Covid-19. Cientistas consideram difícil alcançar "imunidade de grupo" nos EUA
Quando ainda não havia vacinas e a vacinação ainda era só um vislumbre, a comunidade científica começou a falar em "imunidade de grupo" como se, assim que se tivesse parte da população inoculada, terminasse a pandemia. Mas, com as taxas de vacinação a descerem ligeiramente, os cientistas e os especialistas em saúde pública começam a considerar que é quase impossível, pelo menos num futuro próximo, atingir a tal "imunidade de rebanho".
Até agora, mais de 44 por cento da população já foi vacinado com, pelo menos, uma dose de uma vacina contra a Covid-19 e mais de 31 por cento está totalmente vacinado, de acordo com dados dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças.
Mas, como avança o New York Times, a imunidade de grupo e a forma controlada do vírus depende de como os EUA e o resto do mundo avança com a vacinação e de como o próprio vírus evolui.
As novas estirpes têm provado que o vírus sofre mutações muito depressa e que se consegue disseminar muito facilmente. No entanto, a vacinação está a decorrer, a nível mundial, mais lentamente do que o previsto e o necessário para se atingir o patamar da imunidade coletiva em breve.
De acordo com os especialistas, a vacinação contínua, especialmente em pessoas com maior risco devido à idade, exposição ou estado de saúde, será fundamental para limitar a gravidade dos surtos, e até mesmo a sua frequência.
O problema, segundo a médica Leana Wen, é que se esta imunidade coletiva não for atingida até ao próximo outono, no inverno pode haver "um grande ressurgimento", até de outras variantes, e o país terá de enfrentar outra nova vaga da pandemia.
Além disso, afirmar agora que afinal poderemos não conseguir alcançar uma imunidade de grupo poderá dar mais força aos argumentos dos que, até ao momento, continuam céticos quanto à eficácia das vacinas.
No entanto, os especialistas ainda acreditam que a vacinação continua a ser a chave para tornar o SARS-CoV-2 "uma ameaça controlável". De facto, a comunidade científica considera que será um grande passo se se conseguir diminuir o número de casos e de transmissão do vírus, mesmo que não se consiga a imunidade coletiva.
"Podemos não chegar ao zero, provavelmente não", disse Ashish Jha, reitor da Escola Universitária de Saúde de Brown. "Mas se conseguirmos diminuir as infeções para níveis muito baixos, a maioria de nós pode voltar às suas vidas de maneira normal. Acho que provavelmente podemos viver com isto".
"As pessoas estavam a ficar confusas e a pensar que nunca iríamos reduzir as infeções até atingir esse nível de imunidade coletiva, seja qual for esse valor", disse.
"É por isso que parámos de usar o termo de 'imunidade de rebanho' no sentido clássico", acrescentou. "O que quero dizer é: esqueçam isso por um momento. Se vacinarmos pessoas suficientes, as infeções vão diminuir".
Mas, à medida que as vacinas foram desenvolvidas e a distribuição aumentou durante o inverno passado e a primavera, as estimativas do limiar começaram a aumentar. A questão é que os cálculos iniciais foram baseados na taxa de transmissão da versão original do SARS-CoV-2.
Mas agora a variante predominante que está a circular nos EUA, chamada B.1.1.7 e identificada pela primeira vez no Reino Unido, é cerca de 60 por cento mais transmissível do que a original.
Assim, os especialistas tiveram de mudar as perspetivas e agora estimam que o limite de imunidade de grupo se atinja quando, pelo menos, 80 por cento da população estiver imunizada.
Contudo, se surgirem outras variantes ainda mais contagiosas, ou se as pessoas vacinadas ainda puderem transmitir o vírus, o cálculo terá de ser revisto e alterado novamente.
"É teoricamente possível que possamos chegar a cerca de 90 por cento de cobertura vacinal, mas não é muito provável", explicou Marc Lipsitch, epidemiologista da Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan.
De facto, a resistência e o cepticismo relativamente às vacinas é uma das principais razões para o atraso nas vacinações e na imunidade de grupo, mas não é a única.
"A transmissão da doença é local", observou Lipsitch.
"Se a vacinação alcançar os 95 por cento nos Estados Unidos como um todo, mas 70 por cento em alguma cidade pequena, o vírus não se importa", explicou. "Ele seguirá o seu percurso nessa pequena cidade".
E a questão é que não é facil garantir o isolamento de uma região havendo circulação de pessoas. Assim, a imunidade de grupo pode sofrer "flutuações" consoante as aglomerações populacionais, o saneamento urbano ou o comportamento da população.