Covid-19. China quer classificar cidadãos com base na saúde e estilo de vida

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Aly Song - Reuters

Inspirada na aplicação criada para controlar a pandemia, a cidade chinesa de Hangzhou anunciou que pretende utilizar um sistema que atribui aos cidadãos uma pontuação pessoal com base no seu relatório médico, exames de saúde e estilo de vida. O anúncio gerou controvérsia, levantando preocupações relativamente à privacidade dos habitantes.

No início de março, a China começou a monitorizar cada cidadão de forma a controlar o avanço da pandemia. Foi criada uma aplicação para telemóvel que gerava um código QR com toda a informação relativa ao estado de saúde de cada pessoa.

Com base no risco de ter contraído o novo coronavírus, a Alipay Health Code atribuía a cada cidadão uma cor: vermelho no caso de estar infetado, amarelo se contactou com alguém infetado e verde caso não se encontre em nenhuma destas circunstâncias.

A aplicação gerava uma espécie de código de barras que era controlado pelas autoridades cada vez que um cidadão chinês saísse de casa. Apenas poderiam aceder a transportes e espaços públicos as pessoas com o código verde.

O GPS era também controlado e durante 14 dias a aplicação armazenava o seu histórico de forma a monitorizar a população. Desta forma, assim que era diagnosticado um caso de infeção, as autoridades chinesas conseguiam rapidamente localizar o paciente e identificar as pessoas com quem esteve em contacto.

A pandemia parece estar agora controlada no país onde teve origem, mas algumas cidades estão a inspirar-se nesta aplicação para tornar a monitorização permanente e “normalizada”.

É o caso da cidade costeira Hangzhou, das primeiras a utilizar esta aplicação. Na sexta-feira, o diretor da Comissão Municipal de Saúde de Hangzhou, Sun Yongrong, anunciou que pretendia estabelecer um sistema que pudesse atribuir aos cidadãos uma pontuação pessoal com base no seu relatório médico e estilo de vida. A pontuação irá variar de 0 a 100 e dependerá do quanto uma pessoa bebeu, fumou, praticou exercício físico e dormiu num determinado dia.

De acordo com o plano do município, 15 mil passos de exercício físico diário aumentam a pontuação em cinco pontos, enquanto 200 mililitros de baiju – uma bebida alcoólica chinesa – retiram 1,5 pontos à classificação. Cinco cigarros por dia valem menos três pontos e 7,5 horas de sono acrescem um ponto. Essa pontuação será incorporada num código QR acessível nos telemóveis, pronto a ser digitalizado sempre que for requerido.

Sun Yongrong também referiu que poderá existir uma “pontuação de saúde de grupo” para empresas que se irá basear numa avaliação da prática de exercício e das horas de sono dos seus funcionários, bem como numa análise dos exames de saúde e controlo de doenças crónicas.
“Vidas completamente monitorizadas?”
O diretor da Comissão Municipal de Saúde de Hangzhou não especificou em que moldes será imposta esta aplicação e como irá afetar a rotina dos cidadãos. No entanto, a proposta já foi alvo de críticas, com muitos cidadãos a levantar preocupações relativamente à privacidade.

“O histórico médico e os relatórios de exames de saúde dizem respeito à privacidade pessoal, porque devem ser incluídos nos códigos de saúde para mostrar a outros? Serão deduzidos pontos por fumar, beber e não dormir o suficiente, isso significa que as nossas vidas serão completamente monitorizadas?”, disse um usuário no Weibo, a plataforma chinesa do Twitter.

“Durante a epidemia não tivemos escolha, mas eu espero que depois da epidemia as pessoas tenham o direito de eliminar a aplicação, em vez de normalizar a sua utilização”, escreveu outro cidadão chinês, citado pela CNN.

Até ao momento, ainda não foi esclarecido se a aplicação será lançada e adotada em toda a China, mas alguns cidadãos questionam a viabilidade do plano, apontando dificuldades técnicas na conversão das condições médicas em pontuação e criar um algoritmo viável. Outros temem que a aplicação possa levar à discriminação no emprego contra cidadãos com pontuações mais baixas e sublinham que este código de saúde proposto tem semelhanças com o sistema de crédito social na China, um projeto anterior, testado também em Hangzhou, que pretendia auxiliar-se numa combinação de recompensas e penalidades para incentivar o bom comportamento. No caso deste projeto, os cidadãos receberiam uma pontuação com base, por exemplo, na sua capacidade de pagar dívidas e na prática de trabalho voluntário.
Sistema de vigilância “de guerra”
Para além destas aplicações, o sistema de vigilância desempenhou também um papel crucial no controlo da pandemia na China. Todas as cidades e vilas do país adotaram um sistema para fazer frente ao que o Governo apelidou de “uma guerra geral contra o coronavírus”.

A rede de vigilância tem sido utilizada para monitorizar os contactos de pessoas confirmadas como infetadas por Covid-19 e punir empresas e cidadãos que desrespeitem as restrições.

“Esta é uma situação de guerra. Devemos adotar o pensamento em tempo de guerra”, disse Wang à agência Reuters, um funcionário do executivo chinês.

As autoridades chinesas instalaram câmaras no exterior das casas de pessoas vindas de Hubei, o epicentro da pandemia. Desta forma conseguiam monitorizar os seus movimentos.

A China registou mais sete casos de infeção por Covid-19 nas últimas 24 horas, todos oriundos do exterior. O número de pessoas infetadas ativas no país fixou-se em 81, incluindo sete em estado grave.

Segundo dados oficiais, desde o início da epidemia, a China registou 82.992 infetados e 4.634 mortos. Até ao momento, 78.277 pessoas tiveram alta.

A nível global, a pandemia já infetou mais de 5,5 milhões de pessoas em todo o mundo e provocou mais de 346 mil mortos.

c/agências
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