Croatas da Bósnia-Herzegovina denunciam "ameaça para a paz" após convocação de eleições gerais
A Comissão Eleitoral Central da Bósnia-Herzegovina convocou hoje eleições legislativas para 02 de outubro, em plenas tensões motivadas pelo descontentamento dos croatas bósnios com a eleição dos seus representantes nas instituições do país e tendências secessionistas dos sérvios bósnios.
Bruxelas, Washington e o Alto representante internacional, o alemão Christian Schmidt, que supervisionam o cumprimento do acordo de paz de Dayton para a Bósnia, assinado em 1995, pretendem que as eleições decorram no outono, como previsto, mas a sua realização poderá ficar comprometida pelas ações dos representantes políticos croatas.
Ao referir-se aos "planos de certas forças políticas para bloquear as eleições", o presidente da Comissão Eleitoral, Suad Arnautovic, recordou em conferência de imprensa que estas atuações eram passíveis de "até três anos de prisão".
A insatisfação da comunidade croata (católica) -- cerca de 15% dos 3,5 milhões de habitantes, contra cerca de 46% de bosníacos (muçulmanos) e perto de 35% de sérvios (ortodoxos) --, tem aumentado nos últimos anos.
Os croatas bósnios sentem-se lesados no país fraturado, onde desde o final da guerra da década de 1990 partilham uma entidade com os bosníacos, em particular devido a um modelo eleitoral que permite a esta comunidade eleger o membro croata da presidência colegial do país que não seja um seu representante.
A presidência colegial tripartida tem sido integrada por um bosníaco (muçulmano), um sérvio e um croata, mas desde sempre revelou grandes dificuldades de funcionamento devido às persistentes divergências internas.
Desde há meses que os partidos políticos croatas e bosníacos tentam, sem sucesso, negociar uma reforma eleitoral, sob os auspícios da União Europeia e Estados Unidos. A última ronda destas conversações, em março passado, terminou sem resultados.
Os croatas bósnios exigem um método que permita eleger o seu membro "legítimo" da presidência, enquanto os bosníacos têm alertado contra o reforço das divisões e do `apartheid` do país.
Para o chefe político dos croatas bósnios, Dragan Covic, a decisão de convocar eleições sem uma reforma prévia da lei eleitoral constitui "uma ameaça direta à paz e à estabilidade política da Bósnia".
Numa carta hoje dirigida à "comunidade internacional", Covic afirma que "a paridade e a igualdade dos direitos" dos croatas bósnios e dos bosníacos são "a condição" do acordo de paz e denuncia "o prosseguimento do domínio político bosníaco sobre o povo constitutivo croata".
As eleições hoje convocadas destinam-se a eleger os três membros da presidência colegial tripartida, o parlamento central e os parlamentos das duas entidades que compõem o Estado bósnio -- a Federação muçulmano-croata e a Republika Srkspa (República Sérvia, RS) --, para além do presidente da entidade sérvia bósnia e os deputados das assembleias dos dez cantões que formam a Federação, e divididos entre bosníacos e croatas.
As divergências entre bosníacos e croatas bósnios têm bloqueado a formação do governo da Federação comum, que deveria ter sido anunciado após as eleições de 2018.
A lei atual apenas permite que os povos constitutivos -- bosníacos, sérvios e croatas -- possam candidatar-se à presidência colegial e à câmara alta do parlamento central, discriminando outras "comunidades", em particular ciganos e judeus, que habitam nesta região dos Balcãs.
As eleições na Bósnia-Herzegovina também coincidem com o agravamento das tensões étnicas motivadas pelas decisões da liderança dos sérvios bósnios, e consideradas as mais graves desde a sangrenta guerra civil (1992-1995), com um balanço de 100.000 mortos e cerca de dois milhões de refugiados e deslocados.
No verão passado, o líder nacionalista sérvio bósnio, Milorad Dodik, ameaçou retirar os representantes da RS das instituições centrais do país, e em dezembro foi anunciada a intenção de promover diversas leis para a desvinculação do exército, poder judicial e sistema fiscal central e que deveriam ser assumidas em exclusivo pela RS.
O parlamento da RS, sediado em Banja Luka, também aprovou uma polémica lei que declarava como seus os bens do Estado central bósnio incluídos no seu território, e que foi suspensa pelo Alto-representante Christian Schmidt, que recorreu aos seus "poderes especiais".
Estes poderes, herdados da conferência de Bona de 1997 que reforçou a sua autoridade e precisou a missão do alto-representante dois anos após a assinatura dos acordos de paz de Dayton, permitem-lhe alterar e impor leis, demitir responsáveis políticos e outros membros eleitos ou designados pelos governos locais.
O líder da RS e representante dos sérvios bósnios na presidência tripartida, Milorad Dodik, sancionado pelos Estados Unidos e Reino Unido por alegada corrupção e tentativa de comprometer a estabilidade do país, já assegurou que não vai respeitar a decisão de Schmidt.