Debate EUA. Donald Trump e Kamala Harris chocam na economia, nas migrações e no direito ao aborto

por Inês Moreira Santos - RTP
Saul Loeb - AFP

O debate começou à hora certa com um aperto de mão entre os dois candidatos, que discordaram em temas como economia, migrações e direito ao aborto. Kamala Harris disse que baixará os impostos para a classe média e acusou o opositor republicano de não ter plano para a economia. Já Donald Trump culpou os imigrantes de serem "terroristas", de roubarem empregos dos norte-americanos, de comerem animais de estimação e de destruírem o país. O antigo presidente - que nega ter estado envolvido na invasão ao Capitólio ou ter perdido as eleições de 2020 - considerou os democratas "radicais", equiparando as suas leis de aborto à "execução" de bebés.

O debate histórico de terça-feira foi o primeiro entre Donald Trump e Kamala Harris e começou com um raro aperto de mãos, iniciado pela vice-presidente, que se apresentou pelo nome, num lembrete de que esta é a primeira vez que os dois políticos se encontram pessoalmente. A primeira a falar, durante dois minutos, foi a candidata democrata, abrindo o debate com o tema da economia e custo de vida.

“Eu fui criada na classe média e sou a única pessoa neste palco com um plano que visa levantar a classe média e os trabalhadores da América. Acredito na ambição, nas aspirações, nos sonhos dos americanos e é por isso que imagino ter um plano para construir o que será uma economia de oportunidades”.

Segundo a vice-presidente, "falta de habitação e o custo de habitação é demasiado elevado para muitas pessoas”

“Tenho uma visão para este país”, afirmou Kamala Harris. “Tenciono ampliar uma redução de impostos para quem tem filhos, para que as jovens famílias possam comprar um berço, uma cadeirinha para o carro, roupas para o bebé.”De seguida, invocou a história da própria família para dizer que adora “as pequenas e médias empresas” e prometeu redução de impostos para estas. “O meu adversário vai fazer o contrário, cortar impostos aos milionários.”

Donald Trump começou a sua intervenção a responder à opositora: “em primeiro lugar não há nenhum imposto sobre as vendas e isso está completamente errado”.

O candidato republicano desmentiu a opositora sobre a economia e lembrou que aplicou tarifas a “vários países do mundo”. “Mil milhões de dólares vieram da China.”

Donald Trump criticou ainda a inflação: “No meu caso, houve tarifas. Não houve inflação”.

Após a parte económica, Donald Trump entrou ao ataque nas migrações: “Milhares de pessoas entram no país e estão ocupá-lo”, continuou, culpando os migrantes de ficarem com muitos empregos dos norte-americanos.

“São estas pessoas que esta senhora e o presidente Biden deixaram entrar no nosso país e o estão a destruir”
, atacou. “Pessoas perigosas. Estão ao mais alto nível de criminalidade. Temos de as retirar do país”.
Harris "copia plano de Biden" para economia

“Donald Trump deixou-nos a taxa mais alta de desemprego, desde a Grande Depressão”, contra-atacou Kamala. “Deixou-nos a pior epidemia num século. Donald Trump deixou-nos o pior ataque à democracia, desde a Guerra Civil”.

“O que fizemos foi limpar o que ele fez. O que eu pretendo fazer é construir naquilo que sabemos que são as aspirações e as esperanças do povo americano”.

“Vão ouvir um monte de mentiras neste debate”, continuou. “Vão ouvir falar do chamado ‘Projeto 2025’ que ele pretende implementar”, referindo-se ao programa da Heritage Foundation feito por alguns colaboradores de Trump, de que este se tem distanciado.

“E eu acredito que o povo norte-americano quer um presidente que entenda a importância de nos unirmos”.

Trump, por sua vez, nega qualquer envolvimento.

“Não tenho absolutamente nada a ver com o Projeto 2025, nem se quer o li, nem o vou ler”.

“Toda a gente sabe o que vou fazer: vou cortar nos impostos e criar uma excelente economia. Como fiz anteriormente”, afirmou, apontando a pandemia da covid-19 como a principal responsável pela crise.

“Fizemos um trabalho fabuloso na pandemia”.

O candidato presidencial republicano classificou a vice-presidente de ser "marxista" e acusou-a de não ter planos económicos próprios, copiando políticas do atual presidente, Joe Biden.

