"Culto de Trump". Dezenas de antigos funcionários da era Bush deixam Partido Republicano

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Cerca de 60 a 70 por cento dos ex-funcionários do antigo presidente republicano George W. Bush decidiram abandonar o partido Jonathan Ernst - Reuters

Vários republicanos que faziam parte da Administração do antigo presidente norte-americano George W. Bush estão a abandonar o partido, revoltados pelo facto de muitos membros do partido continuarem a apoiar Trump mesmo depois das suas falsas alegações de fraude eleitoral e de ter incitado à violência que motivou o assalto ao Capitólio. Os republicanos dissidentes falam num partido que se transformou num “culto de Trump” e referem-se ao presidente cessante como um “cancro”.

Estas dezenas de republicanos, entre eles alguns que serviram nos mais altos cargos do Governo de Bush, esperavam que uma derrota de Trump nas eleições presidenciais levasse os líderes do partido a demarcarem-se do presidente cessante.

No entanto, a maioria dos deputados republicanos continua a defender Donald Trump e alguns membros dizem não reconhecer o partido que serviram.

O Partido Republicano como eu o conhecia já não existe. Eu chamar-lhe-ia agora de culto de Trump”, disse à agência Reuters Jimmy Gurulé, que foi subsecretário do Tesouro para Terrorismo e Inteligência Financeira na Administração Bush.

Alguns republicanos puseram termo à sua filiação no partido conhecido por GOP (“Grand Old Party”), outros estão a deixá-la expirar e alguns estão a registar-se como independentes.

Kristopher Purcell, que trabalhou no escritório de comunicações da Casa Branca no Governo de Bush durante seis anos, revelou à agência noticiosa que cerca de 60 a 70 por cento dos ex-funcionários do antigo presidente republicano decidiram deixar o partido ou estão a cortar relações. “O número está a crescer a cada dia”, afirmou Purcell.

O partido está, assim, atualmente dividido em dois grupos: os republicanos moderados insatisfeitos e independentes revoltados com o controlo que Trump ainda detém sobre os governantes eleitos; e a base do partido, que é fervorosamente leal ao presidente cessante.

Sem o apoio de ambos os grupos, o partido terá dificuldades em ganhar as eleições nacionais, segundo apontam as sondagens e alguns funcionários republicanos.

Estamos no meio de uma pequena discussão agora”, admitiu Ronna McDaniel, presidente do Comité Nacional Republicano em entrevista à Fox Business. “Mas vamos voltar a unir-nos. Temos de nos unir”, acrescentou.
“Cancro de Trump”
Donald Trump é o primeiro presidente na história dos EUA a ser alvo de um segundo processo de destituição. A maioria democrata na Câmara dos Representantes aprovou a moção que acusa o antigo presidente de “incitar à insurreição”. O documento seguiu agora para o Senado, que irá definir as regras para o julgamento, que arranca na próxima segunda-feira, 8 de fevereiro.

Grande parte dos senadores republicanos, que constituem a maioria da Câmara Alta, já indicaram que não vão apoiar o impeachment a Trump, sendo por isso quase certo que o presidente cessante voltará a ser absolvido pelo Senado
. Será preciso que 17 republicanos votem ao lado dos 50 senadores democratas para que Donald Trump possa ser o primeiro presidente na história americana a ser efetivamente condenado num processo de destituição.

A lealdade de alguns republicanos a Trump mesmo após o ataque ao Capitólio que causou cinco mortos, a 6 de janeiro, foi a última gota para muitos membros do partido.

Se continuar a ser o partido de Trump, muitos de nós não voltaremos”, disse Rosario Marin, antiga tesoureira dos EUA no Governo de Bush, à Reuters.

A menos que o Senado o condene e se livre do cancro de Trump, muito de nós não voltaremos a votar em líderes republicanos”, acrescentou Marin.

Para outros, é importante permanecer no partido para acabar com a influência de Trump. Suzy DeFrancis, uma veterana do Partido Republicano que serviu nos Governos dos ex-presidentes Richard Nixon e George W. Bush, disse que votou em Biden em novembro, mas defende que dividir o partido agora só beneficiará os democratas.

“Eu entendo perfeitamente por que as pessoas estão frustradas e querem sair do partido. Eu senti-me assim durante quatro anos”, revelou a republicana à agência Reuters. Porém, DeFrancis argumenta que é fundamental que o partido se una em torno dos princípios republicanos.
Julgamento de Trump cria divisão interna
A deserção destas dezenas de membros ao Partido Republicano é um dos sinais da perda de influência de Trump sobre o seu legado. Outro dos sinais é o apoio declarado de vários republicanos à sua destituição.

A 13 de janeiro, a Câmara dos Representantes (de maioria democrata) aprovou a acusação contra o ex-presidente norte-americanos, com 232 votos a favor, incluindo dez republicanos.

O apoio por parte dos republicanos foi maior do que se esperava e contrastou com a votação do primeiro impeachment, em dezembro de 2019, quando nenhum republicano se juntou aos democratas e votou a favor da destituição do presidente norte-americano.

Entre estes dez republicanos está Liz Cheney, a nº 3 do partido na Câmara Baixa do Congresso. Cheney, cujo pai, Dick Cheney, serviu como vice-presidente de George W. Bush, tem tecido duras críticas a Trump.

Num comunicado onde anunciou o seu voto a favor do impeachment, a deputada diz que Trump “convocou, reuniu a multidão e acendeu a chama” do ataque ao Capitólio. “Tudo o que se seguiu foi obra dele”, acusou Cheney, considerando que esta foi “a maior traição de sempre por um presidente dos Estados Unidos”.

Por este motivo, vários republicanos pretendem remover Cheney do cargo. Espera-se que o Partido Republicano aborde a questão quando se reunir.

Adam Kinzinger, deputado republicano da Câmara dos Representantes, também votou ao lado dos democratas pelo impeachment e anunciou no domingo um novo comité de ação política apelidado de "Country First PAC", que tem como objetivo questionar o controlo que Trump ainda detém sobre o partido.

Em entrevista ao programa “Meet the Press”, da NBC, Kinzinger afirmou que o Partido Republicano “perdeu a sua autoridade moral em muitos domínios” e que Trump o conduziu à “escuridão e divisão”.
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