Para dar uma ideia da importância que os grandes exploradores dos combustíveis atribuem ao encontro do COP26, atentemos neste dado: o lobby da energia fóssil fez rumar à Escócia um grupo que supera em número os elementos das representações dos oito países mais afectados pelas alterações climáticas nas duas últimas décadas (Porto Rico, Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Pakistão).
São no total mais de 500 lobbistas que procuram por todos os meios – e que estarão a consegui-lo – suavizar as resoluções dos negociadores, de acordo com o grupo de defesa dos Direitos Humanos Global Witness, dados também confirmados pelas organizações Corporate Accountability, Corporate Europe Observatory e Glasgow Calls Out Polluters.
O
primeiro esboço da declaração de Glasgow, revelado a meio da semana, lavrava o apelo para que os países “revisitem e fortaleçam as metas de 2030 (…) o que é necessário para se alinharem com o objetivo da temperatura até ao fim de 2022 do Acordo de Paris”. Pedia-se pela primeira vez que fosse abandonado de forma progressiva o financiamento da exploração de carvão e combustíveis fósseis, fórmula que ajudaria a visar um aquecimento global de 1,5 graus Celsius.
Esta ideia surge no entanto esbatida no
segundo draft da cimeira, num sinal de que o documento terá já a mão dos lobbistas do petróleo: pontifica agora a ideia de que o fim do uso de carvão e combustíveis fósseis a prazo seja substituído por um objetivo de transição tecnológica que permita continuar a utilizar estas fontes de energia, mas de forma menos poluente.
A ideia do fim do uso de carvão e combustíveis fósseis a prazo foi substituída por um objetivo de transição tecnológica que permita utilizar as referidas fontes de energia de forma menos poluente.
“Neste momento, as impressões digitais dos interesses dos combustíveis fósseis ainda estão neste texto e este não é o acordo inovador que se esperava em Glasgow. A linha fundamental para a eliminação gradual dos subsídios ao carvão e combustíveis fósseis foi seriamente enfraquecida, mas ainda lá está e essa ideia deve ser robustecida antes do final da cimeira”, lamentou Jennifer Morgan, directora executiva da Greenpeace.
As forças de bloqueio aos objectivos dos ambientalistas fizeram-se ouvir ainda esta tarde, quando o negociador chinês, a coberto da ideia de reforçar o financiamento dos países em desenvolvimento para os ajudar a adaptarem-se ao aquecimento global, dizia que esses países deviam poder decidir por si próprios um calendário para a implementação dos seus compromissos climáticos.
Os lobbistas estão ligados directa ou indirectamente a mais de uma centena de companhias que exploram energia fóssil, como a Royal Dutch Shell, a Gazprom ou a BP. Mas a perturbação das negociações torna-se mais evidente quando é conhecido que muitos destes lobbistas dos combustíveis fósseis viajaram para Glasgow como elementos das comitivas oficiais de 27 países, entre os quais Canadá, Rússia e Brasil.
Um exemplo concreto aponta também à Austrália, fortemente criticada no arranque da COP26 por ter patrocinado uma intervenção frente ao seu pavilhão do gigante do petróleo e do gás Santos. Uma acção que teve lugar pouco depois de o primeiro-ministro Scott Morrison recusar juntar-se a outros 90 países para apoiar o lançamento oficial de uma promessa global de redução de 30 por cento das emissões de metano até 2030.
“Veja-se o espaço australiano. Tem uma empresa de gás em destaque, aparentemente com as graças do ministro da Energia, que acha que a nossa política energética deve assentar no gás”, verberou o antigo primeiro-ministro australiano Malcolm Turnbull em declarações a The Guardian.
O tabuleiro deste jogo estava já inclinado para as grandes produtoras fósseis desde o início, de acordo com críticas que se fizeram desde logo ouvir do outro lado ao saber-se que centenas de lobbistas estavam a apresentar-se nos bastidores da COP26 quando muitos grupos dos países mais pobres – e que mais sentem os efeitos severos das alterações climáticas – foram impedidos de participar na cimeira devido a restrições de viagem e falta de acesso a vacinas.
A deputada britânica Nadia Whittome foi particularmente dura nas críticas aos organizadores, lançando uma pergunta incómoda nas redes sociais: “Deixariam os traficantes de armas fazer conversações de paz?”.
“Quanto a ti não sei, mas eu não me sinto confortável em ter alguns dos maiores vilões do mundo a influenciar e a ditar o destino do planeta”, escreveu a activista sueca Greta Thunberg também nas redes sociais.