"O povo sueco tem sofrido tremendamente em circunstâncias difíceis", afirmou Carl Gustav, em excertos do seu discurso de Natal divulgados esta quinta-feira. "Penso que falhámos. Temos um enorme número de mortos e isso é terrível", lamentou, ao referir-se à pandemia.
"É algo que nos faz sofrer a todos", afirmou o Rei.
É muito raro Carl Gustav XVI pronunciar-se sobre as
decisões políticas do Governo sueco e ainda mais raro criticá-las. O seu
reconhecimento público do fracasso da estratégia governamental contra a
Covid-19, quando os responsáveis por ela se recusam a admiti-lo, reveste por isso um carácter ainda mais grave.Noutro sinal da sua importância, as críticas do Rei foram divulgadas hoje pela televisão estatal, SVT, apesar de a emissão do discurso estar marcada apenas para segunda-feira.
Carl Gustav assumiu ainda o receio de ser contaminado. "Ultimamente, tornou-se mais premente. Está cada vez mais próximo. Não é isso que se quer", referiu.
Em vez de confinar a população, a Suécia preferiu confiar no cumprimento voluntário das regras de distanciamento e de higiene e está a pagar um preço muito alto, com o número de óbitos per capita a superar em muito o dos países vizinhos. Apesar dos contágios registados da Primavera, a disseminação do vírus não abrandou no início dos meses frios, ao contrário do esperado.
A gravidade da segunda vaga é tal que está a deixar sem resposta o sistema de
saúde.
No início da semana, as hospitalizações ligadas à covid-19 na Suécia
igualaram o seu pico de 20 de abril, com quase 2.400 doentes em
tratamento, embora a proporção em cuidados intensivos seja duas vezes
menor que na primavera, à volta de 10 por cento.
Ontem os hospitais das regiões de Estocolmo e de Skåne
anunciaram que estão a chegar a um ponto de rutura e sucedem-se os apelos para a imposição de medidas mais restritas.
"Infelizmente, o nível de contágio não diminui", afirmou à AFP o
responsável pela saúde da região de Estocolmo, Björn Eriksson,
assumindo-se muito preocupado e revoltado. Já na semana passada tinha
recomendado mais contenção aos suecos. "Agora chega", apelou. "Não vale beber um copo
depois do trabalho, encontrar-se com pessoas fora de casa, fazer compras
de Natal ou tomar café: as consequências são terríveis".
Quinta-feira, 17 de dezembro, registaram-se no país 8.881 novos casos de infeção com SARS-CoV-2, um novo recorde diário, substancialmente superior ao anterior máximo de 7.935 casos da semana passada.
A Suécia contou ainda mais 91 mortos, para um novo total de 7.893 óbitos
relacionados com a Covid-19, embora algumas possam já ter ocorrido há
algumas semanas, uma vez que a contabilidade não é diária. Mesmo assim, os números dispararam, com mais de 500 mortes registadas nos últimos sete dias e mais 1.800 desde o início de novembro.
Confiança em queda
As sondagens mais recentes mostram que a confiança dos suecos nas decisões das autoridades sanitárias e políticas está mais baixa que nunca.
Uma sondagem Ipsos para o diário Dagens Nyheter revelou esta quinta-feira que o apoio a Anders Tegnell, o principal epidemiologista do país e responsável pela resposta sueca à pandemia, caiu 13 pontos, para 59 por cento, com a confiança na Agência de Saúde Pública também a tombar dos 68 para os 52 por cento.
Tegnell ainda se defende e afirmou em entrevista que é demasiado cedo para dizer que a sua estratégia falhou. "Praticamente todos os países estão a debater-se com isto", disse à TV4, para reconhecer logo depois que ficou surpreendido com a dimensão da segunda vaga e que a situação está a "atingir um ponto de rutura" nalgumas áreas. No mês passado Tegnell reconheceu que a imunidade de manada, o ponto em que uma população está suficientemente imunizada para deter a disseminação de uma doença, não estava a ter qualquer impacto no alastrar do SARS-CoV-2.
Apesar das críticas na terça-feira de uma comissão independente, também o
primeiro-ministro, Stefan Lovfven, recusou até agora considerar a
estratégia um fracasso.
Muitos responsáveis hospitalares querem uma alteração da estratégia.
"A autoridade de saúde pública preparou três cenários no verão.
Preparámo-nos para o pior, mas é duas vezes pior", criticou Lars Falk,
um responsável de cuidados intensivos no hospital Karolinska de
Estocolmo, à agência France Presse. O médico considera ainda que "se deve fazer mais", aumentando as restrições, nomeadamente durante o período das festas.
O diretor regional de saúde de Skåne disse quarta-feira que agora a escolha é deixar para trás os doentes não Covid.
"Iremos continuar com os cuidados de urgência, iremos manter os cuidados Covid", anunciou
Alf Jönsson. "Mas isto irá suceder à custa de outros cuidados",
reconheceu, num altura em que 25 por cento dos testes efetuados na sua
região têm resultado positivo para o SARS-CoV-2.
Björn Eriksson denunciou por seu lado uma "enorme pressão sobre o sistema de saúde" e revelou que os cuidados não
urgentes na sua região serão adiados pelo menos até 31 de janeiro. "O meu dever agora é
fazer tudo o que possa para aliviar e auxiliar o pessoal médico", disse. "Vão ter de prosseguir por semanas, meses".
De acordo com a sondagem de quinta-feira, a confiança nas autoridades em geral está em mínimos recorde, com uns meros 34 por cento, talvez por influência ainda de relatórios oficiais recentes, que denunciaram o acompanhamento feito a muitos utentes de lares com teste positivo ao SARS-CoV-2, a quem foram administrados
apenas cuidados paliativos, mesmo com bons prognósticos.
A situação teve tantas denúncias por parte de familiares e de cuidadores que se tornou impossível ignorá-la. O escândalo desiludiu muitos suecos, convencidos atualmente que muitas mortes poderiam ter sido evitadas.
Restrições mais duras
A taxa de 766,2 óbitos por milhão de habitantes registada no país é cerca de 10 vezes superior à das vizinhas Noruega e Finlândia, apesar de mais baixa comparativamente a países como França, Itália, Espanha e Reino Unido, que aplicaram confinamentos generalizados.
Até agora, a Suécia permitiu que o comércio, os bares e os restaurantes permanecessem abertos e apenas obrigou ao uso de máscara em meios hospitalares.
A segunda vaga já impôs medidas mais restritas, com a Agência de Saúde Pública e o Governo a proibirem a venda de bebidas alcoólicas após as 22h00, a reduzir o número máximo de reunião de pessoas de 50 para oito e a alterar as aulas presenciais do ensino secundário em favor do ensino à distância.
As pessoas foram ainda aconselhadas a evitar os transportes públicos e grandes lojas, a limitar os contactos sociais ao seu círculo familiar íntimo e a pessoas com contactos regulares, e a evitar lugares como ginásios, bibliotecas, centros comerciais e outros locais públicos.
Se a situação continuar a agravar-se no país, o cenário de confinamento, ou de pelo menos recolher obrigatório, é praticamente uma certeza. Como o resto da Europa, a Suécia deposita ainda grande esperança na vacinação
que espera lançar no final de dezembro e disponibilizar a toda a
população em meados de 2021.
c/agências