Covid zero na China. Autor de documentário sobre protestos raros enfrenta julgamento

por Carla Quirino - RTP
Money Sharma - AFP

Em 2022, inúmeros protestos contra a política de covid zero na China foram silenciados por Pequim. Porém, o cineasta Chen Pinlin registou em vídeo essas manifestações raras em que os manifestantes seguravam folhas de papel branco a simbolizar a censura durante os rígidos confinamentos. A partir desta segunda-feira, Pinlin começa a ser julgado em tribunal sob a acusação de "provocar desordem e problemas".

Em 2022, enquanto o Ocidente levantava as regras dirigidas para conter a pandemia da covid-19, ainda a China insistia em medidas rígidas de confinamento, ao abrigo da política de covid zero.

Foram então desencadeadas diversas manifestações por todo o país.

A memória pública de cenas de dissidência contra a gestão da pandemia pelo regime de Xi Jinping foi captada pelo cineasta Chen Pinlin.

Após ter reunido as imagens desses momentos raros de protesto, Pinlin realizou um documentário conhecido como  "Urumqi Middle Road" (A rua do meio de Urumqi). As redes sociais passaram a identificar o vídeo como movimento Folha em Branco #BlankPaperProtest. 

O filme retrata centenas de manifestantes a empunharem folhas de papel branco para simbolizar a censura durante inúmeros protestos contra as rígidas medidas de eliminação da covid-19 na China.

Estes protestos marcaram a maior manifestação de dissidência pública que a China viu em décadas e representaram um desafio sem precedentes ao líder Xi Jinping.

Chen, conhecido pelo nome de “Platão”, acabou por ser preso pela polícia de Xangai em janeiro de 2024 após lançar o documentário.

O diretor chinês Chen Pinlin está preso desde janeiro de 2024 | Anistia Internacional

Um ano depois, começa o julgamento. Esta segunda-feira, Pinlin é presente a um tribunal de Xangai sob a acusação de "provocar desordem e problemas", de acordo com uma foto do aviso de audiência emitido pelo Tribunal Popular de Baoshan de Xangai, citada na CNN.

A acusação que Pinlin enfrenta enquadra-se numa formula usada vulgarmente pelo Governo chinês para “silenciar a dissidência e controlar ativistas, advogados e jornalistas”, diz a cadeia televisiva norte-americana.

Este alegado crime pode chegar a uma pena máxima de prisão de cinco anos para infratores primários.

Os protestos “Folha em Branco”
Em novembro de 2022, houve um incêndio num apartamento na cidade ocidental de Urumqi, causando várias mortes.

Para a opinião pública, as medidas do confinamento da pandemia dificultaram os esforços de resgate, apesar das negação das autoridades chinesas.

A tragédia fez acender o rastilho de raiva entre a população após quase três anos de bloqueios contínuos, testes em massa e dificuldades financeiras.

Por toda a China, os protestos ocuparam as ruas numa escala que não se via desde o movimento da Praça Tiananmen, liderado por estudantes, em 1989. Desde os campos universitários às avenidas das principais cidades, grandes aglomerados de pessoas pediram o fim da política de zero covid de Xi. Muitos condenaram a censura do Governo e exigiram maiores liberdades políticas.

Durante as manifestações foram usadas as folhas em branco de papel A4 como metáfora para as inúmeras publicações críticas e artigos de notícias que foram removidos pelos censores. Estes protestos, ficaram, por isso conhecidos como os “protestos da Folha em Branco”.
“Urumqi Middle Road”
Em chinês, o documentário foi chamado “Urumqi Middle Road”, fazendo referência à localidade onde ocorreu o incêndio – Urumqi – também a rua onde os manifestantes protestaram em Xangai. Já na língua inglesa, o título era "Not the Foreign Force".

O vídeo pode ser visto no Youtube, mas tem restrições no que diz respeito à idade dos utilizadores.As contas de Chen no YouTube e no X estão bloqueadas na China.

Chen Pinlin tinha referido que queria “usar o documentário para combater a tentativa do Governo de desacreditar os protestos e culpar "forças estrangeiras" por orquestrar a dissidência”. De acordo com o autor, esta fórmula é uma tática frequentemente usada pelo Partido Comunista da China para explicar momentos de genuína raiva pública.

Tal como muitos jovens que participaram nas manifestações, também Chen expressou o seu ponto de vista político, quando se juntou aos protestos. Ao realizar o documentário, alegou que queria partilhar a experiência e reflexão pessoais.

“Sempre que surgem conflitos internos na China, as forças estrangeiras são sempre transformadas em bodes expiatórios. A resposta é clara para todos: quanto mais o governo engana, esquece e censura, mais devemos falar, lembrar os outros e lembrar”, escreveu Pinlin. 

“Somente lembrando da feiura podemos esforçar-nos em direção à luz. Também espero que a China um dia abrace a sua própria luz e futuro”, sublinhou.

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), entre outras, tem pedido a libertação de Chen e argumentam que o autor “só serviu o interesse público ao relatar protestos históricos contra os abusos do regime e nunca deveria ter sido preso”.

“Apelamos às democracias para que aumentem a pressão sobre as autoridades chinesas, de modo a garantir que todas as acusações contra Chen sejam retiradas”, insistiram.

A China está em 172.º lugar entre a lista dos 180 países que a RSF avalia anualmente em termos de liberdade de imprensa.
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