Covid-19. Boris Johnson promete combater o vírus como "em tempo de guerra"

por Graça Andrade Ramos - RTP
Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, ao anunciar medidas de combate à pandemia de covid-19, em Londres a 17 de março de 2020 Reuters

O Executivo de Boris Johnson recuou em toda a linha esta terça-feira na política antes adotada para combater a pandemia do novo coronavírus. Anunciou igualmente um extenso pacote de medidas para tentar evitar o colapso da economia.

"Assumo toda a responsabilidade por estas medidas", garantiu Boris Johnson em conferência de imprensa em Londres.

Em vez de procurar alcançar a imunidade de grupo, o primeiro-ministro britânico anunciou agora a necessidade de "deter o contágio", antes de este "esmagar o NHS", o serviço nacional de saúde do Reino Unido. O Reino Unido registou um aumento de 26 por cento no número de casos infetados, de segunda para terça-feira, de 1543 para 1950 pessoas. Desde o primeiro caso confirmado a 31 de janeiro, o país contabilizou até agora 71 óbitos devido ao covid-19.

Um estudo do Imperial College de Londres, sobre o impacto da pandemia e a partir de dados sobre o surto em Itália, previa, se nada fosse feito, 510 mil mortos no Reino Unido e 81 por cento da população afetada.

Após incluir no estudo as medidas adotadas pelo Executivo, o número previsto de mortes diminuía para metade, ascendendo ainda assim a 250 mil óbitos, além de um sistema de saúde completamente submergido, cenário que terá feito Johnson arrepiar caminho.

Ao lado de Rishi Sunak, o seu ministro das Finanças, Johnson começou por afirmar que "este vírus é tão perigoso e tão infecioso que sem medidas drásticas para conter a sua progressão esmagará qualquer serviço de saúde do mundo", preparando caminho para o anúncio das dificuldades que o NHS já começa a enfrentar.

Para combater o covid-19, o Governo britânicou publicou entretanto um pacote de medidas que prevê o regresso ao serviço de médicos reformados sem penalização de pensões, autoriza as forças de segurança a impor medidas de proteção da saúde pública, consagra a atribuição desde o primeiro dia do pagamento de baixas médicas, o teletrabalho nos tribunais e a suspensão de operações aeroportuárias em caso de insuficiência de meios humanos em portos e aeroportos.
Medidas já adotadas
Segunda-feira à noite, o primeiro-ministro conservador já tinha anunciado o que então apelidou como as "mais abrangentes medidas em larga escala" que a população enfrentou em tempo de paz, para tentar abrandar a disseminação do coronavírus.

Pediu à população para evitar locais de convívio social e as deslocações "não essenciais" e recomendou aos mais vulneráveis para se isolarem por três meses.

Na manhã seguinte, o Executivo recomendou aos britânicos que evitassem viajar para o estrangeiro nos próximos 30 dias. O eventual encerramento das escolas está continuamente "sob avaliação", revelou o primeiro-ministro já na tarde desta terça-feira.

Em resposta a estas medidas, a meio da tarde, o NHS anunciou o cancelamento de todas as cirurgias de rotina nos próximos três meses e o envio para casa de tantos doentes quanto possível, para libertar pessoal e camas, para responder ao alastrar da epidemia.

Simon Stevens, responsável pelo serviço de saúde de Inglaterra, disse que as cirurgias não urgentes seriam canceladas a partir de 15 de abril, com vista a ter disponível um terço das 100 mil leitos hospitalares disponíveis no reino inglês.

Boris Johnson avisou agora que o Governo poderá não ficar por aqui.
"Tempo de guerra"
"Sublinho que, apesar de as medidas serem extremas, poderemos ter de ir mais longe muito rapidamente", alertou o primeiro-ministro.

"E temos de agir como qualquer Governo em tempo de guerra e fazer tudo o que pudermos para apoiar a nossa economia".

Prosseguindo a retórica, Boris Johnson procurou sossegar a opinião pública com uma palavra de estadista. "Sim, este inimigo pode ser mortal, mas também pode ser derrotado", afirmou.

"E nós sabemos como o vencer e sabemos que se, como um país, seguirmos os conselhos científicos... sabemos que o iremos vencer", acrescentou.

"Sejam quais forem as dificuldades dos próximos meses, temos os recursos e a resolução para vencer a batalha," afirmou.

"Quanto mais formos zelosos a seguir os conselhos científicos, mais vidas poderão ser salvas e mais depressa a economia irá recuperar", sublinhou igualmente Johnson.

Sir Patrick Vallance, conselheiro científico do executivo de Boris Johnson, à porta do nº10 de Downing Street, a 17 de março de 2020 Foto: Reuters
20 mil mortos será "um bom resultado"
O principal conselheiro científico do Executivo britânico, Sir Patrick Vallance, afirmou que as ações corretas estão a ser tomadas na altura certa.

