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Covax forçada a marcar passo. Atraso nas vacinas chega aos países mais pobres

por Graça Andrade Ramos - RTP
Reuters

A Unicef está a alertar diversos países de menores rendimentos para atrasos na entrega de vacinas da AstraZeneca e da Novavax, prometidas ao abrigo da iniciativa Covax já para este mês. Problemas técnicos na fábrica do programa na Coreia do Sul e recuos nas licenças de exportação das vacinas, por parte do Governo da Índia, explicam o aviso.

A Covax assenta sobretudo nas vacinas da empresa anglo-sueca, por ser mais barata e de manutenção mais simples do que as restantes vacinas. Cerca de 90 milhões de vacinas poderão ser afetadas pelos problemas referidos, de acordo com a Unicef. A AstraZeneca promete fazer as entregas acordadas em abril e maio, mas até lá os programas de vacinação de países como o Sudão do Sul, as Ilhas Maurícias, o Iraque, a Bósnia-Herzgovina e o Iémen, vão ter de começar, já na próxima semana, a abrandar o ritmo de vacinação.

"A Covax informou os participantes de que os volumes contratados nas entregas da Coreia do Sul vão ser menores em março", referiu a organização das Nações Unidas, que disse estar em contacto também  com o Governo em Nova Deli para conseguir as vacinas em falta o mais depressa possível.

A Unicef afirma estar a tentar perceber se a suspensão das licenças de exportação decretadas pela Índia abrangem as produzidas pelo Instituto Serum no país, o maior fabricante mundial das vacinas anglo-suecas.

"Foi-nos comunicado que as entregas das vacinas contra a Covid-19 a economias mais pobres que participam na iniciativa Covax irão provavelmente registar atrasos após dificuldades na obtenção de licenças de exportação de doses destas vacinas produzidas pelo instituto Serum da Índia com envio previsto para março e abril", referiu uma porta-voz da Unicef.
Índia primeiro
Esta semana, a Índia, confrontada com a subida dos contágios de SARS-CoV-2, exerceu o seu direito de veto sobre as exportações do Instituto, de acordo com as suas próprias necessidades internas. O país, o terceiro do mundo com mais elevado número de casos, 11.8 milhões no total, registou quarta-feira mais 50 mil casos, o número mais elevado dos últimos cinco meses, o que levou o Governo a reforçar o seu sistema de vacinação.

Nova Deli tem estado a administrar três milhões de doses por dia e tem reservas para sustentar esse ritmo por 50 dias mas vai aumenta-lo a partir de 1 de abril, de forma a tentar impedir uma nova vaga de casos Covid-19.

O Governo indiano desmente ter proibido as exportações "ao contrário de muitos países" e garantiu que iria manter as entregas de doses por fases.

"Permanecemos comprometidos na ajuda com vacinas ao mundo inteiro, incluindo através da Covax", referiu à Agência Reuters fonte do Governo indiano, sem se identificar.

A mesma fonte reconheceu que as necessidades de vacinação internas poderão implicar ajustes no calendário das entregas. E outro alto responsável indiano admitiu que "tudo o resto passou para segundo plano, pelo menos para já".

"Nada de exportações, nada até a situação na Índia estabilizar. O Governo não iria correr um risco tão grande neste momento quando tantos necessitam ser vacinados na Índia".

Até agora, a Índia exportou mais de 60,5 milhões de doses, de acordo com dados publicados no website do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país.
A vacina que não chega para todos
A iniciativa Covax envolve a Unicef, a Organização Mundial de Saúde, a aliança Gavi de vacinas, que congrega países, empresas e fundações caritativas, e a Aliança para a Inovação em Preparação de Epidemias. Baseia-se nas compras das nações mais ricas para sustentar o envio das vacinas aos países de rendimentos médios e baixos.

Até agora, a Covax distribuiu 28 milhões de doses da vacina da AstraZeneca fabricada pelo Instituto Serum da índia, SII, e esperava 40 milhões de doses adicionais em março e outros 50 milhões em abril. O Instituto Serum da Índia foi contratado para entregar mil milhões de doses da vacina da AstraZeneca à iniciativa Covax, só este ano, tendo recebido 300 milhões de dólares em financiamentos por parte da Gavi e da Fundação Gates, para conseguir expandir a capacidade de produção.

Parte da produção adquirida ao abrigo da Covax foi entregue à Índia conforme previsto. Foram 49 milhões, dos 54 milhões de doses distribuídas no país.

O SII tem ainda contratos de fornecimento de vacinas com a farmacêutica AstraZeneca e com o Governo indiano, além de contratos privados com outros Governos e não se sabe qual a ordem de prioridade atribuída pela empresa às suas entregas.

O Instituto indiano anunciou entretanto planos para aumentar a produção mensal de vacinas para 100 milhões de doses em abril e maio, face aos actuais 70 milhões.

O SII já começou a atrasar os envios da vacina da AstraZeneca para o Brasil, na mesma semana em que o Presidente Jair Bolsonaro anunciou um incremento do plano de vacinação devido ao aumento de óbitos. A fasquia do total de 300 mil mortos com Covid-19 foi ultrapassada no país, nas ultimas horas.

Também o Reino Unido, Marrocos e a Arábia Saudita vão começar a receber menos doses das vacinas da AstraZeneca do que o prometido, com Londres a tentar conseguir de Nova Deli a segunda leva dos prometidos cinco milhões de doses encomendadas ao SII.

A única exceção ao embargo indiano deverá ser o Bangladesh, a quem o primeiro-ministro Narendra Modi irá entregar 1.2 milhões de doses da vacina, quando visitar o país, esta sexta-feira.
Europa tenta decidir o rumo
A Índia representa assim uma nova frente de batalha para a AstraZeneca, a braços com dificuldades simultâneas de cumprir o acordado com a União Europeia e de escoar vacinas produzidas nos Estados Unidos. Mesmo depois de ter sido suspensa dos programas de vacinação de duas dezenas de países, por suspeitas de que a sua vacina provocava problemas de coagulação e tromboembolismos, a empresa continua sem conseguir cumprir os prazos de entrega.

A hostilidade de Bruxelas tem subido de tom.

Há dias soube-se que o consórcio anglo-sueco estava apenas a produzir vacinas para a UE numa só fábrica das cinco que detém em solo europeu. Entretanto foram encontradas 29 milhões de doses da AstraZeneca numa inspeção em instalações da farmacêutica em Itália.

Vários lotes, que podem conter até um milhão de doses, foram confiscados, com dois a serem enviados para a Bélgica. Quarta-feira ao fim do dia, a AstraZeneca afirmou que as doses que foram encontradas estavam destinadas à União Europeia e à Covax.

A farmacêutica alegou que as mesmas estavam ali porque tinham ainda que ser alvo de um controlo de qualidade.

"Em linha com os atuais desafios no contexto global de abastecimento", o atraso na entrega de vacinas "deve-se aos desafios que a empresa enfrenta para aumentar rapidamente as entregas e otimizar os seus processos de produção", explicou esta quinta-feira a AstraZeneca, em comunicado.

Igualmente a braços com um novo aumento de casos, a União Europeia, liderada pela Alemanha, está a estudar como pode manter dentro de portas e reforçar a produção de vacinas.
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