Curdistão. Öcalan, líder do PKK, apela à deposição de armas e à dissolução do partido
Abdullah Öcalan, líder dos Partido dos Trabalhadores do Curdistão, PKK, apelou esta quinta-feira ao fim da luta armada e à dissolução do partido, que luta há décadas pela autonomia do Curdistão. É a conclusão de vários meses de negociações que poderão levar à libertação condicional de Öcalan, que está preso em solitária há 26 anos.
"Todos os grupos devem abandonar as armas, o PKK tem de se dissolver. Peço que abandonem as armas e assumo a responsabilidade por este apelo", declarou Öcalan, de 75 anos. A mensagem foi lida numa conferência de imprensa, em Istambul, por membros do Partido Popular da Igualdade e da Democracia (DEM), pró-curdo e de oposição ao governo do presidente turco Recep Tayyip Erdogan.
"O consenso democrático é o caminho fundamental", acrescentou. "Convoquem o congresso e decidam", apelou ainda Abdullah Öcalan, segundo o comunicado.
Na sua carta, Öcalan justificou a decisão, lembrando que o PKK foi formado durante um período em que o Estado turco restringia os direitos curdos. Atualmente isso já não se verifica, explicou, referindo que a identidade curda já não é negada na Turquia e que houve "melhorias na liberdade de expressão".
"O respeito pelas identidades, a livre expressão, a auto-organização democrática de cada segmento da sociedade com base nas suas próprias estruturas socioeconómicas e políticas, só são possíveis através da existência de uma sociedade democrática e de um espaço político", afirmou Öcalan.
Não houve de imediato reações do Governo turco nem do presidente recep Tayyip Erdogan, mas, numa primeira reação ao apelo de Öcalan, Efkan Ala, o vice-presidente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o partido do regime, afirmou que a Turquia ficará "livre das suas grilhetas" se o PKK depuser as armas e se dissolver. Ala acrescentou que o governo espera que o PKK obedeça ao seu líder.
Em comunicado, também Nechirvan Barzani, presidente da região semi-autónoma do Curdistão iraquiano, onde o PKK está sediado, aplaudiu o apelo de Öcalan. "Acolhemos calorosamente a mensagem de Öcalan", afirmou, "e apelamos ao PKK para que a cumpra e a ponha em prática", declarou Barzani na rede social X.
"Nós, na região do Curdistão, apoiamos plenamente o processo de paz", acrescentou, argumentando que através da "luta pacífica, civil e democrática" se obtêm "melhores resultados" do que através da violência.
Por essa razão, ofereceu a ajuda do Curdistão iraquiano para um hipotético processo de paz na vizinha Turquia e elogiou também o papel do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e do seu Governo, "que tem trabalhado pela paz com uma visão clara".
O apelo de Öcalan, caso seja cumprido pelos militantes do PKK, poderá dar uma nova legitimidade e impulso, na sociedade turca, ao Partido Popular e da Igualdade e da Democracia, DEM, pró-curdo.
Fundado em 1978 e ilegalizado pela Turquia, o PKK procurou estabelecer uma pátria independente para os curdos no sudeste da Turquia, mas desde então afastou-se oficialmente dos objectivos separatistas, apelando, em vez disso, a mais autonomia.
Contudo, não renunciou à violência armada e os grupos afiliados no PKK continuaram a realizar ataques esporádicos na Turquia. O partido é considerado uma organização terrorista pelo governo turco, pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Em Outubro passado, o PKK assumiu a responsabilidade por um ataque a uma empresa de defesa estatal turca perto de Ancara, que matou cinco pessoas e feriu outras 22. Em resposta, a Turquia atingiu alvos do PKK nos territórios curdos do Iraque e da Síria, onde as forças armadas turcas bombardeiam regularmente a resistência.