Previu que dentro de três semanas se verá o impacto das medidas anunciadas segunda-feira, estimando que o país tenha na realidade atualmente cerca de 55 mil pessoas infetadas, face às 1 543 entretanto confirmadas, devido à falta de testes.

Perante um grupo de legisladores, Vallance admitiu ainda que considera aceitável a morte de 20 mil pessoas nesta epidemia.

"Se conseguirmos 20 mil mortes ou menos, isso será um bom resultado em termos de onde gostaríamos obter com este surto. É horrível, é ainda um enorme número de mortes e é uma pressão enorme no sistema de saúde", lamentou.
Pânico
O discurso do Executivo e as medidas adotadas não têm dado resposta ao medo da pandemia dos britânicos e a mudança de estratégia num curto espaço de tempo também não ajudou.

A corrida aos supermercados e o açambarcamento de produtos começou há uma semana e levou a indústria de alimentação a publicar anúncios, domingo, nos jornais nacionais, a apelar ao fim das compras em excesso, sem resultados visíveis.

Terça-feira nas prateleiras de produtos como ovos ou aves não havia nada e as arcas de frio estavam vazias.

Boris Johnson prometeu esta terça-feira que tudo irá correr bem, dizendo que as pessoas não têm razões para armazenar.
"Estamos confiantes de que as cadeias de abastecimento estão a trabalhar bem e irão funcionar", afirmou o primeiro-ministro.

Uma certeza não partilhada pelos donos das cadeias dos supermercados, receosos de que o Governo não tenha ainda compreendido a magnitude da crise.

"Está a piorar", disse à agência Reuters uma fonte de um dos maiores grupos britânicos de supermercados

"O nível de compras de pânico não está mesmo a melhorar", afirmou outra fonte à Reuters.
Pacote de ajudas à economia
O impacto da epidemia já está a levar à desaceleração acentuada de uma economia já fortemente abalada pelo Brexit, tendo forçado o encerramento desde fevereiro de várias fábricas devido à falta de peças oriundas da China.

O Governo prometeu esta tarde um pacote de ajudas robusto, de 330 mil milhões de libras - 364 mil milhões de euros - em garantias de empréstimos para as empresas, o equivalente a 15 por cento do seu PIB, entre outras medidas.

"Esta luta não será vencida com um único pacote de medidas ou intervenções isoladas", afirmou o ministro das Finanças de Johnson, Rishi Sunak, ao lado do chefe de Governo esta tarde, ao apresentar o pacote, referindo que o apoio do Governo irá ser necessário numa escala sem precedentes.

"Este esforço nacional será sustentado por intervenções governamentais na economia numa escala inimaginável há poucas semanas", sublinhou Sunak, prometendo fazer tudo para apoiar os que enfrentarem dificuldades financeiras.

"Este é um tempo para ser audacioso, um tempo de coragem", disse Rishi Sunak.

As medidas foram recebidas com alívio pela maioria dos agentes económicos já que irão aliviar as "necessidades mais prementes" para as próximas semanas.
Resposta a ameaças e a exigências
O pacote de ajudas terá contudo de responder rapidamente a exigências específicas, como as dos condutores e empresas de camionagem e distribuição, que esta terça-feira ameaçaram destruir as mercadorias destinadas à indústria e aos supermercados, se não receberem ajudas que evitem a falência.

Outro setor ameaçado é o das companhias de aviação, obrigadas pela falta de procura a parar praticamente toda a atividade e que já começaram a apresentar pedidos ao Executivo.

Este revelou esta terça-feira que estão a ser estudadas medidas específicas para apoiar o setor da aviação, companhias aéreas e aeroportos.

Outro setor ameaçado de falências é o da industria de entretenimento, após o encerramento de salas de espetáculo, de cinema e de teatros. Pubs e restaurantes estão igualmente com receio do futuro próximo.

Sunak anunciou uma moratória de três meses para pessoas em dificuldades em pagar empréstimos e uma extensão ou suspensão de impostos sobre a propriedade nos sectores da hospitalidade e de lazer, de forma a atender estes receios.
Ventiladores
O primeiro-ministro tentou esta terça-feira um toque a reunir para dar alento perante as dificuldades.

"A indústria está a responder com energia", adiantou confiadamente Johnson, revelando que algumas empresas estão empenhadas na produção de milhares de ventiladores em poucas semanas, para ajudar mais pessoas a sobreviver ao coronavírus.

"Eles vão trabalhar incrivelmente depressa nas próximas semanas, e temos realmente poucas semanas, para construir literalmente milhares de ventiladores de que este país irá precisar", anunciou o primeiro-ministro.

Boris Johnson deixou ainda algumas farpas.

"Enquanto necessitamos de unidade nacional, precisamos de cooperação internacional", afirmou o campeão do Brexit.
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