A Europa poderá enfrentar dentro de poucas semanas uma situação semelhante à vivida atualmente em Itália, com uma explosão de casos de COVID-19, hospitais sobrecarregados e milhões de pessoas obrigadas a ficar de quarentena.
É a conclusão de modelos matemáticos publicados esta sexta-feira em Berlim, desenvolvidos por epidemiologistas para seguir a propagação do coronavírus.
A análise deste modelos mostra uma subida acentuada dos casos de infeção em Espanha, na Alemanha, em França e na Grã-Bretanha. De acordo com os especialistas, Espanha apresenta um crescimento exponencial especialmente preocupante.
“A Itália está cerca de duas semanas à frente do Reino Unido e do resto da Europa”, afirmou François Balloux, diretor do Instituto de Genéticas da Universidade de Londres.
Medidas drásticas
Para evitar um tal cenário, os países onde a curva de contágio ainda se mantém discreta, terão de adotar desde já medidas de contenção drásticas e rigorosas, em vez de esperar pelo aumento de casos, alertam ainda os especialistas.
Até porque, referem, devido às características de disseminação do coronavírus o número de pessoas infetadas deverá atualmente, no terreno, superar em milhares os casos já diagnosticados.
As observações epidemiológicas demonstram que, sem contenção, o número de pessoas infetadas duplica a cada cinco dias. Cada indivíduo infetado pode contagiar uma média de 2,5 pessoas.
“O que estamos a assistir não é transcendente”, reagiu Balloux. “Há dois casos, depois quatro, depois oito, depois 16…”
600 casos = 5 mil a 10 mil infetados
Dirk Brockmann, professor na Universidade Humboldt em Berlim, que realiza modelos matemáticos para o Instituto Robert Koch – a agência federal alemã responsável pelo controle de doenças - refere que o número de casos confirmados num dado momento pode ser enganador, se levar as pessoas a pensar que isso significa a existência de alguns milhares de casos aqui e ali.
A fotografia atual da pandemia pode estar duas semanas atrasada face à situação real, se se tiver em conta o período até o vírus provocar sintomas e os pacientes serem testados e diagnosticados.
A ilustrar o que está a suceder, quinta-feira, o principal conselheiro científico do Governo britânico, Patrick Vallence, disse que o país contava com 600 casos confirmados, o que significava, disse, que cinco mil a 10 mil pessoas estavam provavelmente infetadas.
O diretor-geral da Saúde francês, Jérôme Salomon, afirmou que a França se deve preparar para um “cenário italiano”. A chanceler alemã, Angela Merkel, pediu quarta-feira aos seus concidadãos para se prepararem para a probabilidade de 70 por cento da população vir a ser infetada.
Na Irlanda, um grupo de médicos avisou que o país está “exatamente 14 dias atrasado em relação à Itália”, numa carta endereçada ao Jornal Médico Britânico.
Afirmam que só as medidas mais restritivas poderão deter uma crise médica semelhante à italiana e produzir uma situação mais manejável, como a da Coreia do Sul.
"Uma questão de tempo"
“São este os números que os epidemiologistas estão à espera”, disse Roy Anderson, professor de doenças infeciosas no Imperial Colledge of London.
Os modelos europeus indicam que uma curva semelhante é provável nos
Estados Unidos, mas a falta de testes alargados a casos suspeitos no
país, dificulta a antecipação dos valores de propagação.
De
acordo com o Washington Post, os responsáveis norte-americanos estão a
trabalhar com 50 grupos de modelagem estatística em todo o país, mas até
agora, não foram publicadas quaisquer projeções por parte do Centro
para o Controlo e Prevenção de Doenças, ou pelo grupo de trabalho da
Casa Branca para o COVID-19.
“Penso que estamos cerca de 10 dias adiantados”, acrescentou.
Prevenir em vez de reagir
Esta semana, os líderes políticos europeus e norte-americanos acordaram para o perigo e ordenaram o encerramento de escolas, encorajaram o teletrabalho, proibiram grandes ajuntamentos populacionais e impuseram restrições de deslocação.
A propagação viral no início de um surto pode ser contida através do isolamento de indivíduos e o rastreamento dos infetados. Mas quando começam a surgir casos onde se desconhece a fonte de contágio, como está a suceder em algumas zonas da Europa e dos Estados Unidos, a melhor estratégia parece ser a mudança comportamentos e a imposição da distância social.
Várias vozes, especialistas e populares, acusam os Governos de não estarem a fazer o suficiente para reduzir as taxas de transmissão, impedindo os casos de aumentar tão exponencialmente e a sobrecarga consequente dos sistemas de saúde. Afirmam que a falta de sentido de urgência nas semanas anteriores ao surto pode ter feito perder tempo essencial.
Benjamin Maier, colaborador do Instituto Robert Koch, calculou as curvas de infeção nalguns países da Europa e da Ásia afetados pela pandemia.
A Espanha, sublinhou, está a registar um crescimento exponencial, disse, enquanto o Reino Unido, a Alemanha e a França estão ainda numa trajetória ascendente acentuada.
“Podemos ver que muitos países irão seguir o exemplo de Itália se não adotarem medidas drásticas e rigorosas”, disse Maier.
Agir de antemão, em vez de reagir aos números que podem estar semanas ultrapassados pela situação real no terreno, pode fazer uma diferença crucial, afirmou Alexander Kekulé, um virologista alemão responsável pelo Instituto de microbiologia na Universidade de Halle e que há semanas está a pressionar o Governo alemão para determinar medidas mais drásticas de contenção.