Crianças da República Democrática do Congo vítimas de violência "sem precedentes"

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
"Há poucos ou nenhuns lugares piores no mundo para se ser criança", afirmou Grant Leaity, diretor da UNICEF. Guerchom Ndebo - UNICEF | © UNICEF/UN0791520/Ndebo

O recrudescimento da violência - marcada por assassinatos, violações, recrutamento forçado de crianças-soldados - e do conflito no Leste do país, ao longo do último ano, originou "a pior crise de deslocações em África e uma das piores a nível mundial". "Mais de 2,8 milhões de crianças" enfrentam uma violência "sem precedentes", alertou esta sexta-feira a ONU.

"Há poucos ou nenhuns lugares piores no mundo para se ser criança" afirmou Grant Leaity, representante da agência da ONU para as crianças (UNICEF) na RDC, numa conferência de imprensa, no Palais des Nations, em Genebra.

Segundo o funcionário da UNICEF, a República Democrática do Congo tem “o maior número de violações graves contra crianças em conflitos armados do mundo confirmado pela ONU". "Todos os dias, crianças são violadas e mortas. São raptadas, recrutadas e utilizadas por grupos armados - e sabemos que as informações de que dispomos representam apenas a ponta do icebergue", destacou Grant Leaity.

Durante a conferência de imprensa desta sexta-feira, para ilustrar o grau de horror que as crianças têm de enfrentar no país, Grant Leaity contou aos jornalistas a história de duas meninas gémeas, com apenas alguns meses de vida, que foram encontradas presas a um cinto de explosivos e salvas por especialistas em desativação de bombas.

“São duas lindas meninas” que se encontram a recuperar num centro da UNICEF na RDC, exclamou Leaity, que observou que, embora não seja fisicamente visível o horror por que passaram, é impossível avaliar as possíveis consequências psicológicas.

A família foi assassinada pelos membros das Forças Democráticas Aliadas - uma milícia islamita que prometeu lealdade ao grupo Estado Islâmico – na província leste de Quivu do Norte, deixando-as órfãos e armadilhadas, abandonando-as à sua sorte.

Estas gémeas são apenas um exemplo do horror que se vive no país e particularmente na região. Apenas no primeiro trimestre de 2023, foram registados mais de 38 mil casos de violência sexual e de género, no Quivu do Norte, mais 37 por cento em comparação com o mesmo período do ano anterior.

"Por outras palavras, em apenas um ano, foram registados mais dez mil relatos de violência sexual e de género", explicou o representante da UNICEF.

O mundo olha para o lado
À violência que as crianças congolesas da RDC enfrentam, junta-se a desnutrição aguda – que ameaça mais de um milhão de crianças com menos de cinco anos no leste do país – e as epidemias.

"Os surtos epidémicos estão a aumentar, com a RDC a registar o seu pior surto de cólera em mais de cinco anos e o sarampo a aumentar, com mais de 780 mil casos em agosto”, acrescentou.

A UNICEF garante que tem o “know-how” e os “parceiros certos” para aumentar a resposta humanitária no leste da RDC, mas estima que sejam necessários pelo menos 373 milhões de euros nos próximos seis meses.

“Precisamos desesperadamente de financiamento adicional” e “de vontade política para pôr fim a este conflito”, apelou o representante da UNICEF, que insta o governo da RDC, as nações africanas e a comunidade internacional a encontrarem conjuntamente uma solução pacífica para esta crise.

Observa ainda que na República Democrática do Congo “se aceita o inaceitável” e que “enquanto o mundo olha para o lado estamos a falhar com as crianças da RDC”.

c/agências
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