Contrariando chefias militares. Trump prepara retirada do Iraque e Afeganistão

por RTP
O Presidente Trump com as tropas estacionadas na Base Aérea de Bagram, Afeganistão, em Novembro de 2019. Tom Brenner, Reuters

Contra a leitura da cúpula do exército, Donald Trump deverá dar a ordem de retirada de milhares de homens do exército norte-americano estacionados no Iraque e Afeganistão nas derradeiras semanas da sua Administração, que a 20 de Janeiro passa o testemunho ao presidente-eleito, Joe Biden. Actualmente com 4.500 a 5.000 militares no Afeganistão e outros 3.000 no Iraque, os Estados Unidos acertaram em Fevereiro uma saída massiva de homens e material daqueles territórios, mas são muitas as vozes - até dentro do Partido Republicano - que avisam para o risco de deitar por água abaixo todos os esforços de pacificação da região.

A saída do Iraque e Afeganistão é um objectivo conhecido de Donald Trump, determinado em colocar um ponto final numa guerra que caminha para as duas décadas, lançada no pós-11 de Setembro, lembrando outros fiascos norte-americanos além-mar. Ao longo de 18 anos a presença no Médio Oriente tem consumido parte substancial dos orçamentos de sucessivas administrações, uma equação que, em certa medida, contraria a agenda imposta desde os primeiros dias da Presidência de um Trump que prometeu recentrar as políticas do país para o seu interior sob o lema “America First” (A América Primeiro).

A ordem corre já os corredores do Pentágono com os planos de retirada de milhares de homens e equipamento do terreno. A estimativa aponta para a permanência de cerca de 2.500 militares em ambos os cenários, número visto por alguns oficiais como insuficiente para a manutenção do processo de pacificação regional que terá estado na base da intervenção norte-americana na ressaca dos ataques da al Qaeda contra o World Trade Center em Nova Iorque em 2001.

Segundo o New York Times, acresce ainda a retirada total de uma força de 700 elementos da Somália, onde os militares americanos estavam envolvidos em missões de contra-terrorismo e no treino das tropas locais. Trata-se igualmente de um dossier sensível, com o país a planear eleições para Fevereiro de 2021, o que leva algumas vozes a advertirem para o abandono do país às mãos das milícias do al Shabab, que jurou fidelidade à al Qaeda em 2012, e a possibilidade de o escrutínio vir a ser, com a saída das forças americanas, palco de atentados e ataques com bombistas.

O plano de Trump para a retirada de tropas destas zonas sensíveis do globo, não sendo uma ideia nova, tem enfrentado resistências dentro da sua própria equipa, com elementos da segurança nacional a deixarem um aviso para consequências catastróficas desta decisão na ponta final da Presidência. Alguns lembram o vazio deixado com a retirada do Iraque patrocinada pela Administração Obama, em 2011, quando a saída massiva do contingente americano terá aberto espaço para o surgimento do Estado Islâmico que viria a implantar-se durante anos, tanto nesse país como na Síria, país que ainda não conseguiu controlar a instabilidade provocada pelos extremistas islâmicos.

Inicialmente, Trump terá advogado a retirada completa dos 4.500 homens estacionados no Afeganistão até ao Natal, mas os conselheiros militares terão convencido o presidente a recuar nessa decisão inicial. O plano inicial para a retirada do país foi lavrado num acordo no último mês de Fevereiro entre a Administração e os taliban: de acordo com o texto, os norte-americanos deixariam o Afeganistão em ano e meio e os taliban comprometiam-se a combater os grupos terroristas, em particular o braço do Estado Islâmico no país.

Os taliban têm também mantido rondas negociais com o Governo afegão no Qatar. No entanto, os encontros têm-se revelado infrutíferos e, quanto à neutralização das acções terroristas, o problema reside no facto de serem os próprios taliban a levarem a cabo ataques quase diários contra as forças afegãs. O mês de Outubro, com mais de 200 mortos, revelou-se como o mais letal para a população civil desde Setembro do ano passado.

O próprio Governo afegão recusou-se a levar o acordo de Fevereiro para o Qatar, o que terá sido um dos factores que impediu o progresso nas conversações com a delegação taliban. Os afegãos temem que o plano do presidente Trump venha a constituir um empecilho para a futura direcção da Administração Biden na região.

A decisão do presidente levou o próprio secretário da Defesa, Mark Esper, a fazer chegar à Casa Branca um memorando em que deixava clara a sua preocupação face aos planos de retirada do Afeganistão. Refere o NYT que o chefe do Pentágono alertava para as ainda periclitantes condições no terreno, “a contínua violência, os perigos que uma retirada rápida poderia representar para as restantes tropas, o efeito sobre as alianças e o receio de [que a retirada viesse a] minar as negociações de paz entre os taliban e o Governo afegão”. Uma contribuição que estava destinada ao fracasso, já que pouco depois, na semana passada, Trump demitiria Esper.

Com a máquina Trump a recolocar as peças para acelerar o plano de retirada de forças no além-mar, são os próprios republicanos a levantarem a voz contra o presidente. Os líderes do GOP no Capitólio temem, no essencial, que caiam por terra todos os esforços americanos das últimas décadas contra os movimentos terroristas que ameaçam os Estados Unidos, dentro e fora de casa.

O senador Mitch McConnell, líder dos republicanos, numa intervenção no Senado esta segunda-feira, avisou Donald Trump que era o seu próprio currículo que estava em risco de vir a trilhar o mesmo caminho – e os mesmos erros – do ex-presidente Barack Obama: “Uma rápida retirada das forças americanas do Afeganistão prejudicaria agora os nossos aliados e deixaria muito felizes as pessoas que nos querem fazer mal”.

“As consequências de uma saída americana prematura seriam provavelmente ainda piores do que a retirada do presidente Obama do Iraque em 2011, o que alimentou a ascensão do Estado Islâmico e uma nova vaga do terrorismo global. Seria uma reminiscência da humilhante partida americana de Saigão em 1975”, advertiu Mitch McConnell.

A mesma ideia é advogada pelas patentes do Pentágono, que não escondem o desconforto pela direcção tomada pelo presidente, grupo em que se inclui o general Frank McKenzie, comandante para as forças no Médio Oriente. Os militares assumem a incapacidade de conter acções terroristas com o corte no número de militares e reafirmam que da dimensão desse corte depende também o sucesso das negociações entre o Governo afegão e os taliban.
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