Covid-19. Por que razão a OMS ainda não declarou uma pandemia do novo coronavírus?

por Alexandre Brito - RTP
Reuters

Por que é que a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não declarou a situação atual do novo coronavírus como pandemia? A pergunta tem sido constante nos últimos dias e de forma mais acentuada desde que o vírus se espalhou por todo o mundo.

"A ameaça de uma pandemia é cada vez mais real", afirmou recentemente o diretor da Organização Mundial de Saúde. Apesar disso, Tedros Adhanom Ghebreyesus tem evitado essa declaração.

A explicação, em parte, pode estar no facto de a OMS estar a tentar que o foco dos vários países afetados esteja na contenção. A partir do momento em que a pandemia é declarada a contenção deixa de fazer tanto sentido uma vez que, nessa altura, os países passam a pensar mais para dentro de fronteiras do que para fora.

Esse momento deve estar para a acontecer a qualquer momento, dizem vários especialistas em saúde pública.

Mas ao atrasar a declaração de pandemia a OMS pode ter atingido o seu principal objetivo, que ficou bem claro em recentes declarações de Tedros Adhanom Ghebreyesus. "Esta pode ser a primeira pandemia na história que pode ser controlada. O mais importante é que não estamos à mercê do vírus".

O que queria o diretor da OMS dizer com isto?

Para percebermos é fundamental entender as diferenças e as diferentes ações entre uma epidemia e uma pandemia.
A diferença entre epidemia e pandemia
Quando é declarada epidemia num país - a ocorrência numa comunidade ou região de casos de uma doença de forma rápida e acima do expectável - o combate, ao nível internacional, é substancialmente diferente de uma situação de pandemia.

Quando um país tem uma epidemia, na prática, ou outros países ainda estão salvaguardados. Podem, nessas circunstâncias, aplicar medidas de prevenção, como o encerramento de fronteiras, caso necessário, mas, mais importante, enviar ajuda para que o combate esteja focado no país onde há a epidemia.

Por exemplo, quando começou o surto do novo coronavírus em Wuhan, na China, vários países enviaram máscaras de proteção. Foi até considerado o envio de pessoal médico.

A partir do momento em que é declarada a pandemia, não há países fora do radar. Se até esse momento o foco está em tentar ajudar o país ou países com uma epidemia, com a pandemia o foco passa para dentro de fronteiras.

Ou seja, as várias nações começam a aplicar medidas a pensar na sua população. Efeitos imediatos, e como exemplo, as máscaras e outros apoios que num caso de epidemia são colocados nos países afetados deixam de acontecer. Apesar de a OMS ainda não ter declarado pandemia, a verdade é que isso, na prática, já está a suceder. Basta recordar, como exemplo, a reserva de máscaras que a França fez para o país.

No entanto, ao não ter declarado ainda a pandemia, a OMS pode ter protelado esta situação, ajudando de forma considerável no combate à contenção. Basta verificar que no país onde o surto do novo coronavírus começou o número de novos casos declarados hoje foi de apenas 24. Um sinal de que o combate começa a ter resultados bastante positivos.

Num cenário de pandemia, todos os países continuam obrigados a partilhar conhecimentos e informações sobre o vírus, mas o direcionamento de apoio - humano ou de material - para os países mais afetados é dificultado.
O risco de perceção errada da população em relação à pandemia
Uma outra razão para que a OMS ainda não tenha declarado pandemia, estará relacionada com a perceção do que isso significa.

Uma doença pandémica passa para a população o sentimento de que é algo muito perigoso. Na verdade, "pandemia" está apenas relacionado com o facto de que vários países no mundo têm elevadas taxas de contaminação, até entre comunidades. Nada tem a ver com a gravidade da doença. Usar a palavra "pandemia de forma descuidada não traz qualquer benefício tangível, mas tem um risco significativo ao ampliar de forma desnecessária e injustificada o medo e o estigma".

No dicionário de Epidemiologia, refere num artigo o Vox, pandemia é uma "epidemia que ocorre em todo o mundo, ou numa vasta área, passando fronteiras internacionais e que normalmente afeta uma vasto número de pessoas."

Em 2009, o H1N1 foi considerado uma pandemia. Uma em cada cinco pessoas em todo o mundo foram infetadas. Mas a taxa de mortalidade foi muito reduzida (0,02%).

Num outro momento, o diretor da OMS afirmou mesmo que usar a palavra "pandemia de forma descuidada não traz qualquer benefício tangível, mas tem um risco significativo ao ampliar de forma desnecessária e injustificada o medo e o estigma", podendo mesmo "paralisar o sistema".

Como argumento para ainda não ter declarado a pandemia, o diretor da OMS tem afirmado, nas várias conferências de imprensa ao longos dos últimos dias, que "apesar de vários países terem reportados"a existência de casos de infeção, a maioria ainda apresenta números reduzidos.

Uma última razão pode estar relacionada com o facto de a OMS está a dar tempo aos vários governos para prepararem recursos e se organizem de forma a que quando e se essa declaração for efetivada estejam preparados para dar resposta quer ao nível clínico, que ao nível social.
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