Covid-19. Afinal, o que é ou não verdade nas teorias sobre Bill Gates?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Rick Wilking - Reuters

Nos últimos meses, Bill Gates tem estado envolvido em várias teorias de conspiração que o relacionam com a atual pandemia. Desde que o empresário seria responsável pelo aparecimento do novo coronavírus, a que estaria a usar a pandemia como oportunidade perfeita para monitorizar a população, muitas das teorias combinam factos reais com puras opiniões infundadas.

Em 2015, Bill Gates fez um discurso durante uma conferência onde deixava um alerta: “Se alguma coisa for capaz de matar mais de dez milhões de pessoas nas próximas décadas, é provável que seja um vírus altamente infeccioso e não uma guerra”.

As palavras do fundador da Microsoft não tiveram muito impacto na altura, mas desde o início da pandemia, o vídeo dessa mesma palestra já foi visto mais de 65 milhões de vezes.

O vídeo parece ter sido o mote para o surgimento de várias teorias que alegam que Bill Gates será responsável pela pandemia de Covid-19 e estará a unir esforços para despovoar a Terra. Outras teorias defendem que “a vacina contra a Covid-19 será uma tecnologia experimental que modificará permanentemente o nosso ADN” ou que o filantropo está a tentar implantar microchips na população.

Bill Gates já se pronunciou sobre estas teorias, afirmando que são tão “bizarras” que quase as considera “engraçadas, mas não são”. “Nunca estive envolvido em nada parecido. É quase difícil negar estas coisas porque é tão estúpido e estranho que repeti-lo quase lhe dá credibilidade”, disse o fundador da gigante tecnológica.

Mas afinal, existem algumas verdades entre estas teorias?
“Dono da OMS”?
O jornal Le Monde reuniu as teorias e esclareceu aquilo que é, ou não, verdade. Uma das teorias afirma que Bill Gates é dono da OMS. “Bill Gates agora é dono de grande parte da OMS”, argumenta por exemplo o professor Christian Perronne, ex-presidente do Comité Especial de Doenças Transmissíveis à rádio francesa SUD.

A verdade é que a Fundação Bill e Melinda Gates tem um peso particularmente importante na área da saúde. Bill Gates não é “dono da OMS”, mas a fundação que detém em conjunto com a sua mulher é o segundo maior contribuinte desta organização, podendo mesmo tornar-se o primeiro depois de os EUA terem recentemente anunciado o corte de apoio financeiro à OMS. De acordo com o jornal francês, a fundação enviou 37 pagamentos à OMS em 2019, num total de 194 milhões de dólares.

O empresário norte-americano é, por isso, alvo de críticas. O jornalista e escritor Lionel Astruc, autor do estudo “A Arte da Falsa Generosidade. A fundação de Bill e Melinda Gates”, defende que as ajudas prestadas por esta instituição “deveriam estar sujeitas ao direito de escrutínio de Estados e cidadãos, pois o seu poder é imenso e a sua ameaça pesa sobre as nossas democracias”.

O jornalista francês acusa o bilionário de ter adquirido um certo peso crítico que lhe permite pender a favor das suas crenças, como a vacinação em massa. O escritor dá o exemplo do compromisso de Gates em erradicar a poliomielite, considerando que coloca em segundo plano a necessidade de se combater outras doenças mais comuns, como o sarampo.

No entanto, tal como sublinha o jornal francês, considerar que Bill Gates é o dono da OMS é uma hipérbole, tanto do ponto de vista jurídico que supõe que se trata de uma organização supranacional que depende dos Estados-membros, como do ponto de vista económico.

Apesar de a fundação Bill e Melinda Gates ter um peso considerável na organização, somando todas as fundações que a financiam, a instituição do fundador da Microsoft representa menos de 25 por cento do total da ajuda económica.
“Bill Gates anteviu a pandemia”?
De acordo com uma pesquisa australiana, uma em cada oito pessoas acredita que Bill Gates está envolvido no surgimento do novo coronavírus e acusam-no de ter financiado um instituto de pesquisa britânico que detém uma suposta patente do coronavírus.

Baseiam-se no discurso de 2015 onde o bilionário descrevia uma doença infecciosa que poderia matar milhões de pessoas e no exercício de simulação da “pandemia fictícia de coronavírus”, à qual chamaram “Evento 201”, onde reuniu, em 2019, líderes globais e epidemiologistas para elaborarem uma resposta coordenada no caso de aparecimento de um novo vírus.

O evento foi organizado pela Universidade John Hopkins, que está a realizar estudos financiados pelo Governo e fundações particulares, como a de Bill e Melinda Gates.

A fundação do empresário está, de facto, a financiar o centro de pesquisas britânico Pirbright, especializados no estudo de vírus que afetam animais e vírus que se transferem de animais para pessoas. Mas este instituto não possui uma patente do novo coronavírus. Possui, sim, uma patente para um tipo de coronavírus que afeta animais e não seres humanos, principalmente galinhas.

