Conversa no X entre Musk e líder da extrema-direita alemã foi de Hitler a Marte
O multimilionário norte-americano Elon Musk manteve na quinta-feira uma conversa na sua rede social X com a líder do partido alemão AfD, abordando Angela Merkel, Adolf Hitler e Marte, além de apelos ao voto urgente na extrema-direita nas próximas eleições.
A Alemanha tem eleições antecipadas a 23 de fevereiro e, para Elon Musk, é necessário explicar ao mundo o que é a Alternativa para a Alemanha (AfD). A conversa começou precisamente com o pedido do dono da rede social X à candidata a chanceler Alice Weidel para que explicasse “que partido é este, para quem não o conhece”.
O debate foi bastante antecipado, uma vez que Elon Musk foi acusado de se ter intrometido nas eleições antecipadas na Alemanha. Mas a entrevista, conduzida em inglês, foi também uma oportunidade para o AfD chegar a audiências internacionais através da plataforma X de Musk.
Discussion with @Alice_Weidel https://t.co/j6oWRjv4A7
— Elon Musk (@elonmusk) January 10, 2025
“Se não estão contentes com a situação atual, mudem. Por isso recomendo que votem AfD”, sublinhou Musk. “A Alice Weidel é uma pessoa razoável, nada escandaloso está a ser proposto por ela, há apenas bom senso”.“Só a AfD consegue salvar a Alemanha, fim da história. Se isso não acontecer, as coisas vão piorar muito na Alemanha”, destacou o milionário.
Alice Weidel respondeu “sim”, realçando, que “de um lado temos a AfD, do outro um partido único” incapaz de “implementar as promessas feitas”, apontando o dedo principalmente ao “partido de Angela Merkel”, a União Democrata-cristã (CDU).
A vice-presidente do partido formado em 2013 aproveitou para sublinhar que a antiga chanceler, Angela Merkel, “arruinou completamente o país”, sendo a “primeira chefe do governo Verde”, e não conservadora de direita, como se fez passar.
Conhecendo a sua relação próxima com Donald Trump, Alice Weidel fez questão de expressar o seu apoio ao presidente eleito dos EUA e à sua equipa.
Insistiu que o seu partido era “conservador” e “libertário”, mas que tinha sido “negativamente enquadrado” pelos principais meios de comunicação social como extremista. Secções do AfD foram oficialmente classificadas como extremistas de direita pelas autoridades alemãs. Segundo as últimas sondagens, a AfD deverá conseguir entre 19 a 21,5% dos votos nas eleições antecipadas de 23 de fevereiro, ficando em segundo lugar. À frente na corrida está a união dos conservadores da União Democrata-Cristão (CDU) com o partido irmão da Baviera, a CSU, com 29 a 33%. O partido do atual chanceler, Olaf Scholz, o Partido Social Democrata (SPD) segue em terceiro lugar com uma variação entre 15,5 e 17%.
Na entrevista, Alice Weidel acusou os meios de comunicação alemães de boicotarem o seu partido desde a sua criação.
“Sabes o que Adolf Hitler fez”, questionou a política alemã, “restringiu imediatamente a liberdade de expressão depois de chegar ao poder”, acrescentou. Sem esta medida, concluiu, o ditador nazi não teria sido capaz de implementar muitas coisas.
Weidel argumentou ainda que Hitler foi, na verdade, um comunista - impôs censura e aumentou impostos - e não um conservador.
A candidata a chanceler pela AfD realçou que não quer estar rodeada de “yes-men”, com Musk a responder-lhe “sim” e a sucederem-se várias gargalhadas.
Antes das perguntas de Weidel a Musk sobre uma potencial ida a Marte ou a crença em Deus ou num ser superior, o dono da Tesla ainda abordou as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, dizendo acreditar numa solução pacífica para ambas com a intervenção forte do presidente norte-americano.
“Quanto mais leio sobre Israel, mais complicado me parece. Na minha modesta opinião, não vejo uma solução. Talvez Israel precise de procurar alianças (…) digo aquilo que penso, e, honestamente, não sei como resolver o conflito neste momento. Tu talvez tenhas a resposta para isso”, apontou Alice Weidel.
Depois dos comentários de Musk sobre uma potencial chegada a Marte, e de mais de 15 minutos longe da Alemanha e da própria AfD, Weidel terminou com um “foi maravilhoso falar contigo e ouvir as tuas perspetivas”.Em 2024, uma investigação da BBC News descobriu ligações entre algumas figuras do partido e redes de extrema-direita, enquanto uma das principais figuras da extrema-direita do partido, Björn Höcke, foi multado por utilizar uma frase nazi proibida - embora tenha negado tê-lo feito com conhecimento de causa.
Noutros assuntos, Alice Weidel e Musk falaram - e por vezes riram-se - sobre a infame burocracia alemã, o abandono “louco” da energia nuclear, a necessidade de reduzir os impostos.
O AfD, que também se opõe à ajuda armamentista de Berlim à Ucrânia, está em segundo lugar nas sondagens na Alemanha, com eleições federais antecipadas marcadas para 23 de fevereiro.
