Muitos representantes da indústria agropecuária e ativistas lamentam que não esteja a ser dada a devida atenção a este tema na COP26. Prestes a chegar ao fim, a Cimeira do Clima deste ano trouxe importantes novidades - entre as quais um compromisso internacional para a redução das emissões de metano e um plano para acabar com a desflorestação -, mas ficou praticamente fora do debate o excesso de consumo de carne, algo que deve ser limitado se quisermos atingir as metas climáticas.
No entanto, até ao momento pouco foi dito sobre este tema na COP26. E, para maior revolta dos ativistas, 60 por cento da comida servida na cantina da cimeira contém carne ou lacticínios, o que o grupo considera o equivalente a “oferecer cigarros numa conferência sobre o cancro do pulmão”.
“A ‘vaca na sala’ está a ser ignorada nesta Cimeira do Clima. A produção animal foi retirada da agenda e colocada no menu”, criticou em declarações ao Guardian Carl Le Blanc, da organização sem fins lucrativos Climate Healers, que procura promover a alimentação vegan da população para combater as alterações climáticas.
Ao longo das duas semanas de Cimeira do Clima, cada dia foi destinado a variados tópicos, entre os quais a economia, energia ou transportes. No dia dedicado à natureza, a agricultura foi levemente debatida, mas o foco incidiu essencialmente sobre a conservação das florestas e não tanto sobre a redução do consumo de carne ou o desperdício alimentar.
Vários estudos comprovam que as enormes quantidades de metano e amoníaco emitidas pelo setor da agropecuária podem ser reduzidas se as práticas agrícolas forem alteradas, nomeadamente ao criar mais florestas e melhorar os sistemas de compostagem.
Outra medida fundamental é a redução da criação e consumo de carne, especialmente de vaca, por ser esse o animal que mais contribui para as emissões de gases poluentes. Apesar de inquestionável, esta realidade parece continuar a ser rejeitada pelos líderes mundiais: no Reino Unido, por exemplo, os líderes defendem que as emissões de metano devem ser combatidas com novas tecnologias e não com a diminuição do número de vacas nas quintas.
Nos Estados Unidos, o secretário para a Agricultura, Thomas Vilsack, disse recentemente acreditar que os americanos podem continuar a consumir a mesma quantidade de carne e manter, simultaneamente, o mundo dentro dos limites estabelecidos para o aquecimento global.
Consumo de carne tem de diminuir, mas milhões de pessoas dependem da criação de gado
Durante a COP26, Estados Unidos e União Europeia uniram-se num compromisso para reduzir as emissões de metano em cerca de um terço até ao final desta década. No entanto, nenhuma das medidas anunciadas passa pelo corte do financiamento ao setor da agropecuária intensiva ou pela redução da produção e consumo de gado bovino.
“A carne de animal é obsoleta, já não faz sentido. É do século passado”, considerou ao Guardian Bernat Añaños, cofundador da empresa de refeições à base de vegetais Heura Foods.
Outros, porém, defendem que não podem impor-se as visões de uns à vontade de outros, até porque as pequenas quintas de negócios familiares produzem um terço de toda a comida do mundo, segundo a Organização para a Comida e Agricultura da ONU. Isto significa que milhares de milhões de pessoas dependem da criação de gado para a sua própria sobrevivência.
“A transição [da carne para os vegetais] tem de ser justa”, defendeu Ishmael Sunga, diretor da Confederação de Sindicatos Agrícolas da África Austral (SACAU). “Sabemos que a maioria dos agricultores em países em desenvolvimento está quase na miséria. É irónico que a indústria alimentar seja uma das maiores do mundo e, no entanto, traga resultados tão fracos aos agricultores, que passam fome”, alertou.
Iniciativas com pouca força
Uma das poucas medidas tomadas até agora na COP26 para a área da agricultura partiu do presidente norte-americano, Joe Biden, que anunciou uma parceria com os Emirados Árabes Unidos para a atribuição de quatro mil milhões de dólares à área da inovação na agricultura, de modo a tentar reduzir as emissões de gases poluentes.
Também da Cimeira do Clima deste ano resultou um pacto para redirecionar os subsídios da agricultura para iniciativas que se foquem mais no clima e na agricultura amiga do ambiente. Apesar de apenas 16 países terem assinado o acordo, no grupo estão incluídos alguns dos maiores poluidores, como a Suíça, Espanha, Nigéria ou Emirados Árabes Unidos. No total, essas nações representam dez por cento das emissões de gases de efeito de estufa vindos da agricultura.
A COP26 teve início no domingo em Glasgow, na Escócia, e os trabalhos terminam a 12 de novembro. Participam nesta cimeira mais de 120 líderes políticos e milhares de representantes, especialistas e ativistas de todo o mundo.
Esta Cimeira do Clima acontece seis anos após o Acordo de Paris, que estabeleceu a meta de limitar o aumento da temperatura média global a entre 1,5 e 2 graus Celsius acima dos valores da época pré-industrial.
Tópicos
Agropecuária
,
Agricultura
,
Ativistas
,
COP26
,
Cimeira do Clima
,
Emissões
,
Poluentes
,
Metano
,
Carne
,
Gado