"Ela não tem um plano. Ela copiou o plano de Biden e resume-se a quatro frases. Quatro frases que são apenas 'vamos tentar reduzir os impostos'. Ela não tem programa", disse Trump durante o primeiro debate entre os dois candidatos na Filadélfia.O ex-presidente voltou a afirmar que a inflação nos Estados Unidos é "provavelmente a pior da história" norte-americana, uma falsa alegação que a imprensa norte-americana rapidamente clarificou, embora assinalando que a inflação durante o corrente Governo de Biden tem sido maior do que o normal nos últimos anos.

“Se ela for eleita, (…) será o fim do nosso país. Ela é marxista. Toda a gente sabe. O pai dela é marxista, é professor de marxismo e ensinou-a muito bem”.

Donald Trump voltou depois a acenar com o tema de migrações. 

“Milhões de pessoas estão a entrar no país. Criminosos. Isso é mau para a nossa economia.”

E acusou novamente os democratas de “destruírem o país” com “políticas loucas”.
"Velha retórica"
Ao longo do debate, Kamala Harris regressou várias vezes à sua mensagem económica, dizendo que, ao contrário da “velha retórica” de Trump, tem um plano para tornar os bens mais baratos e a habitação mais acessível.

Questionada sobre a sua mudança de opinião quanto ao ‘fracking’, método de extração e hidrocarbonetos do solo, Harris garantiu que não irá bani-lo e que não o baniu enquanto vice-presidente.  Esta é uma questão crucial na Pensilvânia, um Estado decisivo onde os candidatos estão empatados.

“Eu dei o voto que aprovou a Lei de Redução da Inflação, que abriu novas licenças de ‘fracking’”, salientou Harris. “O que eu defendo é que precisamos de investir em fontes de energia diversas para reduzir a dependência de petróleo estrangeiro”, afirmou, lembrando o grande aumento da exploração petrolífera doméstica durante a administração Biden.

“Tenho um plano para a economia de oportunidades”, declarou, contrastando com o plano de Donald Trump de voltar a cortar os impostos às empresas e milionários.
Discórdia sobre leis do aborto

Um dos temas mais polémicos deste debate foi o aborto, destacando-se as alegações de Trump sobre as "execuções de bebés" e abortos no fim da gravidez em alguns Estados norte-americanos.

“Eles têm o aborto no nono mês”, apontou Donald Trump, acusando o anterior governador de Virginia Oeste de dizer que “os bebés nascem e depois vê-se o que se vai fazer”.
“Iam matar os bebés”, contiuou o republicano. “Os democratas são radicais nesta questão”
“O vice-presidente, Tim Walz, é uma escolha terrível”, afirmou ainda, dizendo que o democrata defende as “execuções” de bebés.

“Eu não concordo com nada disso”, assegurou o ex-presidente. “Eu acredito nas exceções para violações, incesto, perigo de vida da mãe”.

Abordando a lei Roe v. Wade — que colocou nas mãos dos Estados a decisão de proibição do aborto — Donald Trump defendeu a sua revogação.

“Os Estados estão a votar pela primeira vez. Foi um assunto que dividiu o nosso país. Todos os especialistas, democratas, republicanos, liberais eles podem votar”, disse. “Fiz um serviço incrível".

Em resposta às "execuções de bebés", Kamala repetiu: "vão ouvir muitas mentiras”.

De acordo com Kamala, na nomeação de vários juízes do Supremo Tribunal por parte de Trump teve “a intenção de que acabassem com a proteção do Roe v. Wade e foi isso que eles fizeram”.

“Há leis Trump que não preveem exceções nem sequer para violação”
, diz, referindo-se à aplicação feita por alguns estados. “É imoral.”

“A decisão do que uma mulher faz com o seu corpo não pode ser tomada pelo Governo”, rematou Kamala Harris.“É mentira”, respondeu Trump, admitindo que não vai proibir o aborto a nível federal, voltando a defender que os Estados devem ter o poder para legalizar ou ilegalizar o aborto.

“Apoio completamente que sejam reaplicadas as proteções do Roe v. Wade“, disse claramente a candidata democrata.

De seguida, quis clarificar que “não há qualquer lugar na América onde uma mulher leve uma gravidez até ao final do termo e depois peça um aborto” — referindo-se à questão das “execuções” levantadas por Trump.

“Isso é insultuoso para qualquer mulher na América”
, lamentou.
Imigrantes comem animais de estimação, diz Trump

Donald Trump, repetiu no debate de terça-feira as alegações feitas em círculos republicanos de que imigrantes ilegais estão a "comer animais de estimação" de cidadãos norte-americanos.

