Declínio da natureza ameaça humanidade e um milhão de espécies

por RTP
David Gray - Reuters

Um estudo divulgado esta segunda-feira pelas Nações Unidas (ONU) revela que seres humanos estão sob ameaça premente devido ao declínio acelerado dos sistemas naturais de suporte à vida na Terra, e que um milhão de espécies estão em risco de extinção nas próximas décadas.

Os especialistas da agência ambiental da ONU (IPBES) alertaram, num comunicado à imprensa, para o acelerado ritmo a que assistimos à destruição da natureza, da qual a humanidade depende para garantir a sua continuidade. A taxa de declínio dos sistemas naturais é centenas de vezes maior do que a média dos últimos 10 milhões de anos, segundo o relatório.

A biomassa de mamíferos selvagens caiu cerca de 82%, os ecossistemas naturais perderam mais de metade da sua área e pelo menos um milhão de espécies animais e vegetais estão sob uma alarmante ameaça de extinção, em grande parte devido à ação humana.

“A natureza está declinando globalmente a taxas sem precedentes na história humana – e a taxa de extinção de espécies está a acelerar, com graves impactos nas pessoas em todo o mundo”, lê-se no comunicado de imprensa onde é divulgado o resumo do estudo da autoria do grupo de especialistas da Organização das Nações Unidas sobre biodiversidade (IPBES).

Segundo o comunicado, Robert Watson, presidente do IPBES, declarou que “a saúde dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependemos está a deteriorar-se mais rapidamente do que nunca. Estamos a desfazer as próprias fundações das nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”.

No entanto, Watson diz que “não é tarde demais para fazer a diferença, mas apenas se começarmos agora a todos os níveis, do local ao global”, e adverte que são necessárias “mudanças transformadoras” como uma “reorganização fundamental em todo o sistema, através de fatores tecnológicos, económicos e sociais, incluindo paradigmas, metas e valores”.

Ambiente “severamente danificado” pelo Homem

O relatório das Nações Unidas, o documento mais abrangente concluído até ao momento, refere que 75% do meio ambiente terrestre “foi severamente danificado”, assim como 66% do ambiente marinho. As atividades humanas, como a desflorestação, a agricultura intensiva, a pesca industrial e a urbanização desenfreada, consequência do crescente aumento populacional, são apontados como os principais fatores para este declínio da natureza.

O relatório conclui que cerca de um milhão de espécies, animais e vegetais, estão neste momento ameaçadas de extinção, mais do que em qualquer outra altura da história.

Segundo o estudo, a abundância média de espécies nativas nos principais habitats caiu em cerca de 20%, principalmente desde 1900, mais de 40% das espécies de anfíbios e 33% dos corais estão ameaçados, assim como mais de um terço dos mamíferos marinhos.

Quanto às espécies de insetos, essenciais para a polinização das plantas, estima-se que pelo menos 10% estejam ameaçadas de extinção, sendo que em algumas regiões as populações de algumas espécies diminuíram.

Em março, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) calculou que existem cerca 27.159 espécies em perigo, ameaçadas de extinção ou já extintas na natureza, entre quase 100 mil espécies analisadas em profundidade pelos especialistas.

Neste grupo incluem-se 1.233 espécies de mamíferos, 1.492 espécies de aves e 2.341 espécies de peixes. Quase metade das espécies ameaçadas são plantas.

Josef Sttele, investigador que participou neste estudo, refere que “Ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais e raças de plantas e animais domesticados estão a reduzir-se, deteriorando-se ou desaparecendo. A rede essencial e interconectada da vida na Terra está a ficar menor e cada vez mais desgastada ”, reforçando ainda que esta "perda é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça direta ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo".

De forma a alertar para as conclusões deste relatório, os autores da avaliação classificaram, pela primeira vez nessa escala e com base em uma análise minuciosa das evidências disponíveis, os cinco fatores diretos da mudança na natureza com os maiores impactos globais relativos até agora.

Esses fatores são apresentados no documento segundo a seguinte ordem decrescente: mudanças no uso da terra e do mar; exploração direta de organismos; mudança climática; poluição e espécies exóticas invasoras.

Impactos na (e da) vida humana

Como é exposto no relatório, as mudanças climáticas, a poluição e as espécies invasoras têm tido algum impacto, mesmo que relativamente baixo, estando a acelerar-se mais o processo de detioração da natureza. No entanto, a ação humana, o crescimento populacional e as desigualdades têm uma contribuição maior nesta degradação dos ecossistemas.

Se a instabilidade climática e a escassez de água potável (doce) é assustadora, a tendência é de se agravar se não se atuar imediatamente.

Os dados apresentados no relatório indicam que: três quartos do ambiente terrestre e cerca de 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas; mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária; o valor da produção agrícola aumentou cerca de 300% desde 1970, a colheita de madeira bruta subiu 45% e anualmente são extraídos aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos (quase o dobro desde 1980); mais de 100 milhões de pessoas estão em risco aumentado de inundações e furacões, em resultado da perda de habitats costeiros; em 2015, 33% dos peixes marinhos foram pescados em níveis insustentáveis; e aumentou dez vezes mais a poluição com plásticos desde 1980.

Além disso, desde 1980, que as emissões de gases com efeito de estufa aumentaram para o dobro, o que levou ao aumento da temperatura média global em pelo menos 0,7 graus Celsius. Com a mudança climática já a alterar e a degradar a natureza, do ecossistema à genética, os impactos devem aumentar nas próximas décadas, em alguns casos, superando o impacto da mudança da utilização e exploração da terra e do mar, entre outros fatores, de acordo com as conclusões deste estudo.

O relatório da ONU refere como primeiro alvo o sistema agroalimentar, sublinhando que alimentar cerca de 10 mil milhões de pessoas, em 2050, de forma sustentável implica uma transformação da produção agrícola (como a agroecologia e um melhor uso da água), mas também dos hábitos de consumo.

Os cientistas concluem que as metas globais para conservar e usar a natureza, de forma sustentável, e alcançar a sustentabilidade não podem ser alcançadas pelas trajetórias atuais, sendo necessárias mudanças profundas, principalmente a nível tecnológico e político.

O documento da ONU destaca também que a qualidade de vida irá degradar-se ainda mais entre os mais pobres e nas regiões onde vivem populações autóctones muito dependentes da natureza.

Compilado por 145 especialistas de 50 países, ao longo dos últimos três anos, e com contribuições de outros 310 autores, o relatório avalia as alterações nas últimas cinco décadas, através de uma visão abrangente da relação entre o desenvolvimento económico e o seu impacto na natureza, sendo o primeiro relatório intergovernamental sobre o estado global da natureza e dos ecossistemas.

Apesar de este relatório apontar muitas pistas, a questão principal agora é saber se os países membros da Convenção das Nações sobre a Diversidade Biológica vão estabelecer na agenda da próxima reunião, na China, em 2020, os objetivos esperados pelos defensores do meio ambiente por um planeta sustentável em 2050.
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