Alguns médicos do Reino Unido mostram-se preocupados com os efeitos neurológicos da Covid-19 em pessoas que apresentam sintomas leves da doença. Há quem apelide a situação de "epidemia oculta". É que, apesar de doença pulmonar ligeira, alguns casos revelam doenças neurológicas graves, tal como a Adem, que tem algumas semelhanças com a esclerose múltipla.
Os neurologistas alertam para algumas situações muito graves e afirmam que se registou um aumento de situações de risco de vida. É o caso da encefalomielite disseminada aguda (Adem), cujo aumento do número de casos ocorreu na primeira onda de infecções na Grã-Bretanha. No Instituto de Neurologia da UCL, os casos de Adem aumentaram de um por mês - antes da pandemia - para dois ou três por semana em abril e maio. Há mesmo registo de uma morte, a de uma mulher de 59 anos.
Segundo os especialistas, tanto médicos como cientistas, uma dúzia de doentes revelou inflamação do sistema nervoso central, outros dez apresentavam doença cerebral com delírio ou psicose, oito apresentavam derrame cerebral e os outros oito tiveram problemas nos nervos periféricos, principalmente diagnosticados como síndrome de Guillain-Barré, uma reação imune que ataca os nervos e causa paralisia e que é fatal em 5% dos casos. Algo que deixa os especialistas apreensivos.
"Estamos vendo coisas da mesma maneira que o Covid-19 afeta o cérebro que nunca vimos antes com outros vírus", refere Michael Zandi, autor do estudo e consultor do instituto e da fundação do NHS da University College London Hospitals.
Michael Zandi explica ainda o que podemos estar a enfrentar: “O que vimos com alguns desses pacientes de Adem, e em outros pacientes, é que você pode ter uma patologia neurológica severa, pode estar bastante doente, mas na verdade tem uma doença pulmonar trivial".
“Biologicamente, Adem tem algumas semelhanças com a esclerose múltipla, mas é mais grave e geralmente acontece como uma ocorrência única. Alguns pacientes ficam com incapacidade a longo prazo, outros podem ter uma boa recuperação”, referiu.
Sinais de distúrbios neurológicos em doentes de Covid-19
Até aqui, os médicos já suspeitavam – e estavam atentos - aos casos cada vez mais numerosos de doentes que apresentavam, a longo prazo, diversas queixas de ficarem sem fôlego e cansados por muito tempo, mesmo após a “suposta” cura de covid-19, e também a casos com problemas de sonolência e fraqueza de memória.
As situações agora conhecidas, e que deixam os médicos em algum sobressalto, são tão simples como a de uma mulher de 55 anos, sem histórico de doença psiquiátrica, e que começou a comportar-se de maneira estranha no dia seguinte à alta hospitalar, como se pode ler no artigo publicado.
As situações agora conhecidas, e que deixam os médicos em algum sobressalto, são tão simples como a de uma mulher de 55 anos, sem histórico de doença psiquiátrica, e que começou a comportar-se de maneira estranha no dia seguinte à alta hospitalar, como se pode ler no artigo publicado.
“Ela vestiu o casaco várias vezes, tirou-o novamente e começou a alucinar, relatando que viu macacos e leões em sua casa. Foi readmitida no hospital e melhorou gradualmente a medicação antipsicótica.”
Há também uma outra mulher, de 47 anos, que foi internada no hospital com dor de cabeça e dormência na mão direita, uma semana depois de tosse e febre. Mais tarde, ficou sonolenta e sem resposta e exigiu uma operação de emergência para remover parte do seu crânio, para aliviar a pressão do cérebro, que dizia estar inchado.
Médicos e cientistas atentos ao SARS-CoV-2
Perante o que agora é relatado, Michael Zandi deixa o alerta para "médicos de todo o mundo estarem atentos a essas complicações do coronavírus", ao mesmo tempo que pede a médicos, clínicos gerais e profissionais de saúde com pacientes com sintomas cognitivos, problemas de memória, fadiga, dormência ou fraqueza, que dêem conhecimento e que discutam os casos detetados com neurologistas.
"A mensagem não é atribuir tudo isso à recuperação e aos aspectos psicológicos da recuperação", disse ele, para acrescentar: "O cérebro parece estar envolvido nessa doença."
No entanto, ainda nem tudo se sabe e Zandi receia que “a gama completa de distúrbios cerebrais causados pela Covid-19 pode ainda não ter sido detetada, porque muitos pacientes nos hospitais estão doentes demais para serem examinados em scanners cerebrais ou com outros procedimentos. Assim, este especialista pede uma pesquisa melhor para se analisar o que realmente está a acontecer no cérebro.
Outro dos receios é que o vírus possa deixar uma minoria da população com danos cerebrais ligeiros e que só se tornam aparentes nos próximos anos. Isso pode ter acontecido após a pandemia de gripe de 1918, quando até um milhão de pessoas pareciam desenvolver doenças cerebrais.
“É preocupante se alguma epidemia oculta possa ocorrer após o Covid, onde se verá efeitos retardados no cérebro, porque pode haver efeitos subtis no cérebro e lentamente as coisas acontecem nos próximos anos, mas é muito cedo para julgar agora ”, disse Zandi.
"Obviamente, esperamos que isso não aconteça, mas quando se tem uma pandemia tão grande afetando uma proporção tão vasta da população, é algo para que precisamos de estar alerta", acrescentou.
E é com esse intuito que as comunidades científicas e médicas trabalham visando dar as respostas necessárias para a reabilitação física e, ao que parece, agora também para a reabilitação cerebral.