Corão Queimado. ONU renuncia à proliferação de discursos de ódio religioso

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Apoiantes do líder xiita iraquiano, Moqtada Sadr, protestam contra queima do Corão no exterior de uma mesquita na capital sueca Estocolmo, na cidade de Sadr em Bagdade, Iraque, 12 de julho de 2023. Ahmed Saad - Reuters

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas adotou na quarta-feira, em Genebra, uma resolução que condena ações de incitamento ao ódio como a recente queima de páginas de um exemplar do Corão, a 28 de junho, diante de uma mesquita em Estocolmo, apesar do voto contra de alguns países europeus e dos Estados Unidos.

A resolução foi votada após um debate de urgência realizado na véspera no seguimento de um pedido apresentado pelo Paquistão, em representação da Organização para a Cooperação Islâmica.

Com 28 votos a favor, 12 votos contra e sete abstenções, foi aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos, atualmente composto por 47 membros rotativos, entre os quais Alemanha, França e Bélgica. Entre os opositores ao texto adotado estavam Estados Unidos, Reino Unido e os oito países da União Europeia (UE).

"A oposição de alguns membros resultou na recusa em condenar a profanação pública do Corão ou de qualquer outro livro religioso, faltando-lhes assim a coragem política, jurídica e moral para condenar este ato, que era o mínimo que o Conselho podia esperar deles", criticou o embaixador do Paquistão junto da ONU, Khalil ur Rahman Hashmi.

Os Estados-membros da UE, Washington e Londres consideraram que o texto aprovado era desequilibrado e contradizia a defesa da liberdade de expressão. “É com grande pesar”, segundo a representante dos EUA, que o Conselho de Direitos Humanos não conseguiu pronunciar-se “unanimemente para condenar o que todos concordam serem atos deploráveis de ódio anti-muçulmano”.

Embora a diplomacia sueca tenha condenado a queima do Corão, o Governo de Estocolmo esclareceu que o protesto onde foram queimadas páginas do livro sagrado muçulmano, por um cidadão iraquiano, foi autorizado em cumprimento do direito à liberdade de expressão, posição criticada por vários países árabes, como a Arábia Saudita, Marrocos, Jordânia e Emirados Árabes Unidos.

A 28 de junho, o iraquiano Salwan Momika queimou algumas páginas do Corão em frente à Grande Mesquita de Estocolmo, na Suécia. O ato sucedeu durante uma iniciativa autorizada pelas autoridades suecas em que estiveram presentes cerca de 200 pessoas e coincidiu com o início da celebração muçulmana do Eid al-Ahda, a Festa do Sacríficio, em referência a um grande ato de fé realizado pelo Profeta Abraão.

Têm vindo a aumentar os atos premeditados e públicos que incitam à discriminação, hostilidade ou violência. Na sequência do recente acontecimento, na Suécia, apoiantes do líder xiita iraquiano Moqtada Sadr, manifestaram-se nas ruas da capital iraquiana, queimando bandeiras com o símbolo da comunidade LGBTQI e exigindo ao Governo iraquiano o corte de relações diplomáticas com a Suécia.
Liberdade de expressão, um direito fundamental

No debate de urgência, realizado na véspera, o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, manifestou preocupação com o aumento da violência e recordou que os “Estados devem, sem exceção, proibir qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua um incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência”, como estabelece o artigo 20.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.


"O abuso ou a destruição das manifestações das nossas crenças mais íntimas pode polarizar as sociedades e agravar as tensões.", afirmou durante a sua intervenção . 
Defendendo que a “limitação de qualquer tipo de discurso ou expressão deve continuar, como princípio fundamental, a ser uma exceção, sobretudo porque as leis que limitam o discurso são frequentemente utilizadas de forma abusiva pelos detentores do poder, nomeadamente para abafar o debate sobre questões críticas”.

O responsável da ONU para os Direitos Humanos explicou que, apesar de não se tratar de uma incitação à violência, a utilização de “linguagem pejorativa ou intolerante em relação a uma pessoa ou grupo” com base em fatores inerentes “à sua pessoa ou identidade, procurando diminuir a sua dignidade e rebaixar o seu valor aos olhos dos outros”, como o seu sexo, crença, raça, estatuto de migrante ou orientação sexual, podem constituir discurso de ódio. Durante a sua intervenção Turk mencionou vários exemplos de abusos.

“Gostaria de elaborar: desumanizar as mulheres e negar a sua igualdade com os homens, abusar verbalmente de mulheres e raparigas muçulmanas que cobrem a cabeça com um véu, escarnecer de pessoas com deficiência, fazer falsas alegações de que os migrantes ou pessoas de etnias específicas são mais suscetíveis de se envolverem em crimes, ou difamar as pessoas LGBTIQ+, todos estes discursos de ódio são semelhantes, na medida em que derivam da noção básica de que algumas pessoas são menos merecedoras de respeito como seres humanos”, afirmou.

c/ agências
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