Crise demográfica. Rússia tenta limitar prática do aborto para inverter quebra de natalidade
Grupos feministas russos têm vindo a denunciar a imposição de novas normas na Rússia que visam persuadir as mulheres a não realizarem abortos, à revelia do enquadramento legislativo que os autoriza
Desde incentivos financeiros a grávidas até à escassez de medicamentos de interrupção da gravidez, passando pela pressão sobre as clínicas privadas para deixarem de realizar abortos, pela criminalização das tentativas de levar uma mulher a abortar e por indicações oficiais aos médicos para levarem raparigas e mulheres a mudar de ideias, o leque de estratégias recentemente adotadas em várias regiões russas contra o aborto tem vindo a alargar-se.
O objetivo confesso das autoridades é aumentar a população do país, que praticamente estagnou nos últimos 20 anos. Há agora oficialmente 144 milhões de pessoas na Rússia, menos dois milhões do que em 2001, ano em que Vladimir Putin subiu ao poder.
Quase um terço das mulheres russas reconhece ter feito pelo menos um aborto na sua vida. Em 2022, mais de 500 mil gravidezes foram terminadas, e somente 1.3 milhões de nascimentos foram registados no país.
Vladimir Putin considerou este um "problema premente".
As autoridades da Igreja Ortodoxa russa concordam e dizem que um fator chave para o agravamento da crise demográfica tem sido o elevado número de abortos. "A população pode crescer como por artes mágicas: se resolvermos este problema e aprendermos a dissuadir mulheres de realizarem abortos, as estatísticas irão subir de imediato", argumentou recentemente o patriarca Kirill.
"Enquanto membro do clero, testemunho que o aborto é um desastre e uma tragédia para a mulher e os mais próximos dela", afirmou em janeiro de 2023.
"Precisamos de mais pessoas. É um facto óbvio, reconhecido por toda a gente, tanto políticos como sociólogos", defendeu ainda o patriarca numa recente reunião eclesiástica. "Mas para isso acontecer são necessários esforços reais".
Uma panóplia de medidas
Uma das medidas concretas apadrinhadas pela Igreja tem sido a proibição de um "incentivo ao aborto". Kirill citou como exemplo a região da Mordovia, que impôs multas de até 200 mil rublos [cerca de 2.000 euros] a quem tente persuadir uma mulher a abortar. Tal medida devia alargar-se a todo o país, defendeu.
As autoridades estão a tentar também um reforço positivo através de incentivos financeiros às mulheres grávidas e às parturientes, incluindo o pagamento de quase 525 mil rublos [5450.963 euros] para comprar casa ou pagar a educação.
Paralelamente, as autoridades têm também limitado a venda de medicamentos usados para terminar uma gravidez, cujas vendas aumentaram 50 por cento só o ano passado. A partir de setembro de 2024, as farmácias serão obrigadas a registar a venda destes fármacos em bases de dados específicas.
As clínicas privadas têm também sido pressionadas a deixar de realizar interrupções de gravidez. Um quinto dos abortos na Rússia realiza-se nestes estabelecimentos. Igreja e os governadores de pelo menos 10 regiões russas têm adotado particularmente esta tática.
A região anexada da Crimeia foi o primeiro território onde as clínicas privadas deixaram de realizar abortos, no início de novembro.
Dias depois, seguiu-se a região de Kursk, com quatro de cinco daqueles estabelecimentos deixaram de prestar aquele serviço. O seu vice-governador, Andrei Belostotsky, considerou a decisão um "evento significativo", uma vez que quase todas as mulheres que quiserem abortar terão de passar pelos hospitais públicos, onde as autoridades poderão "trabalhar efetivamente com elas" para tentar mudar-lhes a ideia.
Essa tem sido a tática adotada pelo Ministério russo da Saúde. Impedido legalmente de proibir a interrupção de gravidezes, difundiu uma lista de atitudes a adotar pelos médicos para dissuadirem mulheres que as realizar.
Os médicos estarão por exemplo a ser encorajados a dizer a mulheres grávidas adolescentes abaixo dos 18 anos que ser mãe jovem ajuda a criar laços com os filhos "por serem praticamente da mesma geração". E, se a mulher for solteira, deverão garantir que "ter uma criança não será um obstáculo a encontrarem um companheiro".
Indignação feminista
A restrição dos abortos em clínicas privadas em favor das intervenções em estabelecimentos estatais irá contudo prejudicar gravemente a saúde feminina, considerou contudo a especialista da Organização Mundial de Saúde, Lyubov Yerofeveya, à BBC Rússia.
"Isto vai ser um golpe contra os abortos médicos, porque este era o método promovido pela maioria das clínicas privadas. Mais de 80 por cento dos seus procedimentos eram médicos, ao passo que os hospitais estatais realizam sobretudo intervenções cirúrgicas", acrescentou.
"Estas acarretam maiores riscos de complicações, efeitos secundários e lesões. É por isso que são cada vez menos praticadas", explicou, receando que a repressão dos abortos legais leve a um aumento de intervenções ilegais de elevados risco.
"Estas iniciativas apenas irão levar a um aumento dramático no número de abortos ilegais e de mulheres russas mortas ou mutiladas", argumentou igualmente à BBC o Movimento Feminista dos Urais, grupo que tem organizado pequenos protestos em defesa dos direitos ao aborto.
