Covid-19. Surto de infeções na China põe em causa fim da emergência global

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Aly Song - Reuters

O aumento abrupto de casos de covid-19 na China veio alterar os planos e a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz agora que pode ser muito cedo para declarar o fim da emergência global. Os crematórios e hospitais descrevem uma situação de sobrelotação, apesar de Pequim apenas ter confirmado sete mortes desde 7 de dezembro.

Em setembro, o diretor-geral da OMS afirmava que o fim da pandemia da covid-19 “estava próximo” e na semana passada, Tedros Adhanom Ghebreyesus declarou que estava “esperançoso” com o fim da emergência global em meados de 2023.

Os comentários do responsável fizeram aumentar as expectativas de que pudesse ser removida em breve a designação de nível de alerta mais alto para a covid-19, em vigor desde janeiro de 2020.

No entanto, a nova vaga de infeções a que se está a assistir na China mudou o cenário global e lança dúvidas sobre o fim da emergência.

"A questão é se se pode chamar pós-pandemia quando uma parte tão significativa do mundo está a entrar na segunda vaga", disse a virologista holandesa Marion Koopmans, membro de um comité da OMS responsável por prestar consultoria sobre o estado de emergência do coronavírus, citada pela agência Reuters.
"É evidente que estamos numa fase muito diferente [da pandemia], mas na minha opinião, esta vaga na China é uma caixa de surpresas", acrescentou.

O aumento abrupto do número de infeções por covid-19 na China surgiu depois de Pequim ter posto fim à política covid zero, que esteve em vigor durante quase três anos. Após uma vaga de protestos no país, Pequim desmantelou no início deste mês a controversa política que manteve o vírus SARS-CoV-2 sob controlo nos últimos três anos, embora com um elevado custo económico e psicológico.

Com a população com fraca imunidade ao coronavírus, o fim das restrições fez disparar as infeções e o país, que registou sempre um número de infeções e mortes relativamente baixo entre os cerca de 1,4 mil milhões de habitantes, pode agora chegar a atingir mais de um milhão de mortes por covid-19 em 2023, segundo concluiu um estudo da Universidade de Hong Kong.
Crematórios e hospitais sobrelotados
Desde 7 de dezembro, quando começou o levantamento das rígidas restrições, Pequim só confirmou sete mortes e esta quarta-feira não foi registado qualquer óbito. No entanto, o cenário na capital chinesa sugere que a China esteja a encobrir o número real de mortes.

Trabalhadores de crematórios na China falam numa situação de sobrelotação, que os obriga a trabalhar sem descanso e mesmo doentes. Dezenas de carros fúnebres formavam fila do lado de fora de um crematório de Pequim esta quarta-feira, segundo descreve a Reuters.

Num crematório no distrito de Tongzhou, em Pequim, uma testemunha da Reuters viu uma fila de cerca de 40 carros fúnebres à espera para entrar enquanto o estacionamento estava cheio. No interior, familiares e amigos reuniam-se em torno de cerca de 20 caixões que aguardavam a cremação.

Os hospitais também estão sobrelotados e faltam camas para o elevado número de doentes que não para de aumentar, enquanto nas farmácias escasseiam os medicamentos para a gripe.
Na terça-feira, várias cidades chinesas instalaram novas camas hospitalares e construíram clínicas de triagem.

As autoridades esclareceram esta terça-feira que apenas as pessoas que morrem diretamente de insuficiência respiratória ligada à infeção por covid-19 são contabilizadas nas estatísticas.

"Após a infeção com a variante Ómicron, a principal causa de morte são doenças subjacentes", defendeu Wang Guiqiang, funcionário do Ministério da Saúde de Pequim na terça-feira. “Apenas um pequeno número morre diretamente de insuficiência respiratória causada pela covid-19”, insistiu.

Essa mudança de metodologia significa que "muitas mortes não serão listadas" como sendo causadas pela covid-19, disse à agência AFP Leong Hoe Nam, especialista em doenças infecciosas de Singapura.


“Esta nova definição é uma inversão do padrão internacional que prevalecia e contava como morte por covid-19 qualquer pessoa que morresse com covid-19”, observa Leong Hoe Nam.

Os Estados Unidos disseram na terça-feira que estavam prontos a ajudar a China a combater o surto de covid-19. “É do interesse da comunidade internacional que possamos ajudar coletivamente a China a manter a epidemia sob controlo”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, a jornalistas.

“Para nós, isto não é sobre política, não é sobre geopolítica”, acrescentou, alertando que uma propagação descontrolada no vírus na China pode ter implicações para a economia global.

c/ agências
PUB