Covid-19. Cuidados intensivos da Suécia em situação desesperada

por RTP
A taxa de mortalidade na Suécia é cinco vezes superior à da Dinamarca e dez em comparação com Noruega e Finlândia Marko Djurica - Reuters

A Suécia, inicialmente apresentada como um modelo e um caso de estudo na forma de lidar com a pandemia, encontra-se a braços com uma vaga de infeções que ultrapassa as capacidades dos seus serviços de saúde. Com uma população semelhante à de Portugal, regista agora mais do dobro das vítimas mortais.

A imagem de um país que teria descoberto a forma de evitar os danos causados à economia pelo confinamento, protegendo ao mesmo tempo a sua população contra os contágios, fica irremediavelmente comprometida pelos dados mais recentes de desenvolvimento da pandemia.

Segundo o diário sueco Aftonbladet, o país, com uma população a rondar os dez milhões de habitantes, regista até agora 312.000 casos de Covid-19, 7.200 deles fatais. Só no último mês, registaram-se 1.200 óbitos de pessoas infetadas com o novo coronavírus. Nas últimas 24 horas, a Suécia contabilizou 7.370 novos casos e 160 vítimas mortais. A capacidade do serviço nacional de saúde para a prestação de cuidados intensivos está no limiar do esgotamento: 99 por cento das camas de cuidados intensivos estão ocupadas.

O diretor de Serviços Médicos e de Saúde de Estocolmo, Bjorn Eriksson, admitiu numa entrevista coletiva que a situação no país é bastante grave e fez um apelo: “Precisamos de ajuda”.

“Nós mobilizamos tudo o que conseguimos e demos tudo o que tínhamos para que todos recebessem os cuidados que precisam. Agora precisamos de continuar a fazer o nosso melhor, todos como um todo, para oferecer resistência ao vírus e à pandemia”, sublinhou Eriksson.

Segundo Eriksson, na quarta-feira havia registo de 814 pacientes internados em hospitais da capital, dos quais 83 em cuidados intensivos. “Isso corresponde a, mais ou menos, toda a capacidade de camas em cuidados intensivos que temos normalmente”, explicou.

“A situação é muito grave, há muitos casos em todo o país”, admitiu em conferência de imprensa Karin Tegmark Wisell, chefe de departamento da Agência de saúde pública (FHM), apesar de sublinhar que a subida tem diminuído nos últimos dias.

Das 21 regiões suecas, oito reforçaram o pessoal médico e apesar de nenhuma estar em emergência extrema, aguarda-se um agravamento da situação, segundo dados da direção-geral de Assuntos sociais.

No entanto, outros especialistas negam que o país esteja em situação de exaustão. As autoridades regionais de Estocolmo tinham alertado na quarta-feira que estavam no limite da capacidade nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) e que necessitavam de reforços, mas uma responsável dos Assuntos sociais garantiu na quarta-feira que ainda existe 22 por cento de capacidade disponível em todo o país e que podem disponibilizar mais meios se necessário.

“Estamos intranquilos com a situação, mas não ao ponto de que esteja fora de controlo. As UCI estão sobrecarregadas e o pessoal tem muito trabalho, mas podemos ampliar a capacidade. Não é uma situação de crise urgente”, indicou Irene Nilsson-Carlsson.

Nilsson-Carlsson sublinhou que foi reduzido de forma “significativa” o tempo médio de permanência nos hospitais por Covid-19 face à primeira vaga, na passada primavera, e que apenas onze por cento dos doentes infetados necessitam atualmente de internamento nas UCI.
Segunda vaga leva Governo a apertar medidas
A Suécia foi um dos únicos países a avançar com uma estratégia diferente da maioria no combate à pandemia, ao evitar um confinamento generalizado e o uso obrigatório de máscara. Como consequência, a Suécia é o país da Escandinávia mais afetado, apesar de permanecer longe de países como Espanha, Itália, França ou Reino Unido. A taxa de mortalidade sueca de 71,65 por 100.000 habitantes é cinco vezes superior à da Dinamarca e dez vezes em comparação com Noruega e Finlândia.

No entanto, com o surgimento de uma segunda vaga, o Governo alterou a sua estratégia, ao proibir ajuntamentos de mais de oito pessoas, a venda de álcool a partir das 22h00 e ao decretar o encerramento de bares, restaurantes e clubes noturnos às 22h30.

Pela primeira vez desde o início da pandemia, a Suécia também decidiu esta semana colocar os estudantes do ensino secundário e universitário da cidade de Estocolmo em ensino virtual. “Devemos reduzir drasticamente os nossos contactos, por isso, infelizmente, sou obrigado a recomendar que os municípios [da região de Estocolmo] descartem o ensino presencial para alunos numa fase avançada do ensino a partir de segunda-feira”, anunciou a responsável regional pelo controlo de infeções em comunicado. Estocolmo é a região mais afetada pela pandemia na Suécia, contabilizando mais de um terço do total de óbitos por Covid-19 no país.

Perante o agravamento da situação epidemiológica no país, a agência de saúde pública da Suécia (FMH) endureceu o tom das suas recomendações, apesar de continuar a não aconselhar o uso de máscara devido à ausência de provas científicas, mesmo perante as recomendações recentemente intensificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“As máscaras podem ser necessárias em certas situações. Essas situações ainda não surgiram na Suécia, de acordo com as nossas conversações com as administrações regionais de saúde”, defendeu Anders Tegnell, o epidemiologista-chefe e responsável pela estratégia sueca de combate à pandemia.

Em maio, Tegnell defendia a ideia de imunidade de grupo, que supostamente protegeria os grupos mais vulneráveis. Segundo esta estratégia, a população jovem e saudável seria infetada em número suficiente de forma a estabelecer uma ampla imunidade na comunidade, enquanto os idosos permaneceriam isolados para evitar a infeção. No entanto, os números revelariam uma realidade oposta: menos de dez por cento da população de Estocolmo desenvolveu anticorpos para combater a doença e praticamente metade das mortes registadas na Suécia ocorreram em lares de idosos e casas de repouso.

“As autoridades de saúde escolheram uma estratégia totalmente diferente da do resto da Europa e, por isso, o país sofreu muito durante a primeira vaga”, disse Piotr Nowak, médico que trabalha no instituto Karolinska, na cidade de Estocolmo, com pacientes Covid-19. “Não fazemos ideia de como é que eles falharam na previsão da segunda vaga”, acrescentou Nowak, que explica que a generalidade da comunidade médica não partilhava o “otimismo descabido” da agência de saúde pública da Suécia.

c/agências
Tópicos
PUB