"Crimes contra a humanidade". ONU denuncia conduta da China contra minoria Uigur

por RTP
Pierre Albouy - Reuters

A China terá cometido "crimes contra a humanidade" na detenção em massa da população Uigur e outros grupos predominantemente muçulmanos na região de Xinjiang, no extremo oeste do país. A denúncia chegou num relatório das Nações Unidas, momentos antes de Michelle Bachelet, a alta comissária da ONU para direitos humanos, deixar o cargo. A China pressionou Bachelet para não publicar o documento.

Faltavam 11 minutos para a meia noite do dia 31 de agosto (hora de Genebra), quando a análise feita à conduta da China face às minorias muçulmanas que vivem em província de Xinjiang, foi revelada. Os mesmos 11 minutos faltavam para Michelle Bachelet, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH ) que assina o relatório, ver terminado o mandato.

A avaliação de 45 páginas revela detalhes de relatos "credíveis" de tortura e esterilização forçada mas não usa a palavra "genocídio", designação aplicada pelos EUA, mas reitera que as "graves violações de direitos humanos" contra muçulmanos uigures na província de Xinjiang , podem equivaler a "crimes contra a humanidade".

O diagnóstico divulgado considera verossímeisas alegações de grupos de direitos humanos e ativistas que descrevem que a China deteve uigures, cazaques e outros, muitas vezes por terem laços com o exterior ou por expressar a religião muçulmana. O documento acrescenta que as alegações de violência sexual e de género, incluindo agressões sexuais, "parecem críveis e por si só equivalem a atos de tortura ou outras formas de maus-tratos".

"A extensão da detenção arbitrária e discriminatória de uigures e outros grupos predominantemente muçulmanos, de acordo com a lei e a política, no contexto de restrições e privações mais genericamente dos direitos fundamentais usufruídos individual e coletivamente, podem constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade", conclui o relatório.
Nos últimos cinco anos, a alegada perseguição à comunidade Uigur e outras minorias pelas autoridades chinesas já colocaram um milhão de pessoas em "centros de treino", como apelidaram. Alguns recintos foram fechados mas muitas famílias continuam sem saber do destino dos seus parentes.

Dos 26 ex-detidos entrevistados por investigadores da ONU, dois terços "relataram ter sido submetidos a tratamento que equivaleria a tortura e/ou outras formas de maus-tratos".

Os abusos descritos incluíram espancamentos com bastões elétricos enquanto estavam amarrados numa "cadeira de tigre" (à qual os presos são amarrados pelas mãos e pés), sofreram confinamento solitário prolongado, bem como o que parecia ser uma forma de afogamento, "ser submetido a interrogatório com água entornada cara abaixo".

Os procedimentos médicos forçados, bem como violência sexual foram considerados todos "credíveis" e classificados como formas de tortura.

"Várias mulheres entrevistadas pelo ACNUDH levantaram alegações de controlo de natalidade forçado, em particular colocação forçada de DIU [dispositivo intrauterino] e possíveis esterilizações forçadas em relação a mulheres uigures e de etnia cazaque. Algumas mulheres falaram do risco de punições severas, incluindo "internamento" ou "prisão" por violações da política de planeamento familiar” ou mesmo "forçadas a abortar", afirmou o relatório.

Bachelet sublinhou que a taxa média de esterilização por 100.000 habitantes na China era pouco mais de 32. Na Região Autónoma Uigur de Xinjiang, o número sobe para 243.

"Graves violações dos direitos humanos foram cometidas na [Região Autónoma Uigur de Xinjiang] no contexto da aplicação do governo de estratégias de contraterrorismo e contra-'extremismo'”, observou o relatório. "Esses padrões de restrições são caracterizados por uma componente discriminatória, pois os atos subjacentes geralmente afetam direta ou indiretamente uigures e outras comunidades predominantemente muçulmanas".
Alegados prisioneiros uigures são levados para campo de detenção | publicado no Twitter da SkyNews

As autoridades de Pequim responderam com um contra-relatório de 121 páginas, que justificam as medidas aplicadas em Xinjiang por existir ameaça de terrorismo. Esclarecem que o programa estatal de "desradicalização" e "centros de reeducação e formação profissional" trouxe estabilidade à região autónoma.

Omer Kanat, diretor executivo do grupo de pressão Uyghur Human Rights Project, aplaudiu a publicação do relatório e afirma que foi "um divisor de águas para a resposta internacional à crise uigur". "Apesar das negações vigorosas do governo chinês, a ONU agora reconheceu oficialmente que estão a ocorrer crimes terriveis", acrescentou Kanat.

O governo chinês tentou até o último momento impedir a publicação do relatório . Em resposta oficial, Pequim defende-se dizendo que o relatório se baseou em "desinformação e mentiras fabricadas por forças anti-China" e que "desaponta e difama" a China, para além de "ter interferido nos assuntos internos do país".

"O ACNUDH criou o relatório a partir do nada, apoiando-se na conspiração política de algumas forças antichinesas no estrangeiro", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Wang Wenbin, citado pela agência francesa AFP.

"O relatório é um pacote de desinformação e um instrumento político para a estratégia dos Estados Unidos e do Ocidente de utilizar Xinjiang para impedir o desenvolvimento da China", acrescentou Wang, numa conferência de imprensa em Pequim.
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