Donald Trump tem sido o líder mundial que mais culpabiliza a China pela crise pandémica originada pelo novo coronavírus. No entanto, num tom mais cuidadoso e diplomático, vários líderes europeus têm também vindo a apontar o dedo à potência asiática. França e Reino Unido são quem manifesta mais dúvidas em relação a Pequim, numa altura em que o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros voltou a negar que o vírus tenha tido origem num laboratório de Wuhan.
“Pequim potencia fragmentações dentro da União Europeia”, continuou Le Drian, em entrevista ao Le Monde. “A pandemia é a continuação, por outros meios, da luta entre as potências”, com especial realce para a rivalidade entre China e Estados Unidos, declarou. “Esperamos que os EUA cumpram com as suas responsabilidades e mantenham uma relação de confiança com os seus aliados”. Em resposta a acusações norte-americanas, o Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros garantiu que o vírus não teve origem num laboratório de Wuhan.
A tensão entre França e China tinha já começado a meados de março, quando Le Drian chamou ao Ministério que tutela o embaixador chinês em Paris, Lu Shaye, depois de terem sido publicados na página oficial da embaixada vários artigos anónimos que acusavam os governos ocidentais de má gestão e comunicação durante a crise pandémica.
“Devemos colocar as perguntas mais duras”, defende Reino Unido
Também o Reino Unido tem levantado dúvidas sobre as informações transmitidas pela China. “Nada pode voltar a ser como antes” enquanto a China não clarificar totalmente todas as questões relacionadas com o vírus, defendeu na semana passada Dominic Raab, ministro britânico dos Negócios Estrangeiros.
“Creio que é absolutamente necessário levar a cabo uma revisão profunda de tudo o que aconteceu, incluindo a origem do surto”, declarou. “Devemos colocar as perguntas mais duras, sobretudo as que se referem a como surgiu toda esta crise e se a mesma não poderia ter sido travada mais cedo”. O contraste entre os números chineses e os europeus tem sido origem de dúvidas. Na China morreram 4.632 pessoas devido ao novo coronavírus, enquanto em França faleceram mais de 20 mil e no Reino Unido mais de 16 mil.
Já a Alemanha não tem confrontado a China, sua grande parceira comercial, encontrando-se dependente da potência asiática para o fornecimento de equipamentos médicos para a luta contra a pandemia. No entanto, na segunda-feira a chanceler Angela Merkel lançou um alerta.
“Quanto mais transparente for a China quanto à génese do vírus, melhor será para que o mundo aprenda com o mesmo”, defendeu.
“Batalha global dos relatos”
Até há pouco tempo, as principais figuras europeias tinham mantido uma posição discreta no que diz respeito ao papel da China na crise pandémica.
A única exceção tinha acontecido com Josep Borrell, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, que no fim de março alertou para a “política da generosidade” como arma de influência geopolítica na “batalha global dos relatos”, referindo-se ao facto de a China estar a ajudar outros países com o fornecimento de equipamentos médicos para o combate à Covid-19.
“A resposta de Borrell sobre a batalha dos relatos já era uma resposta bastante forte ao esforço diplomático da China para vender o modelo chinês de combate à crise de Covid-19”, considerou Mathieu Duchâtel, responsável pela Ásia no Institut Montaigne, citado pelo El Pais. “Agora começa a levantar-se a questão da transparência das informações vindas da China em relação à origem do vírus, à gestão da crise e à gravidade da situação”.