Também as afirmações de que Bill Gates terá criado a pandemia não passam de teorias da conspiração. O empresário apenas abordou o risco de uma pandemia para a população global naquele discurso há cinco anos atrás onde mencionava um cenário bem mais catastrófico.

O “evento 201” também difere da realidade. A simulação previa uma pandemia que afetava vários países do mundo, mas o epicentro seria no Brasil, e não na China. A Universidade John Hopkins também já esclareceu na sua conta do Twitter que não se fez uma previsão, apenas se moldou “uma pandemia fictícia de coronavírus”.
“Vacinas para reduzir a população”
Críticos de Bill Gates acusam ainda que a sua política de vacinação visa reduzir a população mundial. Várias publicações evidenciam ainda os efeitos secundários de uma potencial vacina para a Covid-19, argumentando que o empresário anunciou que a vacina provocaria a morte de mais de 700 mil pessoas.

A teoria de que o empresário de 64 anos estaria a adotar uma política “genocida” surgiu, mais uma vez, durante uma conferência em 2010, onde Bill Gates na altura afirmava: “Atualmente existem 6,8 mil milhões de pessoas no mundo. Devemos chegar aos nove mil milhões. Com resultados promissores em novas vacinas, assistência médica, controlo de natalidade, poderíamos reduzi-lo em, talvez, 10 ou 15 por cento, mas manteremos um fator de crescimento de cerca de 1,3”.

Era o fator de crescimento, ou seja, a dinâmica do crescimento populacional, que Gates ambicionava reduzir, e não a própria população.

É verdade que, desde a década de 1990, Bill Gates financiou ações para controlar o crescimento mundial, através do apelo ao planeamento familiar e acesso aos métodos contracetivos e, mais tarde, financiamentos na luta contra a mortalidade materna e infantil. No entanto, de acordo com o próprio Bill Gates, a sua intenção é melhorar a qualidade de vida nestes países ao garantir o acesso das mulheres à educação.

Nestes países onde a taxa de mortalidade infantil é elevada, as mulheres têm vários filhos para compensar a baixa taxa de sobrevivência. Mas, “se uma mãe e um pai souberem que os seus filhos viverão até à idade adulta, eles começam a reduzir, naturalmente, o volume populacional” ao darem menos à luz, explicou Melinda Gates numa entrevista em 2011.

Para além disso, também é verdade que uma eventual vacina para o SARS-CoV-2 poderá provocar efeitos secundários, assim como qualquer medicamento. O objetivo é sempre garantir que esses efeitos sejam os mais raros e menores possíveis.

No início de abril, o próprio Bill Gates alertou precisamente para os efeitos negativos que a busca acelerada por uma vacina para a Covid-19 poderá ter na observação de efeitos secundários.

Porém, as alegações de que o empresário terá dito que 700 mil pessoas morreriam devido à vacina contra a Covid-19 são falsas. Na realidade, o fundador da Microsoft mencionou a possibilidade de, mesmo com uma vacinação a uma “escala gigantesca” e com uma probabilidade muito baixa de efeitos secundários, cerca de 700 mil pessoas poderiam ser afetadas pela pandemia.
Bill Gates quer controlar a população mundial?
O filantropo norte-americano é ainda suspeito de procurar tirar proveito da atual pandemia para controlar e monitorizar a população mundial, ao inserir microchips nos seres humanos que armazenariam os dados de saúde de cada indivíduo.

A maioria das publicações que circulam nas redes sociais explicam que Gates lançará “cápsulas inseríeis em seres humanos com ‘certificados digitais’ que conseguem mostrar quem foi testado para o coronavírus e quem foi vacinado contra ele”. A teoria foi partilhada pelo menos mil vezes no Facebook e 3.600 vezes no Twitter, em março deste ano.


A maioria destas teorias são retiradas de uma publicação, datada a 19 de março, cujo título é “Bill Gates usará implantes de microchips para combater o coronavírus”. De acordo com a agência Reuters, o artigo retira conclusões que nunca foram apoiadas pelo empresário.

O artigo falsamente declara que a tecnologia “quantum dot dye”, desenvolvida, de facto, pela Fundação Gates, seria utilizada para esse fim. No entanto, Kevin McHugh, um dos principais autores do trabalho de pesquisa "quantum dot dye", explica que essa tecnologia “não é um microchip ou cápsula inseríveis em humanos e, que eu saiba, não há planos para o usar para o coronavírus”.

A verdade é que Bill Gates mencionou a possibilidade de ter um “certificado digital” para os registos de saúde, mas nunca disse que seriam na forma de implantes de microchips.


"A alusão a 'certificados digitais' refere-se a esforços para criar uma plataforma digital de código aberto com o objetivo de expandir o acesso a testes domésticos seguros", esclareceu Melinda Gates à Reuters.
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