Cruz Vermelha Russa acusada de estar ligada à máquina de guerra de Putin na Ucrânia

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

A Federação Internacional da Cruz Vermelha (FICV) está a ser pressionada a tomar medidas contra a Cruz Vermelha Russa (RRC) devido a alegadas ligações entre o grupo e a máquina de guerra e propaganda do Kremlin. Em resposta a estas alegações e à preocupação manifestada por vários países, a FICV disse estar a “analisar de perto” a situação e a recolher mais informações.

Vários documentos saídos do Kremlin - partilhados com um consórcio de meios de comunicação - mostram como Putin “transformou a Cruz Vermelha numa ferramenta de propaganda e guerra”.

Entre as provas presentes nestes documentos, partilhados nomeadamente pela Vsquare (uma plataforma de investigação da Polónia), está o papel do presidente da Cruz Vermelha Russa (RRC) numa organização “patriótica” pró-Putin, a participação da RRC no treino militar para crianças e o plano do Kremlin de substituir o trabalho da Cruz Vermelha internacional no território ocupado pela Rússia na Ucrânia por “organizações fantoche” da Cruz Vermelha.

A principal ligação apontada entre o Kremlin e a RRC é o chefe da organização, Pavel Savchuk, que era membro do quadro central da Frente Popular Pan-Russa (ONF), criada por Vladimir Putin e que detém a marca “Z”, o símbolo da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Em resposta a estas alegações, o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) disse que Savchuk, “até onde sabemos”, não atua na ONF desde março de 2022 e não é mais membro da organização.

No entanto, os documentos mostram que ainda em janeiro deste ano Savchuk assinou um memorando de entendimento entre o RRC e o Artek, um acampamento infantil na Crimeia que foi alvo de sanções do Ocidente pelo seu envolvimento na “reeducação patriótica” de crianças ucranianas raptadas.

Para além de Savchuk, os documentos revelam também que há outras figuras importantes da RRC que fizeram declarações de apoio à guerra após a invasão russa da Ucrânia. Os movimentos nacionais da Cruz Vermelha trabalham frequentemente em conjunto com estruturas governamentais na resposta a crises, mas todos estão alegadamente vinculados aos princípios da Cruz Vermelha de “neutralidade, imparcialidade e independência”.

Outra das provas apresentadas é a participação da RRC no treino militar para crianças, dado que existem várias fotografias de funcionários da RRC com coletes da Cruz Vermelha em treinos militares para jovens russos, onde crianças a partir dos oito anos aprendem a usar armas.

Uma das fotografias mostra várias crianças, durante um treino militar em Moscovo, ao lado de funcionários da Cruz Vermelha com rifles sobre a mesa à sua frente.

A RRC e o CICV não responderam a questões específicas sobre as imagens, mas logo após uma investigação dos meios de comunicação, as fotografias foram removidas dos respetivos sites.

Os documentos vazados revelam também alegados planos do Kremlin para financiar novas ramificações da RRC na Ucrânia ocupada. Segundo a Vsquare, a Cruz Vermelha Russa recebeu 6,7 milhões de euros do Orçamento do Estado da Rússia para facilitar o estabelecimento destas novas ramificações do RRC no Donbass e em regiões ucranianas que o Kemlin se refere como “territórios libertados”.

O trabalho da RRC em território ocupado seria uma violação do direito internacional e da Carta da Cruz Vermelha, que declara que qualquer filial nacional da Cruz Vermelha só está autorizada a operar noutro país com a permissão desse país. Para além disso, apenas o Comité Internacional da Cruz Vermelha está autorizado a operar em zonas de conflito.
Federação Internacional diz estar a “investigar de perto”
Perante todas estas revelações, a Federação Internacional da Cruz Vermelha (FICV) está a ser pressionada a tomar medidas contra a RRC.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA caracterizou as revelações dos documentos vazados do Kremlin como “extremamente preocupantes” e disse que o Departamento de Estado tem estado em contacto com a FICV.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Suécia – outro financiador importante da FICV – afirmou, em comunicado, que tem estado em contacto com a FICV desde a publicação dos documentos “para discutir as questões levantadas juntamente com outros financiadores”.

“Agora é necessária total clareza sobre essas questões. Esperamos que a FICV tome medidas rápidas de acordo com a sua constituição, que inclui medidas como a suspensão ou expulsão [da RRC]”, disse um porta-voz do ministério sueco.

O Governo britânico também disse estar a acompanhar a situação. “Foi-nos garantido que nenhuma da nossa ajuda foi canalizada para [a Cruz Vermelha Russa] em 2022, ou em qualquer momento desde a invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia”, disse um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, acrescentando que o Governo britânico está a aguardar o resultado das investigações da Cruz Vermelha sobre estas alegações.

Em resposta à publicação destes documentos e à pressão colocada por vários países, a Federação Internacional da Cruz Vermelha disse estar a “analisar as alegações de perto”.

“Nesta fase estamos a recolher informações. Isso leva tempo. Assim que as alegações forem analisadas, haverá uma decisão sobre os próximos passos”, disse a FICV em comunicado.


A FICV, um órgão que reúne 191 sociedades nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, tem o poder de tomar medidas disciplinares ou suspender a adesão a sociedades nacionais que violem os princípios da Cruz Vermelha. No entanto, para serem colocadas ações disciplinares contra a RRC, é preciso ser iniciada uma investigação do conselho de conformidade da IFRC, o que ainda não aconteceu.
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