Foi revelado esta sexta-feira o segundo rascunho da declaração final de Glasgow, naquele que deveria ser o último dia desta cimeira do clima no Reino Unido, mas espera-se que a conferência se prolongue durante o fim de semana. O novo esboço pede aos países que acelerem a "eliminação progressiva" do carvão e dos subsídios para combustíveis fósseis, uma formulação bastante menos incisiva do que a que constava na versão anterior do documento, divulgada na quarta-feira.
Em várias alíneas do novo draft, a referência aos combustíveis fósseis é agora mais ligeira ou surge completamente retirada, adiantam a agência Associated Press e o jornal britânico The Guardian. O ponto de comparação é a primeira versão do documento, conhecida na quarta-feira.
Este último rascunho pede aos países que acelerem “a eliminação progressiva da energia do imperturbável carvão e dos ineficazes subsídios para os combustíveis fósseis”.
Na quarta-feira, a versão anterior pedia aos países a “aceleração da eliminação do carvão e dos subsídios para combustíveis fósseis”.
A mudança no texto sugere uma mudança nas exigências incondicionais às quais alguns países exportadores de combustíveis fósseis se opuseram, adianta a Associated Press. Ou seja, a ideia do fim do uso de carvão e combustíveis fósseis a prazo foi substituída por um objetivo de transição tecnológica que permita utilizar as referidas fontes de energia de forma menos poluentes.
Há vários parágrafos que ficam mais reduzidos ou são mesmo expurgados de um caráter de maior urgência. Logo no terceiro parágrafo do texto, foi retirada uma referência à "verba para o carbono, consistente com o cumprimento do objetivo de temperatura do Acordo de Paris, que se está a esgotar rapidamente".
Na primeira reação ao documento, a diretora executiva da Greenpeace, Jennifer Morgan, considera que o rascunho "pode ser melhor, tem de ser melhor e temos um dia para torná-lo em algo muito, muito melhor".
"Neste momento, as impressões digitais dos interesses dos combustíveis fósseis ainda estão neste texto e este não é o acordo inovador que se esperava em Glasgow. A linha fundamental para a eliminação gradual dos subsídios ao carvão e combustíveis fósseis foi enfraquecida de forma crítica, mas ainda lá está e deve ser novamente fortalecida antes do fim desta cimeira", acrescenta a responsável em comunicado.
A responsável critica também a mudança no texto, que passa a "solicitar", em vez de "exortar" os países a robustecerem as medidas para um aquecimento global até 1,5 graus Celsius até final de 2022.
Jean Su, responsável da Center for Biological Diversity, faz uma análise na mesma linha, destacando que este é um esboço "com as marcas oleosas da influência dos combustíveis fósseis", considerando que este é "um grande golpe para a credibilidade da cimeira".
"Ligada à máquina"
Na quinta-feira, em entrevista à Associated Press, o secretário-geral das Nações Unidas tinha alertado que uma das principais metas nas negociações climáticas estava "ligada à máquina".
António Guterres adiantava que as negociações em Glasgow "muito provavelmente" não terão em conta as promessas de redução de carbono necessárias para que o planeta não aqueça para além dos 1,5 graus Celsius. Um dos objetivos definidos pelas Nações Unidas para esta cimeira era precisamente definir como cortar para metade as emissões de carbono até 2030.
"Quando se está à beira do abismo" não é muito relevante pensar no futuro, afirmou o chefe da ONU. "Importa discutir qual vai ser o primeiro passo, porque se o primeiro passo for o errado, não haverá oportunidade de dar um segundo ou um terceiro passo", acrescentou ainda.
De acordo com os peritos, a manutenção até 2030 dos atuais compromissos por parte dos países representados em Glasgow levará a um aquecimento global de 2,4 e não de 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.
O tom de pessimismo é bem patente nas palavras de Guterres, ainda antes de se conhecer este segundo esboço: "As promessas são ocas quando a indústria dos combustíveis fósseis continua a receber biliões em subsídios e quando os países continuam a construir centrais de carvão", acusou.
Atualizações anuais?
O novo timing para a limitação das emissões de gases poluentes para cada país está a provocar um impasse na cimeira que poderá arrastar as negociações para lá desta sexta-feira, que se previa ser o último dia deste encontro. Se a atualização era feita de cinco em cinco anos, tal como previsto pelo Acordo de Paris, há agora países, diplomatas e especialistas a pedirem novas metas definidas a cada ano.
Na quinta-feira, três negociadores principais do Acordo de Paris, assinado em 2015, defenderam que os países devem voltar a definir novos objetivos no próximo ano de forma a evitarem um aquecimento global a níveis catastróficos.
"Precisamos de agir com maior urgência, esta é uma década crítica. Temos de voltar a negociar no próximo ano, não podemos esperar mais cinco anos para definir novas contribuições nacionais", afirmou Christiana Figueres ao jornal The Guardian.
A nova versão prevê que a revisão das metas deve ser feita "tendo em conta as circunstâncias nacionais particulares", pelo que abre a porta a ajustes anuais para algumas nações.
Apesar da perspetiva maioritariamente negativa sobre este novo rascunho da declaração final, há sinais positivos de destaque. Por exemplo, sai reforçada a ideia de que é urgente fortalecer o apoio financeiro aos países mais pobres nesta transição climática. Na nova versão, no parágrafo 44 sobre este tema, reconhece-se que os objetivos falharam em anos recentes.
"Nota-se com profundo pesar que a meta para mobilizar de forma conjunta 100 mil milhões de dólares por ano até 2020, no contexto de ações de mitigação significativas, (...) ainda não foi cumprida", lê-se no documento.
A interpretação da agência France Presse esta manhã também é
otimista. Apesar da versão mais "suavizada", a agência destaca que se
preserva "uma referência inédita aos combustíveis fósseis, principais
fontes de aquecimento global" que não eram sequer mencionados no texto do acordo de Paris.
Referência ainda a um novo parágrafo que não constava no esboço anterior, em que se reconhece o papel de vários atores a nível local, nacional e regional "incluindo os povos indígenas e comunidades locais na prevenção, minimização e na abordagem das perdas e danos associados aos efeitos adversos das alterações climáticas". É a primeira vez que o reconhecimento do papel de povos indígenas surge de forma tão explícita neste tipo de documentos.