Bahceli, um político nacionalista, sugeriu que Öcalan poderia obter liberdade condicional se o seu grupo renunciasse à violência e dispersasse. O mais provável é contudo que Öcalan consiga apenas sair do isolamento.
No ano passado, Öcalan disse que poderia mudar a questão curda "de uma arena de conflito e violência para uma arena de direito e política", garantindo mais tarde que estava "pronto para tomar as medidas necessárias e tomar a decisão".
Incerteza mantém-se
Horas antes da conferência de imprensa, uma delegação do DEM reuniu-se pela terceira vez, durante três horas, com Öcalan na prisão da ilha de Imrali, a sul de Istambul, onde o líder do PKK está detido em regime de solitária.
Em cerca de quatro décadas, a luta contra a presença turca no Curdistão e os atentados cometidos pelo PKK fizeram cerca de 40.000 mortos.
Na carta, intitulada Um apelo pela paz e por uma sociedade democrática, Öcalan defendeu que "não existe alternativa à democracia na busca e realização de um sistema político".
"O consenso democrático é o caminho fundamental", acrescentou. "Convoquem o congresso e decidam", apelou ainda Abdullah Öcalan, segundo o comunicado.
Na sua carta, Öcalan justificou a decisão, lembrando que o PKK foi formado durante um período em que o Estado turco restringia os direitos curdos. Atualmente isso já não se verifica, explicou, referindo que a identidade curda já não é negada na Turquia e que houve "melhorias na liberdade de expressão".
"O respeito pelas identidades, a livre expressão, a auto-organização democrática de cada segmento da sociedade com base nas suas próprias estruturas socioeconómicas e políticas, só são possíveis através da existência de uma sociedade democrática e de um espaço político", afirmou Öcalan.
O líder do PKK, cofundador do movimento independentista, foi detido no Quénia em fevereiro de 1999, pelos serviços de informação turcos. Foi sentenciado à morte mas a pena foi comutada para prisão perpétua em 2002, depois da Turquia ter abolido a pena de morte.
"Vislumbre de paz"
Esta não foi a primeira vez que Öcalan apelou os grupos armados curdos a depor armas. Fê-lo em 2006 e em 2013, no âmbito de negociações de paz com Ancara, que nunca chegaram a bom porto.
Mas a mensagem desta quinta-feira, lida primeiro em curdo e depois em turco, numa sala cheia de um hotel de Istambul, sob uma grande foto tirada na mesma manhã mostrando-o com o cabelo branco, foi acolhida com gritos de júbilo e danças no sudeste da Turquia.
A decisão emocionou as "Mães de Sábado", mulheres curdas que se manifestam todas as semanas pelos seus entes queridos que desapareceram nas mãos das autoridades.
“A mensagem de Apo [tio, em curdo, como lhe chamam os seus apoiantes] é uma mensagem de paz, fraternidade, humanidade, a mensagem dos direitos e da lei, da justiça e da igualdade”, entusiasmou-se Ferha Akbüyük, uma mulher de 65 anos, na praça principal de Diyarbakir.
Ao seu lado, outra, Emine Ataç, de 45 anos, saudou “um dia abençoado”.
“A mensagem de Apo [tio, em curdo, como lhe chamam os seus apoiantes] é uma mensagem de paz, fraternidade, humanidade, a mensagem dos direitos e da lei, da justiça e da igualdade”, entusiasmou-se Ferha Akbüyük, uma mulher de 65 anos, na praça principal de Diyarbakir.
Ao seu lado, outra, Emine Ataç, de 45 anos, saudou “um dia abençoado”.
Citado pelo seu porta-voz, o secretário-geral da ONU aplaudiu o apelo de Abdullah Öcalan considerando-o um “vislumbre de esperança” para a paz.
Antonio Guterres “saúda este importante desenvolvimento. Representa um vislumbre de esperança que pode levar à resolução de um conflito duradouro”, disse Stéphane Dujarric à imprensa.
