Desaparecimento 43 estudantes. Autoridades mexicanas acusadas de ocultar informação sobre massacre de 2014

por Inês Moreira Santos - RTP
Isaac Esquivel - EPA

Uma investigação oficial acusa as Forças Armadas mexicanas de ocultar informações sobre o misterioso desaparecimento, em 2014, de um grupo de estudantes de Ayotzinapa. Mais de sete anos depois do Massacre de Iguala, um relatório independente indica que as autoridades mantinham os estudantes sob vigilância e sabiam do sequestro, tendo manipulado a investigação e mantido em segredo provas que poderiam ter ajudado a localizar as pessoas.

"Infelizmente, não conseguimos descobrir o destino das vítimas, o que se deve à destruição de provas, ao obstáculo, ocultação e construção de uma mentira a partir das esferas mais altas", afirmou Francisco Cox, membro do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), numa conferência de imprensa na segunda-feira. "As autoridades de segurança tinham dois processos de investigação a decorrer: um para acompanhar as ações do crime organizado na região e outro para vigiar os estudantes".

De acordo com o painel de investigadores, tanto oficiais da Marinha como do Exército mexicano tinham informações sobre o desaparecimento dos alunos da Escola Rural de Professores de Ayotzinapa e manipularam as investigações. Ao apresentar o terceiro relatório do GIEI sobre o caso, os membros da organização revelaram que as autoridades municipais, estaduais e federais sabiam, em tempo real, o que estava a acontecer na operação que levou ao desaparecimento dos estudantes.

“As autoridades municipais, estaduais e federais sabiam o que estava a acontecer em tempo real. Há informações que nos foram ocultadas, porque as autoridades militares controlavam o Centro de Coordenação de Guerrero Seguro. Também nos foi ocultado que existem investigações militares às quais não tivemos acesso e que houve processos disciplinares militares neste caso”, afirmou também a investigadora Ángela Buitrago.

Pertencente ao painel de especialistas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que apoia a investigação, Buitrago acusou as autoridades mexicanas de esconderem e falsificarem provas desde que se iniciou o processo, além de terem vigiado as vítimas antes e durante o desaparecimento.

“[A investigação] foi falseada do primeiro ao último dia”, disse na conferência Buitrago, acrescentando que as autoridades envolvidas alteraram cenas e dados relativos ao crime.

"A cena [de crime] foi alterada", afirmou ainda, apontando que, antes das diligências judiciais, o lugar foi alvo de interferência "de pessoas que não tinham a competência nem o grau de investigadores".

Juntamente com a apresentação do relatório, o GIEI divulgou um vídeo, com imagens de drone, onde se veem fuzileiros navais e militares a vigiar a zona onde os estudantes terão sido mortos.
"Encenação" de colaboração das investigações
Segundo o documento divulgado na segunda-feira, os estudantes de Ayotzinapa estavam sob vigilância por parte das autoridades porque a instituição de ensino que frequentavam tinha alegadas ligações a movimentos sociais de esquerda, o que na época era considerado um potencial foco de subversão.

O GIEI garantiu que as forças armadas não facultaram informações necessárias para o avanço das investigações e que houve uma "encenação", por parte das autoridades, para simular ordens do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, para facilitar o acesso aos dados, embora a informação fosse manipulada e parte ocultada.

O GIEI foi criado em novembro de 2014, por um acordo entre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Estado mexicano, para esclarecer o desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero. O processo de investigação sobre o sequestro das 43 pessoas na noite de 26 de setembro de 2014, em Iguala, continua por concluir.

Os documentos a que o GIEI teve acesso, e em que se basearam as conclusões agora apresentadas, incluíam transcrições de conversas entre militares e superiores, nas quais estavam detalhes sobre a chegada dos estudantes a Iguala. Os alunos da Escola de Professores planeavam viajar até à Cidade do México para participar num protesto organizado, mas terão sido raptados pela polícia local e, posteriormente, mortos por um gangue.

Desde o início, as forças armadas mexicanas negaram ter informações sobre o crime e o paradeiro dos estudantes. Mas o GIEI assegura que a interceção destas comunicações poderia ter sido usada, na altura, para localizar as vítimas depois de terem sido raptadas. Contudo, as autoridades continuaram a negar que tais conversações tenham existido e nunca as entregaram para ajudar na investigação.

Segundo Claudia Paz, que integra o GIEI, membros do Exército estavam a seguir os movimentos dos alunos dois dias antes do desaparecimento.

"Naquele momento, as autoridades tinham informações quase ao minuto do que estava a acontecer", afirmou, acrescentando que, na noite do dia 26, também sabiam "o que estava acontecer no momento da detenção e após o desaparecimento dos estudantes", ainda que essa informação não tenha sido entregue às investigações.

Além da ocultação de informações, Francisco Cox referiu que morreram 22 pessoas, consideradas testemunhas neste caso, que podiam ter informações relevantes - e que dessas duas pessoas, apenas duas morreram de causas naturais.
O que aconteceu no Massacre de Iguala?
Os 43 jovens desapareceram entre a noite de 26 e a manhã de 27 de setembro de 2014, em Iguala, num dos casos mais graves de violação dos Direitos Humanos no México, originando uma onda de condenação a nível internacional. Até agora, mais de sete anos depois, foram identificados os restos mortais de apenas três vítimas, um trabalho feito por especialistas do Instituto de Medicina Legal da Universidade de Innsbruck, na Áustria.

Para esse dia 27 estava marcada para a Cidade do México uma jornada de protesto de professores contra as normas de contratação. Os alunos da Escola de Ayotzinapa dirigiam-se então para Iguala, onde deviam apanhar um autocarro que os levasse até à capital.

Segundo as investigações dos últimos anos, os estudantes terão sido detidos pela polícia local de Iguala e entregues a narcotraficantes do cartel Guerreros Unidos após, alegadamente, ser confundidos com membros de um gangue rival.

As informações conhecidas levam os especialistas a crer que os jovens foram massacrados e os corpos incinerados. Mas este novo relatório considera que há lacunas nesta versão, razão pela qual o Governo ordenou a reabertura do processo.
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