Os recentes ataques israelitas na Faixa de Gaza, que causaram pelo menos 242 mortes e deixaram desalojadas mais de 74 mil pessoas, podem constituir crimes de guerra, segundo anunciou, esta quinta-feira, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos. Num Conselho extraordinário dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet quis por outro lado deixar claro que o grupo islâmico Hamas também violou a lei humanitária internacional ao lançar mísseis contra Israel.
"Se se verificar que o impacto sobre civis e alvos civis é indiscriminado e desproporcional, este ataque pode constituir um crime de guerra", disse Bachelet na abertura da reunião especial desta quinta-feira, que visava discutir a investigação sobre a "discriminação e a repressão sistemáticas" entre Israel e a Palestina.
"Esta escalada está diretamente ligada aos protestos e à forte resposta das forças de segurança israelitas, primeiro em Jerusalém Oriental, depois em todo o território palestiniano ocupado e em Israel", sublinhou Bachelet.
O encontro foi agendado com o objetivo de identificar o que a alta comissária da ONU considera ser a causa do recente "derramamento de sangue" em Gaza. Segundo os dados apresentados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, nos onze dias em que durou o conflito, de 10 a 21 de maio, morreram 254 palestinianos (incluindo 66 crianças) em ataques israelitas na Faixa de Gaza e, em Israel, disparos de roquetes a partir de Gaza mataram 12 pessoas.
Além disso, o facto de implantar meios militares em áreas densamente povoadas de civis ou de lançar ataques a partir delas também pode constituir uma violação do Direito Internacional Humanitário.
Para a alta comissária da ONU, os ataques com roquetes lançados pelo Hamas "são indiscriminados e não distinguem entre alvos militares e civis, pelo que o seu uso constitui uma clara violação do Direito Internacional Humanitário".
Referindo-se aos 4.400 roquetes disparados e apelando a que não sejam lançados mais mísseis para o território israelita, afirmou: "Cada um desses roquetes constitui um crime de guerra".
"There is no doubt that #Israel has the right to defend its citizens and residents. However, #Palestinians have rights too. The same rights." – UN Human Rights Chief @mbachelet tells @UN_HRC #SS30.
— UN Human Rights (@UNHumanRights) May 27, 2021
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De acordo com esse documento, citado pelo Guardian, a ONU vai pedir para se criar com urgência uma comissão para investigar todas as "violações", não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia, Jerusalém e Israel.
No texto lê-se que a comissão deverá investigar "todas as causas profundas de tensões recorrentes, instabilidade e prolongamento do conflito, incluindo discriminação sistemática e repressão com base na identidade nacional, étnica, racial ou religiosa".
A sessão especial foi a 30ª no conselho, e a nona só sobre a questão dos "Territórios Palestinianos Ocupados", sendo que a última foi em maio de 2018.
Uma comissão de inquérito é o mais alto nível de escrutínio que o conselho pode autorizar. O porta-voz do conselho, Rolando Gomez, afirmou à comunicação social que será a primeira vez que um projeto de resolução terá um "mandato contínuo", se for aprovado.
A escalada do conflito entre palestinianos e Israel, a quarta desde 2008, eclodiu a 10 de maio com o Hamas a disparar roquetes contra Israel em solidariedade com as centenas de palestinianos feridos em dias de confrontos com a polícia israelita na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental. Na origem dos confrontos, está a ameaça de expulsão de famílias palestinianas em benefício dos colonos israelitas.
Na sua intervenção na abertura do Concelho de Direitos Humanos da ONU, esta quinta-feira, a alta comissária das Nações Unidas pediu um "processo de paz genuíno e inclusivo" para acabar com a ocupação israelita da Palestina e para evitar uma repetição dos recentes confrontos mortíferos.
"Não pode haver paz sem o fim da ocupação israelita", disse Riyad al-Maliki.
Nas palavras de Lynk, Israel não vai desistir da ocupação "sem uma ação internacional decisiva", baseada na estrutura dos direitos. A "ocupação de Israel tornou-se tão arraigada e sustentável porque a comunidade internacional nunca impôs sanções significativas a Israel por agir como uma potência de ocupação aquisitiva e desafiadora".
Durante a reunião desta quinta-feira, Israel pediu ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para condenar os ataques do Hamas. Já a Palestina pediu ao mesmo organismo para investigar a ocupação ilegal de Israel.
Para o embaixador de Israel nas Nações Unidas em Genebra, Meirav Eilon Shahar, o Conselho de Direitos Humanos "deve escolher entre uma organização terrorista que glorifica a morte ou uma democracia que valoriza a vida". Segundo Shahar, os ataques com mísseis contra Gaza pelas Forças Armadas israelitas foram um ato de defesa contra os ataques do Hamas.
"Em 11 dias, aquela organização terrorista lançou mais de 4.400 foguetes contra civis israelitas", argumentou Eilon Shahar, que perguntou à comunidade internacional "o que faria se os foguetes fossem disparados contra Dublin, Paris ou Madrid".
O diplomata criticou ainda o facto de quase uma em cada três sessões especiais do Conselho de Direitos Humanos ter sido dedicada ao conflito israelo-palestiniano, e de este, "em vez de condenar o Hamas pelas suas atividades terroristas", ter tido Israel como "o alvo".
Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riyad al Maliki, pediu para que uma missão investigue a ocupação ilegal de Israel em território palestiniano, que denominou de "sistema colonialista".
"Temos de colocar um fim a este 'apartheid'. Temos de terminar este sistema colonialista israelita, permitindo que o nosso povo exerça o seu direito à autodeterminação e à independência", disse al Maliki.
"Esse inferno pode acabar se houver vontade política internacional", continuou, apelando ao Conselho para apoiar uma resolução que será votada ainda esta quinta-feira naquele órgão, exigindo, entre outras coisas, a formação da mencionada comissão de investigação.
Al Maliki acusou também Israel de organizar uma agressão facilitada por políticas que "dão impunidade a um regime covarde e racista, que mata crianças e viola todas as normas do Direito Internacional".
"Israel é uma potência ocupante. Assim, os palestinianos têm o direito de se defender e de resistir à ocupação", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, que também pediu a imposição de boicotes e sanções políticas e económicas contra Israel.