A um mês do referendo sobre o Tratado Constitucional em França, o ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors e o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin saíram hoje a público e em socorro do "sim", que continua minoritário nas sondagens.
"Estão a mentir-vos", denuncia Delors, numa entrevista publicada hoje pelo semanário Nouvel Observateur, apontando o dedo aos adversários do texto constitucional europeu e à possibilidade de haver uma renegociação do Tratado caso seja recusado no referendo em França.
Para o ex-presidente da Comissão, o documento "representa um avanço indiscutível que foi arrancado pela esquerda europeia na sua fase preparatória" e considera que "é mentir não reconhecê-lo".
"É o texto mais social de todos os textos europeus postos até agora em prática", sustenta, dirigindo-se aos seus camaradas socialistas, cuja reticência face à adopção da Constituição Europeia continua a ameaçar a sua ratificação pelos franceses.
Cinquenta e cinco por cento dos simpatizantes socialistas mantêm o seu voto contra, apesar da campanha do PSF pelo "sim", indica a última sondagem sobre as intenções de voto no referendo de 29 de Maio, publicada na terça-feira pelo jornal Le Fígaro.
Este inquérito confirma que a maioria dos franceses (52 por cento) continua a recusar o Tratado, uma tendência que transparece em todas as sondagens divulgadas nas últimas semanas por diferentes institutos e meios de comunicação social.
Todavia, revela um recuo do "não" face à sondagem realizada pelo mesmo instituto Ipsos dez dias antes (55 por cento), em particular junto dos eleitores de direita, 79 por cento dos quais são agora a favor do Tratado, contra 40 por cento da esquerda.
A ameaça à ratificação parece assim vir da esquerda, levando os dirigentes históricos a defender publicamente o Tratado, como Lionel Jospin, que tem mantido discrição desde a derrota nas eleições presidenciais de 2002.
O ex-primeiro-ministro dá hoje a sua primeira entrevista televisiva em três anos, um acontecimento que para o deputado socialista Jean Glavany "vem no momento certo da campanha".
"O eleitorado socialista está hesitante, Jospin vai dar um empurrão ao +sim+ de esquerda", afirma.
No sábado, durante as comemorações do centenário do partido, Lionel Jospin chamou à ordem os opositores internos ao Tratado, que condenou por não respeitarem o resultado da consulta interna no PSF a favor da ratificação.
"Ignorar o voto dos militantes e romper as nossas regras comuns parece-me (...) mais inspirado pelo individualismo e o liberalismo", lançou, para desagrado dos dirigentes que defendem o "não", como Henri Emmanuelli, Jean-Luc Mélenchon e Laurent Fabius.
A intervenção de Lionel Jospin é também bem vista pela direita, que a considera "útil", admitiu hoje o ministro dos Negócios Estrangeiros, Michel Barnier.
O Governo francês receia que uma recusa francesa ao Tratado enfraqueça a sua posição no seio da União Europeia como membro fundador e motor, a par da Alemanha, e tem procurado mostrar as vantagens deste texto.
Depois da rejeição firme da chamada "directiva Bolkenstein" sobre o mercado comum dos serviços, Paris empenhou-se esta semana na definição de regras de protecção da indústria têxtil europeia face às importações de produtos chineses.
Em plena polémica, o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin aproveitou para argumentar a favor da Constituição, que institui uma política externa comum.
"Quanto mais forte for a Europa, mais credível será o diálogo como a China", frisou, num artigo publicado no jornal Le Monde de quarta-feira, afirmando que "a fraqueza não conduz a bons acordos".
"Graças ao alargamento, a Europa atingiu uma massa crítica que lhe faltava", diz, referindo as vantagens que a França obteve anteriormente com a moeda única.
"Mas não há protecção sustentável para nós sem Europa política", o que, na sua opinião, só será possível graças ao Tratado Constitucional, que permite "uma governação da Europa mais eficaz" e "capaz de dialogar de igual para igual com as outras potências".