Covid-19. Cuidados intensivos da Suécia em situação desesperada
A Suécia, inicialmente apresentada como um modelo e um caso de estudo na forma de lidar com a pandemia, encontra-se a braços com uma vaga de infeções que ultrapassa as capacidades dos seus serviços de saúde. Com uma população semelhante à de Portugal, regista agora mais do dobro das vítimas mortais.
“Nós mobilizamos tudo o que conseguimos e demos tudo o que tínhamos para que todos recebessem os cuidados que precisam. Agora precisamos de continuar a fazer o nosso melhor, todos como um todo, para oferecer resistência ao vírus e à pandemia”, sublinhou Eriksson.
Segundo Eriksson, na quarta-feira havia registo de 814 pacientes internados em hospitais da capital, dos quais 83 em cuidados intensivos. “Isso corresponde a, mais ou menos, toda a capacidade de camas em cuidados intensivos que temos normalmente”, explicou.
“A situação é muito grave, há muitos casos em todo o país”, admitiu em conferência de imprensa Karin Tegmark Wisell, chefe de departamento da Agência de saúde pública (FHM), apesar de sublinhar que a subida tem diminuído nos últimos dias.
No entanto, outros especialistas negam que o país esteja em situação de exaustão. As autoridades regionais de Estocolmo tinham alertado na quarta-feira que estavam no limite da capacidade nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) e que necessitavam de reforços, mas uma responsável dos Assuntos sociais garantiu na quarta-feira que ainda existe 22 por cento de capacidade disponível em todo o país e que podem disponibilizar mais meios se necessário.
“Estamos intranquilos com a situação, mas não ao ponto de que esteja fora de controlo. As UCI estão sobrecarregadas e o pessoal tem muito trabalho, mas podemos ampliar a capacidade. Não é uma situação de crise urgente”, indicou Irene Nilsson-Carlsson.
Nilsson-Carlsson sublinhou que foi reduzido de forma “significativa” o tempo médio de permanência nos hospitais por Covid-19 face à primeira vaga, na passada primavera, e que apenas onze por cento dos doentes infetados necessitam atualmente de internamento nas UCI.
Segunda vaga leva Governo a apertar medidas
A Suécia foi um dos únicos países a avançar com uma estratégia diferente da maioria no combate à pandemia, ao evitar um confinamento generalizado e o uso obrigatório de máscara. Como consequência, a Suécia é o país da Escandinávia mais afetado, apesar de permanecer longe de países como Espanha, Itália, França ou Reino Unido. A taxa de mortalidade sueca de 71,65 por 100.000 habitantes é cinco vezes superior à da Dinamarca e dez vezes em comparação com Noruega e Finlândia.
No entanto, com o surgimento de uma segunda vaga, o Governo alterou a sua estratégia, ao proibir ajuntamentos de mais de oito pessoas, a venda de álcool a partir das 22h00 e ao decretar o encerramento de bares, restaurantes e clubes noturnos às 22h30.
Pela primeira vez desde o início da pandemia, a Suécia também decidiu esta semana colocar os estudantes do ensino secundário e universitário da cidade de Estocolmo em ensino virtual. “Devemos reduzir drasticamente os nossos contactos, por isso, infelizmente, sou obrigado a recomendar que os municípios [da região de Estocolmo] descartem o ensino presencial para alunos numa fase avançada do ensino a partir de segunda-feira”, anunciou a responsável regional pelo controlo de infeções em comunicado. Estocolmo é a região mais afetada pela pandemia na Suécia, contabilizando mais de um terço do total de óbitos por Covid-19 no país.
Perante o agravamento da situação epidemiológica no país, a agência de saúde pública da Suécia (FMH) endureceu o tom das suas recomendações, apesar de continuar a não aconselhar o uso de máscara devido à ausência de provas científicas, mesmo perante as recomendações recentemente intensificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“As máscaras podem ser necessárias em certas situações. Essas situações ainda não surgiram na Suécia, de acordo com as nossas conversações com as administrações regionais de saúde”, defendeu Anders Tegnell, o epidemiologista-chefe e responsável pela estratégia sueca de combate à pandemia.
Em maio, Tegnell defendia a ideia de imunidade de grupo, que supostamente protegeria os grupos mais vulneráveis. Segundo esta estratégia, a população jovem e saudável seria infetada em número suficiente de forma a estabelecer uma ampla imunidade na comunidade, enquanto os idosos permaneceriam isolados para evitar a infeção. No entanto, os números revelariam uma realidade oposta: menos de dez por cento da população de Estocolmo desenvolveu anticorpos para combater a doença e praticamente metade das mortes registadas na Suécia ocorreram em lares de idosos e casas de repouso.
“As autoridades de saúde escolheram uma estratégia totalmente diferente da do resto da Europa e, por isso, o país sofreu muito durante a primeira vaga”, disse Piotr Nowak, médico que trabalha no instituto Karolinska, na cidade de Estocolmo, com pacientes Covid-19. “Não fazemos ideia de como é que eles falharam na previsão da segunda vaga”, acrescentou Nowak, que explica que a generalidade da comunidade médica não partilhava o “otimismo descabido” da agência de saúde pública da Suécia.