“Em Springfield, eles estão a comer cães. As pessoas que chegam estão a comer os gatos. Eles estão a comer os animais de estimação das pessoas que vivem lá", acusou o ex-chefe de Estado, antes de ser recordado pelo moderador do debate de que essas alegações foram oficialmente desmentidas.
“O nosso país está a perder. Somos uma nação que continua a falhar. O nosso país está a perder-se. Vamos ter uma terceira guerra mundial, porque milhões de pessoas estão a entrar no nosso país”.
“Ela está a está a destruir o nosso país”, atirou.

Entre risos, Harris respondeu: “por falar sobre coisas extremas", ironizou, referindo-se depois aos apoios que recebeu de vários políticos republicanos conhecidos, “incluindo o do antigo vice-presidente Dick Cheney”.

“E se quiserem saber quem o antigo Presidente é mesmo, perguntem a quem trabalhou com ele”, diz, citando as críticas de membros da administração Trump como John Kelly e o general Mattis.

O magnata republicano voltou a alegar que a administração de Joe Biden e Kamala Harris permitiu que "milhões de criminosos" entrassem no país e que isso levou a que as taxas de criminalidade "em todo o mundo" caíssem.

"Eles destruíram o tecido do nosso país"
, acusou.

O político republicano afirmou ainda que os Estados Unidos se tornarão uma "Venezuela em esteróides" se a sua rival democrata, a vice-presidente Kamala Harris, se tornar Presidente.

“Sou a única pessoa aqui que acusou organizações internacionais pelo tráfico de armas, drogas e de seres humanos", reagiu Kamala Harris. "E deixem-me dizer que o Congresso dos Estados Unidos, incluindo alguns dos membros mais conservadores, conseguiram uma lei de segurança fronteiriça que eu apoiei. Essa lei incluía mais 50 mil agentes na fronteira para ajudar os que estão a fazer horas extra a fazer o seu trabalho”.

“Teria permitido que estancássemos o fluxo de fentanil a entrar pelas nossas fronteiras”, disse. “Mas Trump ligou a algumas pessoas do Congresso e disse ‘Matem essa proposta de lei’”.

Os norte-americanos, na visão de Kamala, “precisam de um líder que se envolva em soluções, que lide com os problemas que temos em mãos”.

“Ele vai falar muito sobre imigração esta noite”,
acrescentou a candidata. “Convido-vos a assistir a um comício de Donald Trump, porque é muito interessante. Ele fala de personagens fictícias como Hannibal Lecter. Ele fala de moinhos que provocam cancro. E as pessoas saem mais cedo, exaustas e aborrecidas. Aquilo de que ele não fala é de vocês e das vossas necessidades, sonhos e esperanças.”
"Nada a ver" com invasão ao Capitólio

Quando questionado sobre a invasão do Capitólio, Donald Trump assegurou que “não tem nada a ver” com o incidente, vincando que apoiou protestos “pacíficos e patrióticos” e que foi convidado a discursar nesse dia.

Atirando contra a polícia que abateu manifestantes pró-Trump, o antigo presidente voltou a insistir na questão nas migrações.

“E as pessoas que entram no nosso país quando é que vão ser julgadas e condenadas? Ela [Kamala] é a czar das fronteiras”.

Confrontado novamente com a invasão de 6 de janeiro, Trump responsabilizou Nancy Pelosi, a antiga líder da Câmara dos Representantes, e a autarca de Washington, Muriel Bowser. “Eu estava no Capitólio no dia 6 de janeiro”, começou por responder Kamala Harris. “Naquele dia, o presidente dos EUA incitou uma multidão violenta”.

De seguida, Harris lembrou que esta não era uma situação “isolada” e relembrou as manifestações de Charlotesville, “onde havia gente com tochas a cuspir ódio antissemita”. “E o que disse Trump? Que havia ‘boas pessoas nos dois lados’”.

A democrata ligou o assalto em Washington D.C. a outros momentos, de Charlottesville às milícias de extrema-direita Proud Boys.

“Se não concordarem com isto, há um lugar para vocês nesta campanha”.

Donald Trump insistiu, então, que venceu as eleições presidenciais de 2020 e assegurou que existem “provas”. “Tive mais votos do que qualquer segundo classificado”, argumenta.

Mas a opositora reagiu e lembrou que “Donald Trump foi despedido por 81 milhões de pessoas”.

