Coreia do Sul entrega a Trump os louros da aproximação a Pyongyang

por Andreia Martins - RTP
Donald Trump e Moon Jae-in durante a visita do Presidente norte-americano à Coreia do Sul, em novembro de 2017 Jonathan Ernst - Reuters

O Presidente sul-coreano Moon Jae-in considerou esta quarta-feira que o homólogo norte-americano teve um papel decisivo na aproximação histórica entre as duas Coreias e agradeceu pessoalmente a intervenção de Donald Trump. Em Washington, a Administração norte-americana prepara-se para flexibilizar as restrições no uso de armas nucleares.

Na visão do Presidente sul-coreano, Donald Trump deixou “um grande contributo para dar início as conversações entre as Coreias”. Moon Jae-in expressou mesmo “gratidão” para com o Presidente norte-americano. 

Em Seul, Moon Jae-in salientou ainda que a cooperação entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul é “muito próxima” e que “não há diferença de opiniões com os Estados Unidos” quanto ao caráter positivo das conversações iniciadas esta terça-feira.  

Moon Jae-in referiu ainda que está disposto a encontrar-se pessoalmente com Kim Jong-un, o líder supremo da Coreia do Norte, lembrando que o objetivo primordial é a desnuclearização.

“Não podemos ter uma nova guerra na península coreana outra vez. O meu objetivo principal é resolver o problema nuclear norte-coreano e fortalecer a paz durante o meu mandato”, considerou o Presidente.
Moon Jae-in reiterou ainda que a desnuclearização é “o caminho em direção à paz e é o nosso objetivo”.

Na terça-feira, após 12 horas de negociações na zona desmilitarizada entre os dois países, Pyongyang e Seul chegaram a um acordo formal para o envio de uma delegação norte-coreana aos Jogos Olímpicos de Inverno, que se realizam em fevereiro na cidade sul-coreana de PyeongChang. A comitiva contará não só com atletas, mas também com representantes políticos do regime. 

Foi o primeiro encontro entre responsáveis norte-coreanos e sul-coreanos desde dezembro de 2015, depois de um ano intenso em ameaças e de vários lançamentos de mísseis pelo regime norte-coreano.
  
Moon não deixou no entanto de avisar a comunidade internacional – Estados Unidos incluídos - que a pressão excessiva sobre a Coreia do Norte pode “aumentar a tensão e provocar confrontos involuntários”. 

“Por isso, temos de ter em consideração a melhor forma de gerir de forma adequada essas tensões, evitar confrontos não intencionais e estabelecer o diálogo com a Coreia do Norte”, reiterou o Presidente sul-coreano.  
Seul não vai levantar sanções
Esta quarta-feira a agência estatal norte-coreana KCNA fez a primeira menção direta às conversações que decorreram em Panmunjom, aldeia fronteiriça onde foi assinado o armistício após a Guerra da Coreia (1950-1953). 

A agência reconhece que as conversações decorrem “com grandes expetativas e com grande interesse para todos os compatriotas e a nível externo”.  

Apesar da aproximação diplomática, Moon Jae-in assegurou que a Coreia do Sul continua empenhada nas sanções internacionais à Coreia do Norte.  

“A Coreia do Sul vai continuar a manter a pressão e as sanções aplicadas pela comunidade internacional. Não temos nenhum plano para aliviar as nossas sanções unilaterais contra a Coreia do Norte”, esclareceu.

No dia anterior, vários responsáveis diplomáticos sul-coreanos tinham admitido um levantamento temporário de sanções a determinados responsáveis norte-coreanos, permitindo que visitem a Coreia do Sul durante os Jogos Olímpicos de Inverno, que se disputam entre 9 e 25 de fevereiro na cidade de PyeongChang, a cerca de 80 quilómetros da fronteira com a Coreia do Sul.   

Dois atletas norte-coreanos conseguiram a qualificação para a competição na modalidade de patinagem artística. Os dois patinadores, Ryom Tae-ok e Rim Ju-ik, estavam afastados da competição depois de a Coreia do Norte ter falhado, em outubro de 2017, o prazo estabelecido para a inscrição de atletas. No entanto, a situação poderá ser contornada caso sejam convidados pelo Comité Olímpico Internacional (COI),  

Em reação ao início das conversações, o Departamento de Estado saudou o início das conversações, mas garante que vai ficar atento à inviolabilidade das sanções impostas pelas Nações Unidas, lembrando o derradeiro objetivo de desnuclearização.  

“Claramente, este é um desenvolvimento positivo. (…) Mas queremos que haja conversações sobre o nuclear. Queremos a desnuclearização da Península Coreana”, referiu Steve Goldstein, subsecretário do Departamento de Estado, citado pelo Financial Times
Novo ímpeto nuclear nos Estados Unidos
Ainda antes do início das conversações, o Presidente norte-americano já reclamava os louros pela reabertura do canal de comunicação entre os dois países, anunciada por Pyongyang logo no início do ano.  

“Alguém acredita realmente que as conversações e o diálogo entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul poderiam estar neste momento em curso se eu não tivesse sido firme, forte e disposto a comprometer o nosso poder total contra o norte?”, num tweet publicado ainda na semana passada. No dia anterior, Donald Trump garantia no Twitter que o botão nuclear norte-americano é “maior e mais poderoso” que o de Kim Jong-un.

Agora, o grande botão nuclear deverá ficar ainda mais acessível e prático, uma vez que a Administração Trump deverá rever e facilitar a utilização de armamento nuclear. Segundo o jornal The Guardian, os Estados Unidos vão flexibilizar os limites impostos à utilização de armas nucleares.  

De acordo com um antigo responsável pelo armamento norte-americano, que consultou o documento, a administração norte-americana pretende desenvolver uma nova ogiva nuclear de baixo rendimento, que possa ser transportada e lançada a partir de um submarino. 

Na prática, o documento da nova Revisão da Postura Nuclear (NPR) dos Estados Unidos que deverá ser apresentado no final deste mês – o primeiro a ser apresentado em oito anos – prevê um uso mais permissivo de armas nucleares na resposta a ataques não nucleares.
 
A nova estratégia conta também com a criação de uma versão modificada dos mísseis Tridente D5, com projéteis balísticos intercontinentais de utilização mais simples com apenas uma parte da ogiva, com o objetivo declarado de dissuadir a Rússia de usar armamento nuclear na Europa de Leste num eventual conflito.

Jon Wolfsthal, antigo assessor de Barack Obama para o armamento que revelou ao Guardian os pormenores do documento, considera que os primeiros rascunhos do documento eram bastante mais radicais que a versão final do Pentágono. 

“Na minha leitura este é um recuo em relação a uma versão mais extrema no início. Já não tem coisas tão terríveis como tinha originalmente. Mas continua a ser mau”, considerou Wolfsthal. 

O ex-responsável refere ainda que os responsáveis pelo documento pretendem “enviar uma mensagem clara de dissuasão aos russos, norte-coreanos e chineses” e elogia “a linguagem bastante boa, moderada e forte que deixa claro que qualquer tentativa russa ou norte-coreana em usar armas nucleares teria enormes consequências”. 

“Onde eles vão longe demais é quando consideram que, para tornar essa ameaça credível, precisam de desenvolver novos tipos de armas nucleares”, considera.
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