No entanto, não conseguirá chegar ao poder, uma vez que os outros partidos não querem colaborar com ele.
Isso não impediu Elon Musk de saudar Weidel como o “principal candidata a governar a Alemanha”.
Justificou a sua intervenção citando os seus investimentos significativos no país - nomeadamente uma enorme fábrica da Tesla nos arredores de Berlim. E rejeitou a caraterização da AfD como sendo de extrema-direita, ao mesmo tempo que rotulou o chanceler social-democrata, Olaf Scholz, de “parvo”.
Scholz, cujas hipóteses de manter a chancelaria parecem remotas, insistiu mais tarde que estava a “manter a calma” em relação aos ataques de Elon Musk.
Mas as intervenções do bilionário alarmaram alguns dirigentes, que alertaram contra a desinformação e a influência indevidaConversa monitorizada pela Comissão Europeia
O esperado acolhimento de Elon Musk de Alice Weidel, líder do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), para uma discussão em sua plataforma X na quinta-feira foi monitorizada pela Comissão Europeia para verificar qualquer disseminação de desinformação antes das eleições alemãs do próximo mês.
A Reuters recorda que a Lei dos Serviços Digitais da União Europeia (DSA) destina-se a combater conteúdos ilegais como o discurso de ódio e a manipulação intencional para influenciar eleições.
A X está a ser investigada ao abrigo da DSA desde 2023 por suspeita de disseminação de conteúdos ilegais e pela eficácia das suas medidas de combate à manipulação de informação.
Como é que Musk está envolvido na política europeia?
Desde que anunciou publicamente o seu apoio a Donald Trump para se tornar presidente dos EUA no ano passado, Musk apadrinhou o partido britânico de direita Reforma, bem como o AfD no X.
“Os partidos políticos tradicionais na Alemanha falharam completamente com o povo. O AfD é a única esperança para a Alemanha”, publicou no X no mês passado.
O apoio de Musk ao AfD, um partido anti-imigração e anti-islâmico designado como extremista de direita pelos serviços de segurança alemães, causou consternação em Berlim, onde todos os outros partidos excluem a possibilidade de trabalhar com um partido que consideram perigoso e antidemocrático. Depois de um médico saudita ter matado cinco pessoas num mercado de Natal no mês passado na cidade alemã de Magdeburgo, Musk chamou ao chanceler alemão Olaf Scholz um “tolo incompetente” no X e instou-o a demitir-se.
O que é a lei europeia dos serviços digitais?
O DSA regula as grandes plataformas online, como a X e a Meta, com mais de 45 milhões de utilizadores por mês na União Europeia, bem como as lojas de aplicações de empresas como a Apple e a Alphabet.
O seu principal objetivo é evitar atividades ilegais e prejudiciais em linha e a propagação de desinformação. A X de Musk foi a primeira empresa a ser investigada ao abrigo da DSA por conteúdos ilegais, em dezembro de 2023.
Uma empresa pode ser multada em até seis por cento do seu volume de negócios anual global por violar o DSA e em até cinco por cento do volume de negócios diário mundial por cada dia de atraso no cumprimento das medidas corretivas.
Se a infração persistir e causar danos graves aos utilizadores, a Comissão pode solicitar a suspensão do serviço.
A Comissão deu igualmente início a processos contra a Meta e as empresas chinesas AliExpress, Temu e TikTok. Todos os processos, incluindo o contra a X, estão ainda em curso, com exceção de um contra o TikTok, encerrado depois de a plataforma de partilha de vídeos ter respondido às preocupações da União Europeia.
Cerca de 150 funcionários da União Europeia são responsáveis pela aplicação do DSA, tanto na DG CONNECT da Comissão, em Bruxelas, como no Centro Europeu para a Transparência dos Algoritmos, em Espanha.
Thierry Breton, antigo comissário europeu responsável pela indústria, recordou no X as regras do DSA destinadas a proteger a democracia em torno das eleições.
Os altos funcionários da União Europeia reconhecem o desafio apresentado por Musk, mas insistem que a DSA está à altura do desafio.
“O senhor Musk é livre de expressar as suas opiniões na UE, online e offline, dentro dos limites legais”, afirmou Michael McGrath, Comissário Europeu para a Democracia, a Justiça, o Estado de Direito e a Proteção dos Consumidores.
Antes de Musk entrevistar Trump em agosto passado, Breton instou-o a cumprir a legislação comunitária, uma vez que a transmissão em direto seria acessível na UE.
Na altura, a União Europeia acusou a rede social X de enganar os utilizadores com a marca de verificação azul, que anteriormente indicava que uma conta tinha sido verificada como pertencente a uma figura pública, mas que foi alterada para designar um subscritor pago.
Elon Musk ameaçou com um processo judicial e acusou a Comissão, sem apresentar provas, de oferecer à X um acordo secreto ilegal para censurar o discurso. A Comissão acusou igualmente a X de não fornecer um acesso fácil a informações pesquisáveis e fiáveis sobre os anúncios e de bloquear o acesso dos investigadores aos seus dados públicos.