Coreia do Sul acusada de ter violado os direitos humanos em processos de adoção
Uma investigação ao controverso programa de envio de crianças para o estrangeiro para adoção, no período após a guerra da Coreia, concluiu que o Governo de Seul cometeu inúmeras violações dos Direitos Humanos durante décadas. A investigação, divulgada esta quarta-feira, encontrou exemplos de fraude, registos falsificados e coerção cometidos pelas agências de adoção.
Estima-se que mais de 200 mil crianças sul-coreanas tenham sido enviadas para o estrangeiro para serem adotadas desde a década de 1950, quando a Coreia do Sul procurava reerguer-se após a devastação da Segunda Guerra Mundial e da guerra da Coreia.
Nessa altura, a Coreia do Sul era um dos países mais pobres do mundo e poucas famílias estavam interessadas em adotar crianças. Dessa forma, o Governo de Seul iniciou então um programa de adoção transnacional administrado por agências privadas que enviava crianças para o estrangeiro para adoção, maioritariamente para os Estados Unidos, França, Dinamarca e Suécia.
O relatório acusa o Governo de ter falhado na responsabilidade de supervisão, permitindo a "exportação em massa de crianças" por agências privadas motivadas pelo lucro, e encontrou exemplos de fraude, registos falsificados e coerção.
Segundo a comissão, as agências de adoção não receberam o consentimento adequado para a adoção, falsificaram documentos para apresentar bebés como órfãos quando estes, na verdade, tinham pais e quando alguns bebés morreram antes de serem enviados para o estrangeiro, com outros bebés a serem enviados na sua vez.
O relatório observou ainda que as agências estrangeiras exigiam um número definido de crianças por mês e as agências coreanas cumpriam, "facilitando adoções internacionais em larga escala com supervisão processual mínima".
Sem regulamentação governamental sobre taxas, as agências coreanas cobravam grandes quantias e exigiam "doações", o que transformou as adoções numa "indústria voltada para o lucro", de acordo com o relatório.
"Durante quase 50 anos após a Guerra da Coreia, o governo deu prioridade à adoção internacional como uma alternativa económica ao reforço das políticas nacionais de bem-estar infantil", afirmou a comissão.
"Esta é uma parte vergonhosa da nossa história"
A Comissão Independente da Verdade foi criada em 2020 e a investigação em causa foi iniciada em 2022. Desde então, 367 adotados enviados para o estrangeiro entre 1964 e 1999 apresentaram petições alegando práticas fraudulentas no seu processo de adoção. Destes, a instituição disse ter encontrado violações dos direitos humanos nos casos de pelo menos 56 pessoas adotadas.
Até agora, a comissão analisou 100 petições, estimando que o inquérito esteja terminado em maio.
"Esta é uma parte vergonhosa da nossa história", disse Park Sun-young, presidente da comissão, em conferência de imprensa esta quarta-feira.
"Embora muitos adotados tenham tido a sorte de crescer em famílias afetuosas, outros sofreram grandes dificuldades e traumas devido a falhas nos processos de adoção. Mesmo hoje, muitos continuam a enfrentar desafios”, acrescentou.
Para além de recomendar um pedido oficial de desculpas, a comissão solicitou também um inquérito abrangente sobre o estatuto de cidadania das pessoas que foram adotadas e quaisquer medidas políticas correspondentes, recursos para as vítimas cujas identidades foram falsificadas, uma rápida ratificação da Convenção de Adoção de Haia e a garantia de um compromisso das agências de adoção para restaurar os direitos dos adotados.
Nos últimos anos, a Coreia do Sul apertou a supervisão aos processos de adoção. Em 2023, foi aprovada uma lei que visa garantir que todas as adoções no estrangeiro sejam tratadas por um ministério do governo em vez de agências privadas.