Antonio Guterres “saúda este importante desenvolvimento. Representa um vislumbre de esperança que pode levar à resolução de um conflito duradouro”, disse Stéphane Dujarric à imprensa.
Não houve de imediato reações do Governo turco nem do presidente recep Tayyip Erdogan, mas, numa primeira reação ao apelo de Öcalan, Efkan Ala, o vice-presidente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o partido do regime, afirmou que a Turquia ficará "livre das suas grilhetas" se o PKK depuser as armas e se dissolver. Ala acrescentou que o governo espera que o PKK obedeça ao seu líder.
Em comunicado, também Nechirvan Barzani, presidente da região semi-autónoma do Curdistão iraquiano, onde o PKK está sediado, aplaudiu o apelo de Öcalan. "Acolhemos calorosamente a mensagem de Öcalan", afirmou, "e apelamos ao PKK para que a cumpra e a ponha em prática", declarou Barzani na rede social X.
"Nós, na região do Curdistão, apoiamos plenamente o processo de paz", acrescentou, argumentando que através da "luta pacífica, civil e democrática" se obtêm "melhores resultados" do que através da violência.
Por essa razão, ofereceu a ajuda do Curdistão iraquiano para um hipotético processo de paz na vizinha Turquia e elogiou também o papel do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e do seu Governo, "que tem trabalhado pela paz com uma visão clara".
Na Alemanha, lar de uma vigorosa comunidade turca, o Governo saudou já também o apelo do líder do PKK, classificando-o como "uma oportunidade histórica"
"Pôr termo à violência é um primeiro passo importante, mas são necessários outros passos para se chegar a uma solução viável para os curdos habitantes na Turquia", defendeu, contudo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, num comunicado.
"Tal implica, nomeadamente, respeitar e garantir os direitos culturais e democráticos dos curdos da Turquia", acrescentou o ministério.
Esforços pela paz"Pôr termo à violência é um primeiro passo importante, mas são necessários outros passos para se chegar a uma solução viável para os curdos habitantes na Turquia", defendeu, contudo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, num comunicado.
"Tal implica, nomeadamente, respeitar e garantir os direitos culturais e democráticos dos curdos da Turquia", acrescentou o ministério.
O apelo de Öcalan, caso seja cumprido pelos militantes do PKK, poderá dar uma nova legitimidade e impulso, na sociedade turca, ao Partido Popular e da Igualdade e da Democracia, DEM, pró-curdo.
Fundado em 1978 e ilegalizado pela Turquia, o PKK procurou estabelecer uma pátria independente para os curdos no sudeste da Turquia, mas desde então afastou-se oficialmente dos objectivos separatistas, apelando, em vez disso, a mais autonomia.
Contudo, não renunciou à violência armada e os grupos afiliados no PKK continuaram a realizar ataques esporádicos na Turquia. O partido é considerado uma organização terrorista pelo governo turco, pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Em Outubro passado, o PKK assumiu a responsabilidade por um ataque a uma empresa de defesa estatal turca perto de Ancara, que matou cinco pessoas e feriu outras 22. Em resposta, a Turquia atingiu alvos do PKK nos territórios curdos do Iraque e da Síria, onde as forças armadas turcas bombardeiam regularmente a resistência.
Há vários meses que corriam rumores de que o movimento de libertação curdo poderia abandonar a luta armada.
O anúncio de Öcalan inclui-se num novo esforço pela paz entre o grupo e o Estado turco, que foi iniciado em Outubro pelo parceiro de coligação do Presidente Erdogan, Devlet Bahceli, depois do anterior processo negocial de paz ter ruído há uma década.
Bahceli, um político nacionalista, sugeriu que Öcalan poderia obter liberdade condicional se o seu grupo renunciasse à violência e dispersasse. O mais provável é contudo que Öcalan consiga apenas sair do isolamento.
