governador Wilson Witzel: fiquem em casa, é uma ordem. Witzel vai ao ponto de sugerir que a actuação do presidente é razão para o sentar no Tribunal Penal Internacional da Haia, onde são julgados crimes de guerra e contra a Humanidade.

A actuação do presidente brasileiro no âmbito da luta contra a pandemia de covid-19 tem sido pouco menos do que errática, com as directivas deixadas aos brasileiros num embrulho de apreciações pessoais sobre o seu passado de atleta e prognósticos de meia dúzia de mortes, nada que considere anormal, antes comparável a “um resfriadinho”.

É uma abordagem que encontra paralelo noutros políticos populistas e com forte preponderância económica da governação, alvo de fortes críticas devido à forma como estão a montar a frente de combate contra o alastrar do novo coronavírus. O presidente norte-americano, Donald Trump, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foram, numa primeira fase, duas figuras que encarnaram de forma total esse ignorar da questão sanitária em nome da normal progressão do sector económico antes de serem obrigados a recuar pelos seus próprios parceiros de executivo.Brasil tem confirmados 5.717 casos e 201 mortes. Um estudo revela que 60% dos brasileiros se mantêm fechados em casa.

Agora, com a inabilidade cada vez mais evidente de Bolsonaro para lidar com aquela que é, eventualmente, a maior ameaça sanitária que o planeta enfrentou nos últimos 100 anos, também os parceiros de governação do presidente estão gradualmente a retirar-lhe o microfone e a legitimidade para decidir. Na linha da frente desta nova cartilha que defende o isolamento social e interrupção da actividade económica como medidas principais da luta contra a covid-19 estão os chefes dos governos regionais.

Ciro Gomes, da esquerda brasileira, já veio dizer que a única forma de salvar vidas no Brasil é “uma extensa campanha de desobediência civil que parta dos governadores, autarcas, uma maioria considerável dos líderes religiosos e dos media”. Ciro Gomes diz que esse é um movimento que já se nota e é “um gesto de protecção para o povo brasileiro”.

De facto, até os seus tradicionais aliados estão a deixar o presidente isolado nas suas diatribes pseudo-científicas contra a pandemia de covid-19, um Bolsonaro que mantém a ideia de que os danos causados com o fecho da economia serão piores do que os danos causados pelo próprio vírus.

Jair Bolsonaro chega a acusar os líderes locais de estarem a inflacionar os números das vítimas de covid-19 para assim melhor justificarem a decisão de confinar as populações às suas habitações, com o inevitável abrandamento da actividade económica.

Trata-se de um posicionamento que lhe está a valer a marginalização e um voto ao ostracismo dentro do seu próprio gabinete. Uma voz que se fez ouvir nos últimos dias foi a do ministro da Saúde. Luiz Mandetta fez tábua rasa de todas as instruções que vêm sendo apregoadas junto do povo pelo presidente para também ele instar todos os brasileiros a manter “o máximo grau de isolamento social possível”.

O jornal Folha de São Paulo escrevia ontem que os ministros da Justiça, Sérgio Moro, das Finanças, Paulo Guedes, que são dos mais fortes apoiantes do presidente desde que tomou posse, e várias patentes militares estavam nesta barricada contra a atitude laxista de Bolsonaro.

Esta atitude é já a nota dominante no mapa brasileiro, com a generalidade dos governadores a remarem no mesmo sentido. Apenas três governadores se mantêm ao lado do presidente. Os líderes regionais do Amazonas, Rondónia e Roraima parecem concordar com o presidente, que quer o povo nas ruas e as lojas e serviços abertos, uma ideia que contraria todas as indicações da Organização Mundial da Saúde para este período particularmente crítico da luta contra o novo coronavírus.
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