As mulheres podem não desejar os filhos mas o Estado precisa deles. As autoridades russas receiam por exemplo que a quebra no número de pessoas jovens, sobretudo de rapazes, torne mais difícil a recruta para as forças militares. O impacto da escassez de mão-de-obra merece igualmente atenção.
Prioridades denunciadas pelas feministas, para quem os direitos das mulheres estão a ser atropelados em benefício dos militares e da economia. "Precisam de novos contribuintes, precisam de novos soldados", criticou Maria Mueller, da associação feminista russa Ona.
O objetivo confesso das autoridades é aumentar a população do país, que praticamente estagnou nos últimos 20 anos. Há agora oficialmente 144 milhões de pessoas na Rússia, menos dois milhões do que em 2001, ano em que Vladimir Putin subiu ao poder.
Quase um terço das mulheres russas reconhece ter feito pelo menos um aborto na sua vida. Em 2022, mais de 500 mil gravidezes foram terminadas, e somente 1.3 milhões de nascimentos foram registados no país.
Vladimir Putin considerou este um "problema premente".
As autoridades da Igreja Ortodoxa russa concordam e dizem que um fator chave para o agravamento da crise demográfica tem sido o elevado número de abortos. "A população pode crescer como por artes mágicas: se resolvermos este problema e aprendermos a dissuadir mulheres de realizarem abortos, as estatísticas irão subir de imediato", argumentou recentemente o patriarca Kirill.
"Enquanto membro do clero, testemunho que o aborto é um desastre e uma tragédia para a mulher e os mais próximos dela", afirmou em janeiro de 2023.
"Precisamos de mais pessoas. É um facto óbvio, reconhecido por toda a gente, tanto políticos como sociólogos", defendeu ainda o patriarca numa recente reunião eclesiástica. "Mas para isso acontecer são necessários esforços reais".
Uma panóplia de medidas
Uma das medidas concretas apadrinhadas pela Igreja tem sido a proibição de um "incentivo ao aborto". Kirill citou como exemplo a região da Mordovia, que impôs multas de até 200 mil rublos [cerca de 2.000 euros] a quem tente persuadir uma mulher a abortar. Tal medida devia alargar-se a todo o país, defendeu.
As autoridades estão a tentar também um reforço positivo através de incentivos financeiros às mulheres grávidas e às parturientes, incluindo o pagamento de quase 525 mil rublos [5450.963 euros] para comprar casa ou pagar a educação.
Paralelamente, as autoridades têm também limitado a venda de medicamentos usados para terminar uma gravidez, cujas vendas aumentaram 50 por cento só o ano passado. A partir de setembro de 2024, as farmácias serão obrigadas a registar a venda destes fármacos em bases de dados específicas.
As clínicas privadas têm também sido pressionadas a deixar de realizar interrupções de gravidez. Um quinto dos abortos na Rússia realiza-se nestes estabelecimentos. Igreja e os governadores de pelo menos 10 regiões russas têm adotado particularmente esta tática.
A região anexada da Crimeia foi o primeiro território onde as clínicas privadas deixaram de realizar abortos, no início de novembro.
Dias depois, seguiu-se a região de Kursk, com quatro de cinco daqueles estabelecimentos deixaram de prestar aquele serviço. O seu vice-governador, Andrei Belostotsky, considerou a decisão um "evento significativo", uma vez que quase todas as mulheres que quiserem abortar terão de passar pelos hospitais públicos, onde as autoridades poderão "trabalhar efetivamente com elas" para tentar mudar-lhes a ideia.
Essa tem sido a tática adotada pelo Ministério russo da Saúde. Impedido legalmente de proibir a interrupção de gravidezes, difundiu uma lista de atitudes a adotar pelos médicos para dissuadirem mulheres que as realizar.
Os médicos estarão por exemplo a ser encorajados a dizer a mulheres grávidas adolescentes abaixo dos 18 anos que ser mãe jovem ajuda a criar laços com os filhos "por serem praticamente da mesma geração". E, se a mulher for solteira, deverão garantir que "ter uma criança não será um obstáculo a encontrarem um companheiro".
Indignação feminista
A restrição dos abortos em clínicas privadas em favor das intervenções em estabelecimentos estatais irá contudo prejudicar gravemente a saúde feminina, considerou contudo a especialista da Organização Mundial de Saúde, Lyubov Yerofeveya, à BBC Rússia.
"Isto vai ser um golpe contra os abortos médicos, porque este era o método promovido pela maioria das clínicas privadas. Mais de 80 por cento dos seus procedimentos eram médicos, ao passo que os hospitais estatais realizam sobretudo intervenções cirúrgicas", acrescentou.
"Estas acarretam maiores riscos de complicações, efeitos secundários e lesões. É por isso que são cada vez menos praticadas", explicou, receando que a repressão dos abortos legais leve a um aumento de intervenções ilegais de elevados risco.
"Estas iniciativas apenas irão levar a um aumento dramático no número de abortos ilegais e de mulheres russas mortas ou mutiladas", argumentou igualmente à BBC o Movimento Feminista dos Urais, grupo que tem organizado pequenos protestos em defesa dos direitos ao aborto.
"Responsáveis oficiais, políticos de extrema-direita e a Igreja estão ativamente a forçar as mulheres e as raparigas a dar à luz crianças não desejadas", denunciou ainda.
Prioridades denunciadas pelas feministas, para quem os direitos das mulheres estão a ser atropelados em benefício dos militares e da economia. "Precisam de novos contribuintes, precisam de novos soldados", criticou Maria Mueller, da associação feminista russa Ona.