De aliados a inimigos? Varsóvia arrefece relações com Kiev em véspera de eleições polacas

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
"As relações entre a Polónia e a Ucrânia estão a deteriorar-se, sobretudo por causa da campanha eleitoral", afirmou Marcin Zaborowski, do grupo de reflexão Globsec. Viacheslav Ratynskyi - Reuters

A poucos dias das eleições legislativas na Polónia, que se realizam no próximo domingo, as relações entre Varsóvia e Kiev continuam a degradar-se. Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia que a Polónia tem sido um forte aliado de Kiev. No entanto, após 18 longos meses de conflito, o cansaço da guerra parece ter-se instalado no país vizinho e a solidariedade diminuído. Com vista à reeleição, o partido ultraconservador polaco no poder, Lei e Justiça (PiS), mudou de direção durante a campanha eleitoral.

A Polónia, que vai a votos no próximo dia 15 de outubro, tem surpreendido nos últimos meses com uma série de declarações negativas sobre a Ucrânia, país com o qual partilha mais de 500 quilómetros de fronteira e que tem apoiado fortemente durante a guerra.

"As relações entre a Polónia e a Ucrânia estão a deteriorar-se, sobretudo por causa da campanha eleitoral", afirmou Marcin Zaborowski, do grupo de reflexão Globsec, em declarações à agência France Presse.O partido Lei e Justiça (PiS), no poder desde 2015, "quer atrair os eleitores anti-ucranianos que o partido de extrema-direita Konfederacja também cobiça", acrescentou.

De acordo com as previsões das sondagens será uma eleição renhida disputada com três partidos da oposição - que oscilam entre o centro-direita e a esquerda - e ainda com um quarto partido, o Konfederacja, considerado de extrema-direita e cético relativamente ao apoio à Ucrânia e ao acolhimento de refugiados ucranianos na Polónia.

Uma vez que o partido no poder Lei e Justiça (PiS), do atual primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki, não está seguro de conseguir garantir um terceiro mandato consecutivo, está a tentar obter todos os votos nacionalistas.

Citado pela AFP, o especialista em relações internacionais Marcin Zaborowski defende que com esta mudança de rumo “o partido PiS está a sacrificar a política externa no altar da política interna.

Os laços entre a Polónia e a Ucrânia deterioram-se desde que, em meados de setembro, Varsóvia decidiu alargar a proibição das importações de cereais ucranianos para proteger os seus próprios agricultores, tendo Kiev retaliado levando o assunto à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Dias depois, a tensão entre os dois países aumentou com o anúncio polaco de que iria cessar o fornecimento de novo armamento à Ucrânia, uma vez que o Governo da Polónia pretendia concentrar-se na modernização do seu próprio exército.

Na altura o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky acusou "certos países de fingirem solidariedade (com a Ucrânia) apoiando indiretamente a Rússia", no seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. 

Estas acusações não caíram bem a Varsóvia, que convocaram o embaixador ucraniano e consideraram os comentários de Zelensky "injustificados em relação à Polónia, que tem apoiado a Ucrânia desde os primeiros dias da guerra".  "Parte do eleitorado do PiS considera que o partido apoia demasiado a Ucrânia, pelo que o Governo quer mudar isso, daí o conflito em torno dos cereais e das armas", defendeu Zaborowski.

O especialista acrescenta que "o PiS também se apercebeu de que os polacos estão cada vez mais céticos em relação à Ucrânia" e ao acolhimento de refugiados. Desde o início do conflito na Ucrânia que a Polónia é, juntamente com a Alemanha, o pais que mais acolhe refugiados ucranianos, cerca de um milhão de pessoas cada.

Como têm confirmado as recentes sondagens, segundo o instituto CBOS o apoio à aceitação de refugiados ucranianos na Polónia caiu de 76 por cento para 65 entre julho e setembro. Já outra sondagem, realizada pelo instituto Ibris, revelou que cerca de 40 por cento dos polacos se opõem ao prolongamento dos mecanismos que facilitam o acesso dos ucranianos ao mercado de trabalho, aos cuidados de saúde, à educação e às prestações sociais.

"A guerra e toda a atmosfera positiva em torno da ajuda colocaram um véu sobre velhos problemas que não vão desaparecer, nomeadamente os conflitos sobre o passado ou as diferenças de interesses económicos, incluindo os relacionados com a futura adesão da Ucrânia à UE", declarou à AFP Piotr Buras, diretor do ECFR, um grupo de reflexão com sede em Varsóvia.

c/ AFP
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