A horas de abrir portas, o primeiro dia da Convenção do Partido Democrata, DNC, em Chicago, está já marcado por impressionantes medidas de segurança devido a uma série de protestos, com destaque para uma enorme manifestação pró-palestiniana.
A manifestação principal, que irá dar palco a oradores de grupos de ativistas por diversas causas, incluindo pró-aborto e por justiça racial, deverá ter lugar num parque, junto à arena onde decorrerá a DNC. Segunda-feira decorriam ainda negociações entre os organizadores da Marcha e as autoridades, quanto à expansão do percurso do protesto e outras questões logísticas.
Em toda a cidade, lojistas e empresas encerraram as portas e barricaram as montras, com receio de desacatos e da possibilidade de violência. A comparação com a convenção de 1968, onde a polícia e os manifestantes anti-guerra do Vietname entraram em confronto violento em direto na televisão, tem sido recorrente, com os tribunais distritais a prometer abrir mais espaços em caso de detenções em massa.
Foram erguidas várias barreiras em torno do local da convenção e encerradas à circulação há vários dias múltiplas avenidas e ruas em torno do United Center, onde vai decorrer a DNC, e do icónico centro de convenções, McCormick Place, assim como múltiplas áreas da baixa da cidade, que está praticamente deserta.
No sábado, as autoridades de Chicago anunciaram abruptamente o encerramento de outras ruas, em torno da Michigan Avenue, citando "atividade DNC". Alguns protestos decorreram já no domingo, tendo sido detidas duas pessoas.
Hatem Abudayyeh, o porta voz da Marcha, afirmou à agência Reuters que o grupo tem a sua própria segurança, a reforçar a forte presença da políca de Chicago e dos serviços secretos norte-americanos, frisando que não antecipa atos de violência.
A polícia deverá contudo deixar falar os intervenientes, alertou. "Essa é a sua única tarefa. Não precisamos que nos mantenham em segurança. Não precisamos deles para nos protegerem, apenas que não violem os nossos direitos", afirmou Abudayyeh, já esta segunda-feira.
"Não contem com o nosso voto"
Apesar da coligação Marcha sobre a DNC incluir diversos grupos com uma série de causas, o protesto mais significativo deverá ser o dos manifestantes pró-palestinanos, que denunciam a política da Administração Biden-Harris quanto à guerra de Gaza.
A área urbana de Chicago tem uma das maiores comunidades palestinianas do país, conhecida como Pequena Palestina. Autocarros têm também transportado ativistas de todo o país para a cidade. Na semana passada, os organizadores da Marcha referiam que muitos manifestantes viriam das comunidades árabes e palestinianas do Illinois e de Estados vizinhos.
São esperados ainda estudantes que durante meses lançaram o caos em vários campus universitários de todo o país em apoio à causa palestiniana.
Na Pequena Palestina, os habitantes garantem que Kamala Harris não terá o seu voto.
Bridgeview, a vinte quilómetros de Chicago, está abundantemente decorada com bandeiras palestinianas e cartazes, escritos nas línguas árabe e inglesa, contra a guerra em Gaza, que conta já 10 meses depois do ataque mortífero do Hamas a Israel a 7 de outubro de 2023.
Nestas ruas, o presidente e a vice-presidente e candidata democrata às próximas eleições de novembro, são personas non gratas pelo seu apoio, incluindo militar, a Israel.
"O que vos posso garantir é que as pessoas estão furiosas com o Joe Biden e a Kamala Harris. Eles não são bem-vindos aqui", afirma Ali Ibrahim, de cerca de 20 anos, ouvido pela France Press. "Este ano não contam com o nosso voto e não queremos que sejam eleitos, porque o que se passa está errado e nós não iremos tolerar isso", acrescenta.
Ibrahim acredita que os norte-americanos poderiam ter imposto um cessar-fogo em Gaza "há muito tempo".
Nestas casas quase todos os habitantes sentem de perto a tragédia que se desenrola no enclave administrado pelo grupo islamita palestiniano Hamas, considerado terrorista pelos Estados Unidos. Souzan Naser, professora e membro da associação pro-palestiniana USPCN, diz ter uma aluna que, só ela, perdeu 35 membros da família.
Sentem-se traídos pela atual Administração, que ajudaram a eleger há quatro anos. E a retirada de Biden da corrida presidencial e a sua substituição por Kamala Harris, que prometeu "não ficar em silêncio" perante o sofrimento palestiniano, não muda nada.
"Ela fez o suficiente? Não. Fa-lo-á? É o que esperamos", reage um proprietário de um restaurante palestiniano, exigindo ações mais do que promessas, incluindo um cessar-fogo permanente, o fim da ajuda norte-americana a Israel e um embargo de armas. Um cenário pouco provável.
O busílis da DNC
A resposta de Kamala Harris aos ativistas é alertar para os riscos da abstenção, que pode favorecer o seu rival republicano, Donald Trump.
Numa ação de campanha, incomodada por ativistas pro-palestinanos com gritos "não votaremos a favor do genocídio!", a vice-presidente foi seca. "Se querem que Donald Trump ganhe, continuem a dizer isso", respondeu. "Senão, sou eu que falo".
Mas os eleitores da Pequena Palestina já avisaram que, se o Partido Democrata não mudar radicalmente a sua política no Médio Oriente, em novembro não poderá contar com eles.
"Não podem esperar que votemos em vocês quando os vossos valores, as vossas políticas e os vossos princípios não correspondem aos nosso", assevera Naser.
Uma nova presidência Trump seria um "desastre", reconhece. "Mas recusamos assumir a responsabilidade", acrescenta, devolvendo-a aos democratas. "Demos-vos o tempo suficiente para alterar a estratégia e vocês continuam a insistir".
Domingo à noite, um grupo de cerca de mil pro-palestinianos marchou pelas ruas da baixa de Chicago, entoando "encerrem a DNC".
"Os democratas estão no poder", reagiu Abudayyeh. "É a guerra deles. São responsáveis por ela, são cúmplices e podem pará-la".