Dados novos sobre a cumplicidade dos EUA nos massacres de Sabra e Chatila

por RTP
Calcula-se que os dois massacres tenham custado entre 800 e 2.000 vidas DR

Um investigador da Universidade de Columbia trouxe hoje a público actas de reuniões de há 30 anos entre vários responsáveis israelitas, incluindo Ariel Sharon, e o embaixador norte-americano Morris Draper, que lançam uma nova luz sobre o comportamento dos Estados Unidos relativamente aos massacres de Sabra e Chatila.

Israel tinha invadido o Líbano e as suas forças (Tsahal) tinham avançado até às portas de Beirute. Os Estados Unidos tinham desaconselhado a entrada do Tsahal numa capital árabe, pelas reacções que poderia desencadear em todo o Médio Oriente um tal facto, com foros de provocação.
O impasse de Beirute e a violação do cessar-fogo O primeiro-ministro Yitzhak Shamir e o ministro da Defesa Ariel Sharon tinham-se comprometido a deter o avanço do Tsahal, mas obtiveram por isso substanciais contrapartidas. A mais importante consistia na retirada da OLP de Beirute. Mas também a ascensão de Bashir Gemayel à chefia do governo libanês fazia parte das vantagens obtidas pelos israelitas, que pareciam ter nesse falangista cristão um potencial serventuário.

A OLP aceitou embarcar as suas forças para um novo exílio em troca de garantias norte-americanas de que as tropas palestinianas não seriam atacadas durante a retirada e de que seriam protegidas as populações civis palestinianas que permanecessem no Líbano. Os EUA foram portanto fiadores do acordo, que a OLP cumpriu, com a prometida retirada.

Mas, no dia 14 de setembro de 1982, o novo primeiro-ministro libanês, Gemayel, foi morto por um atentado bombista. A organização do atentado nunca foi inteiramente esclarecida, sendo em algumas versões atribuída aos serviços secretos sírios e noutras aos próprios israelitas, que estariam decepcionados por Gemayel não ter, durante as suas escassas semanas à cabeça do Governo, ter declarado a paz com as forças invasoras.

Seja qual for a versão certa, só as forças palestinianas derrotadas e em retirada ficam excluídas de conjecturas sobre a responsabilidade no atentado. Mas foi precisamente contra a população palestiniana que se desencadearam as sangrentas represálias pela morte de Gemayel.

Logo no dia seguinte ao atentado, o Tsahal recebeu ordens de Ariel Sharon para invadir Beirute, violando o cessar-fogo que tinha os EUA como fiador. E no dia 16 abriram as portas dos campos de refugiados palestinianos à milícia falangista sedenta de vingança pela morte do seu chefe. A matança dos civis de Sabra e Chatila teve início imediatamente.

As tropas israelitas, colocadas à entrada dos campos, forneceram aos falangistas holofotes para iluminarem durante a noite as ruas de Sabra e Chatila, e permaneceram fora a aguardar que se concluíssem os dois massacres. Entretanto, a aviação israelita também iluminava os campos para impedir os palestinianos de se esconderem a coberto da escuridão. Os balanços oscilam entre os 800 e os 2.000 mortos.
O embaixador dos EUA e os massacres Os documentos hoje revelados em artigo do New York Times pelo investigador norte-americano Seth Anziska são actas de uma conversa entre o embaixador dos EUA, Morris Draper, e os máximos dirigentes israelitas no dia 17 de Setembro (faz hoje 30 anos), precisamente quando os dois massacres se encontravam em curso.

Nesses documentos não é claro que Draper soubesse o que estava a passar-se em Sabra e Chatila. Mas não há dúvida que o embaixador tinha consciência da iminência de um banho de sangue e se preocupava exclusivmente com a imagem que isso iria dar dos EUA e, acessoriamente, também de Israel.

Assim, Draper aceita o argumento israelita de que as forças da OLP afinal não evacuaram completamente Beirute e deixaram para trás uns 2.000 "terroristas". O argumento de Sharon varia na quantificação, mencionando noutras ocasiões 1.000, ou 500, mas mantém sempre que se trata de combatentes bem armados.

Quando declara a posição oficial norte-americana pela saída israelita de Beirute, Draper fundamenta assim as suas exortações: "Pessoas hostis dirão que o Tsahal está em Beirute para permitir aos libaneses [falangistas] que matem palestinianos nos campos [de refugiados]". Sharon replica-lhe: "Se vocês não querem que os libaneses os matem, matamo-los nós". E Draper volta à carga: "Queremos que vocês partam. Deixem que sejam os libaneses a fazê-lo".
Um arrependimento tardio Só depois, diante da catástrofe política que os massacres representavam, Draper mudará de discurso. No dia seguinte, Draper envia uma mensagem a Sharon: "É horrível. Tenho um delegado nos camplos a contar os corpos. Você devia ter vergonha". O mesmo delegado norte-americano pôde também observar que já não havia quaisquer combatentes da OLP nos campos de refugiados.

O secretário de Estado George Shultz dirá mais tarde nas suas memórias que "os israelitas disseram que entrevam em Beirute (...) para evitar um banho de sangue, e constata-se que [afinal] o facilitaram e talvez tenham mesmo suscitado". E conclui: "O resultado brutal terá sido que nós [EUA] fomos parcialmente responsáveis".

Entrevistado pelo diário francês Le Monde, Seth Anziska não poupa o embaixador Morris Draper: "Em resumo, ele acaba por dizer aos israelitas: 'Bom, vá lá, matem os terroristas e partam a seguir'. Aí reside o fracasso da diplomacia americana".
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