Controlo apertado de Pequim. Jornal pró-democracia de Hong Kong anuncia fecho

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jerome Favre - EPA

O "Apple Daily", o maior jornal pró-democracia de Hong Kong, anunciou esta quarta-feira que irá encerrar após a detenção de cinco responsáveis e o congelamento de bens no valor de 1,9 milhões de euros. Os escritórios do jornal foram alvo de uma operação policial na semana passada, após a publicação de artigos que, segundo as autoridades, “colocam em perigo a segurança nacional” chinesa.

Na sua página oficial, o jornal Apple Daily anuncia que “tendo em vista a segurança dos funcionários”, decidiu "interromper as operações imediatamente após a meia-noite" (17h00 em Lisboa), sendo que o último jornal físico será publicado a 24 de junho e o site do jornal "deixará de ser atualizado a partir da meia-noite".

A decisão do conselho de administração surge menos de uma semana depois de mais de 500 agentes policiais terem invadido os escritórios do jornal e detido o editor-chefe e quatro responsáveis, para além de terem congelado bens no valor de 1,9 milhões de euros.

A operação foi justificada com a publicação de artigos críticos da China que, segundo as autoridades, violam a controversa Lei da Segurança Nacional, imposta pela China na antiga colónia britânica em 2020. Em conferência de imprensa após a operação, a polícia acusou o jornal de publicar mais de 30 artigos onde apelavam à imposição de sanções a Hong Kong e à China.

O diretor do jornal, Ryan Law, e o diretor-geral, Cheung Kim-hung, foram acusados de "conluio com um país estrangeiro ou elementos externos para pôr em perigo a segurança nacional" chinesa. Um tribunal de Hong Kong negou, no sábado, fiança para os dois responsáveis. O caso está a ser visto como um golpe para a liberdade de imprensa. Esta é a primeira vez que opiniões políticas publicadas por um órgão de comunicação social de Hong Kong levam a um processo judicial ao abrigo Lei da Segurança Nacional.

Mark Simon, um conselheiro próximo de Jimmy Lai, fundador do jornal, disse à BBC que a polícia interrompeu uma reunião do conselho de admnistração que decorria esta quarta-feira e deteve mais um jornalista.

“Já estamos a fechar, mas eles ainda tinham que aparecer e fazer mais uma detenção”, disse Simon. "[A polícia queria] influenciar o desfecho da reunião do conselho. Eles queriam ter a certeza de que o [Apple Daily] fechava rapidamente", afirmou.

O fundador do jornal, Jimmy Lai, está atualmente detido, condenado a várias penas de prisão pelo envolvimento em protestos antigovernamentais em 2019. Foi também acusado, ao abrigo da Lei de Segurança Nacional, que prevê a pena de prisão perpétua para crimes de secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras.
Críticas a Hong Kong e à China
A operação policial contra o Apple Daily está a ser alvo de várias críticas por parte dos EUA, da União Europeia e da Grã-Bretanha, que acusam Hong Kong e as autoridades chinesas de estarem a visar as liberdades prometidas à região enquanto antiga colónia britânica que foi devolvida à China em 1997.

A UE, os Estados Unidos e a Organização das Nações Unidas (ONU) também foram vozes críticas à Lei da Segurança Nacional por considerarem que viola o princípio “Um país, dois sistemas”, acordado na transferência de Hong Kong, em 1997 e que garantia à antiga colónia britânica liberdades desconhecidas no resto da China. A Lei da Segurança Nacional foi aprovada a 30 de junho de 2020 e criminaliza a subversão, a secessão, o terrorismo e o conluio estrangeiro.

A primeira pessoa a ser julgada sob a lei é Tong Ying-kit, de 24 anos, que se declarou inocente esta quarta-feira de acusações de terrorismo, incitação à secessão e conduta perigosa ao dirigir uma motocicleta contra polícias durante um protesto em 2019, enquanto carregava uma bandeira com o slogan "Libertar Hong Kong, a revolução dos nossos tempos”.

Aquelas palavras foram frequentemente entoadas durante as manifestações antigovernamentais de 2019 por manifestantes que exigiam liberdades democráticas mais amplas na região semiautónoma chinesa.
Na altura, no cerne das contestações estava uma proposta de emendas à lei da extradição, que acabou por ser retirada.

No entanto, a China respondeu aos protestos com uma série de medidas de repressão da dissidência, incluindo a Lei da Segurança Nacional.

O julgamento Tong Ying-kit definirá as linhas de resposta de Hong Kong a crimes de segurança nacional. Até ao momento, mais de 60 pessoas foram acusadas de violarem a Lei da Segurança Nacional, incluindo várias figuras do movimento pró-democracia na cidade. A maioria encontra-se atualmente sob detenção provisória.

c/ agências
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