“Quando chega a este debate e nega que tenha perdido esses casos judiciais [sobre as eleições] leva-nos a pensar que talvez este candidato não tenha o feitio ou a capacidade de não se confundir sobre os factos. Isso é preocupante”, afirma, pondo em causa a acuidade mental do antigo chefe de Estado.
Trump "manipulado" por líderes autoritários
Kamala Harris acusou Donald Trump de ser fraco em política externa e facilmente manipulado por líderes autoritários, "com lisonja e favores".

"É bem sabido que Donald Trump é fraco e está equivocado em segurança nacional e política externa", atirou Kamala Harris, dizendo que o oponente "admira ditadores" e quer ele próprio ser um.

"Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria sentado em Kiev neste momento"
, atirou Harris, argumentando que o plano do republicano para resolver a invasão da Ucrânia é ceder o país à Rússia.

A democrata também citou declarações passadas do ex-presidente sobre a invasão da Ucrânia ser um ato "brilhante" de Vladimir Putin e mencionou as cartas trocadas com o ditador norte-coreano Kim Jong-un.

"Eles [ditadores] podem manipulá-lo com lisonja e favores", disse, afirmando que os líderes militares chamam Trump de "desgraça".

Donald Trump não tem dúvidas de que quer “que a guerra termine”, mas não disse se a Ucrânia deve vencer o conflito.

E dirigindo-se aos países europeus, Trump afirmou que os países da NATO não estão a pagar o suficiente, porque “Biden não tem coragem de pedir à Europa.”

Trump admitiu ter uma “boa relação” com Zelensky e Putin e que pretende falar com os dois para terminar a guerra brevemente. Na sua opinião os líderes russo e ucraniano “não respeitam” Biden, criticando ainda o facto de o atual Chefe de Estado não entrar em contacto com o líder russo.

“Vou resolver a guerra antes de ser presidente. Vou falar com um, vou falar com outro, vou juntá-los”, assegurou Donald Trump, referindo-se a Zelensky e Putin.

Sobre o conflito em Gaza, Harris disse que será "sempre" favorável ao direito de Israel a defender-se, mas que a guerra com o Hamas na Faixa de Gaza "tem de acabar imediatamente" e que a solução para o conflito é a de dois estados.

Kamala Harris relembrou que, “a 7 de outubro, o Hamas, uma organização terrorista, massacrou 1200 israelitas”.

“Israel tem direito a defender-se, nós também o faríamos”, afirmou. Mas a seguir a candidata frisou que “demasiados inocentes estão a ser mortos” em Gaza.

“Esta guerra tem de acabar”
, sublinhou, acrescentando que a administração Biden “continua a trabalhar a toda a hora” para conseguir uma solução que garanta segurança a Israel e direito à auto-determinação dos palestinianos.

“Temos de ter uma solução de dois Estados”. Procurando agitar Trump, responsabilizou-o pelo mau acordo de retirada do Afeganistão, que foi negociado ainda durante a administração anterior, mas aconteceu durante a administração Joe Biden com resultados desastrosos.
"Somos uma nação falhada"

Kamala Harris e Donald Trump defrontaram-se na terça-feira, pela primeira vez, num histórico debate presidencial que poderá definir a corrida à Casa Branca.

Na mensagem final do debate, Kamala Harris concluiu que no palco estiveram em confronto “duas visões muito diferentes para o nosso país: uma focada no futuro e outra no passado”.

“Mas não vamos voltar atrás”
, declarou, soblinhando que o seu foco é ajudar a concretizar “os sonhos, as esperanças e as ambições do povo americano.”

Já Trump aproveitou as declarações finais para apontar a opositora como a "pior vice-presidente da História".

O candidato republicano afirmou ainda que o povo norte-americano “não acredita” em muitas das coisas que Kamala Harris defende.

“Somos uma nação falhada. Estamos em sério declínio. Estão a rir-se de nós. Líderes estrangeiros ligam-me e não entendem o que se passa. Não somos um líder. Não temos ideia”
, afirmou.

Sediado pela rede ABC News, o debate decorreu no National Constitution Center, em Filadélfia, e foi regido pelas mesmas regras que foram ditadas para o histórico debate de junho entre Trump e o atual Presidente e ex-candidato democrata, Joe Biden, que acabou por desistir da corrida após um fraco desempenho nesse confronto.

Os jornalistas da ABC News David Muir e Linsey Davis moderaram o debate, o único agendado até ao momento entre Donald Trump e Kamala Harris, pelo que poderá ser a primeira e única vez que os eleitores verão os dois políticos num frente-a-frente antes da eleição.

c/ Lusa
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