No ano passado, Öcalan disse que poderia mudar a questão curda "de uma arena de conflito e violência para uma arena de direito e política", garantindo mais tarde que estava "pronto para tomar as medidas necessárias e tomar a decisão".
Incerteza mantém-se
Horas antes da conferência de imprensa, uma delegação do DEM reuniu-se pela terceira vez, durante três horas, com Öcalan na prisão da ilha de Imrali, a sul de Istambul, onde o líder do PKK está detido em regime de solitária.
Houve igualmente reuniões com Selahattin Demirtas, um antigo líder do antecessor do partido DEM, também detido, e os negociadores viajaram até ao Curdistão semi-autónomo iraquiano para conversações com os líderes curdos locais.
A incerteza permanece quanto à eventual resposta dos combatentes, massivamente estabelecidos fora da Turquia, no norte do Iraque e na Síria, e que Öcalan não mencionou.
Os seus dois anteriores pedidos de tréguas, no início dos anos 2000 e depois em 2013, falharam, dando lugar a surtos de violência.
Mas, desta vez, “o poder militar da Turquia tem impedido o PKK de actuar no terreno” sublinhou, à Agência France Presse, Boris James, historiador francês especializado na questão curda.
Mas, desta vez, “o poder militar da Turquia tem impedido o PKK de actuar no terreno” sublinhou, à Agência France Presse, Boris James, historiador francês especializado na questão curda.
Por outro lado, “Öcalan tem sido posto de lado desde meados dos anos 90”, recordou à AFP, Renad Mansour, especialista do think tank Chatham House. “E houve vários dirigentes do PKK que desenvolveram ideias diferentes sobre a luta armada”, especificou. Para o vice-presidente do DEM, Tuncer Bakirhan, que se reuniu com ele três vezes, Öcalan “não quer apenas que os curdos sejam livres para falar a sua língua, mas que toda a expressão democrática seja possível” no país.
Em cerca de quatro décadas, a luta contra a presença turca no Curdistão e os atentados cometidos pelo PKK fizeram cerca de 40.000 mortos.
Recentemente a Turquia começou a eliminar as restrições à utilização da língua curda e à livre expressão da identidade curda, especialmente desde que o Partido AK chegou ao poder, em 2002. Os detratores afirmam que não foi ainda suficiente.
Recep Tayyip Erdogan tem afirmado repetidamente a política de “estender a mão aos irmãos curdos”, a principal minoria da Turquia (cerca de 20% da população), ao mesmo tempo que aumenta a pressão sobre a oposição, em particular sobre o partido DEM, cujos dez autarcas foram demitidos desde a sua eleição no ano passado.
Foram levadas a cabo vagas de detenções contra centenas de pessoas – activistas políticos, funcionários eleitos, artistas, jornalistas – acusadas de “terrorismo”, sobre as quais Öcalan não disse uma palavra.
“O que receberão os curdos em troca? Uma amnistia?" questionou, na rede social X, Gönül Tol, analista do Middle East Institute em Washington.
Foram levadas a cabo vagas de detenções contra centenas de pessoas – activistas políticos, funcionários eleitos, artistas, jornalistas – acusadas de “terrorismo”, sobre as quais Öcalan não disse uma palavra.
“O que receberão os curdos em troca? Uma amnistia?" questionou, na rede social X, Gönül Tol, analista do Middle East Institute em Washington.
A dissolução do PKK e o fim da luta armada poderá ter ainda implicações para o Curdistão do norte do Iraque, uma das principais zonas exportadora de petróleo do país e repercutir-se na área curda do norte da vizinha Síria, quando este país começa a recompor-se de 13 anos de guerra civil devido à deposição, em dezembro de 2024, do presidente Bashar Al-Assad.
O líder das Forças Democráticas Sírias (SDF), dominadas pelos curdos sírios, saudou o apelo do líder do PKK para dissolver este movimento e depor as armas, sublinhando, no entanto, que as suas forças não se incluem no processo.
com agências