"Descolonização urbana". Estátua de Leopoldo II da Bélgica pode ser derretida e transformada em memorial às vítimas do colonialismo

por Inês Moreira Santos - RTP
Olivier Hoslet/EPA

Dias depois de a princesa Esmeralda da família real belga ter afirmado que a Bélgica devia pedir desculpa pelo seu passado colonial, surge um novo debate sobre a chamada "cultura de cancelamento" e a "descolonização". Num relatório divulgado esta segunda-feira, vários especialistas sugerem que uma estátua de bronze do rei Leopoldo II, do século XIX, que se encontra no centro de Bruxelas, podia ser derretida e, posteriormente, transformada num memorial dedicado aos milhões de pessoas que morreram durante o seu Governo no Congo Belga e a todas as vítima do colonialismo.

"A Bélgica deve pedir desculpa", disse à AFP, na semana passada, Esmeralda da Bélgica, filha mais nova do rei Leopoldo III e bisneta de Leopoldo II. "Como num casal, as desculpas são importantes para recomeçar um relacionamento equilibrado”.

Já em 2020, durante a onda internacional das manifestações Black Lives Matter, esta escritora e jornalista também conhecida por Esmeralda de Rethy – pseudónimo que sempre usou ao longo da sua carreira – tinha manifestado ser a favor de que a Bélgica encontrasse uma forma de “descolonizar” e de contar a história do país sem homenagear, porém, os autores de momentos violentos e trágicos das suas épocas. Agora, a descendente do monarca conhecido pela violenta conquista do Congo, no final do século XIX, defendeu a remoção de algumas destas estátuas e a sua integração em museus dedicados à história colonial da Bélgica, por exemplo.

"Não estou a atacar a minha família [os membros atuais da família real]. Não somos responsáveis pelos atos dos nossos antepassados, (…) mas temos a responsabilidade de falar sobre isto", esclareceu, acrescentando que compreende as “manifestações de ódio” a estes símbolos coloniais.

O Estado Livre do Congo, uma colónia belga de 1885 a 1908 e controlada pela monarquia belga, é considerado, ainda hoje, como um dos períodos e episódios mais violentos da História da Humanidade. Antes de ser a atual República Democrática do Congo, o regime colonial de Leopoldo II foi o responsável por atrocidades diversas, incluindo a morte de cerca de 15 milhões de pessoas. E, por representar um símbolo do colonialismo e até de genocídio, o debate sobre a continuidade da imagem de Leopoldo II no centro da capital belga continua aceso.

Neste contexto, um grupo de historiadores, arquitetos e outros especialistas, encomendado pelo governo regional de Bruxelas, sugere que a estátua equestre do rei do século XIX seja removida, derretida e, quem sabe, o bronze desta possa ser transformada num memorial às vítimas do colonialismo no Congo.
Legado colonial belga
A estátua equestre de Leopoldo II, que se pode ver perto do Palácio Real em Bruxelas, tornou-se aquilo a que se chama um “ponto de inflamação” para os manifestantes durante os protestos Black Live Matter, em 2020 – a maior onda de protestos contra o racismo alguma vez vista na Bélgica.

Quase dois anos depois é divulgado um relatório de 256 páginas sobre a “descolonização urbana” na Bélgica, citado pelo Guardian esta segunda-feira, que sugere que se removam estátuas de figuras relevantes no passado colonial belga. Uma das sugestões é que o famoso monumento que homenageia o monarca do século XIX, responsável pela colonização do Estado Livre do Congo, seja derretido e que o bronze que o constitui seja reaproveitado para a criação de um memorial às vítimas.

Uma segunda opção, sugerida pelos mesmos especialistas contratados pelo governo federal da capital belga, é a criação de um parque de estátuas ao ar livre que acolha a escultura equestre e outros controversos monumentos com simbolismo colonial.

Em Bruxelas, há dezenas de monumentos e de ruas com o nome de figuras proeminentes na construção do império Belga, no final do século XIX. O legado colonial da Bélgica, incluindo os episódios de violência contra as populações africanas, o roubo de recursos naturais e os atos de racismo são “factos históricos conhecidos que nem sempre são reconhecidos e recordados pela Bélgica”, aponta o relatório.

Os especialistas não sugerem que se remova ou mesmo destrua todas as estátuas e monumentos referentes a esta época da história da Bélgica, mas propõem uma abordagem “caso a caso” para cada uma. Algumas destas obras podem ser transferidas para museus ou para um parque de estátuas. Outros podem ser renomeados ou ter placas informativas com o contexto e o que representam.

“Um espaço público descolonizado não é um espaço em que todos os traços coloniais foram apagados”, afirma o relatório. É antes um espaço “livre de elementos materiais que promovam a relação assimétrica entre o ex-colonizador branco e o ex-colonizado negro, perpetuando uma ideologia racista e desigual”.

Nesse sentido, os especialistas propõem que o Parc du Cinquantenaire, um espaço verde monumental construído para comemorar o 50.º aniversário do Estado belga, financiado pela riqueza proveniente da borracha congolesa, seja reconstruído, e que um dos monumentos seja renomeado “monumento à desconstrução da propaganda colonial belga”.

No relatório é então sugerido um memorial às vítimas da colonização, assim como um museu ou mesmo um centro de documentação onde as pessoas possam aprender sobre o passado imperial da Bélgica.

Pascal Smet, ministro responsável pele Planeamento Urbano de Bruxelas, disse à comunicação local que os autores do relatório adotaram uma abordagem diferenciada sobre os monumentos coloniais.

“O mais fácil seria livrarmo-nos de todas as estátuas, mas eles não escolheram isso”, disse Smet.

“É claro que todos nós sabemos que as pessoas que vivem na nossa cidade atualmente, não são responsáveis pela colonização, então não é uma questão de culpa, mas sim de responsabilidade coletiva”
, acrescentou. “Acho muito importante, especialmente nos tempos em que vivemos não ficarmos presos à história, mas entendermos a história”.

Smet estima que seja publicado um plano de ação até setembro, com as primeiras decisões sobre cada monumento de simbologia colonial na região da capital. Mas quanto à estátua equestre de Leopoldo II, o ministro considera que é necessário mais debate sobre o assunto.

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