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Conflito de interesses. Figuras de relevo da Administração Biden mantêm ligações a produtoras de vacinas

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jonathan Ernst - Reuters

Segundo avança o jornal online norte-americano The Intercept, várias figuras de relevo da Administração de Joe Biden, incluindo principais conselheiros da Casa Branca, responsáveis do Departamento de Estado e funcionários do Ministério da Saúde, mantêm laços profissionais ou participações financeiras com as empresas produtoras de vacinas contra a Covid-19, que agora estão a escudar-se contra a suspensão das patentes. De acordo com este jornal, as farmacêuticas estão a pressionar o Governo de Biden a se opor à suspensão das patentes e a impor sanções comerciais aos países que apoiem esta medida.

De acordo com o jornal, a maioria destes conflitos de interesse estão relacionados com o Albright Stonebridge Group (ASG), uma empresa de consultoria que representa a gigante farmacêutica Pfizer. Um dos primeiros nomes apontados é o de Linda Thomas-Greenfield, a atual embaixadora dos EUA nas Nações Unidas (ONU) que tem recebido apelos de vários países pobres e em desenvolvimento para a isenção de patentes nas vacinas, na tentativa de que o problema da escassez seja ultrapassado.

Linda Thomas-Greenfield, avança The Intercept, trabalhou no ASG, juntamente com o seu número dois, Jeffrey DeLaurentis. Vários funcionários do Departamento de Estado (Victoria Nuland, Wendy Sherman, Uzra Zeya e Molly Montgomery) também trabalharam previamente nesta empresa de consultoria, assim como Philip Gordon, conselheiro de segurança nacional da vice-presidente Kamala Harris.

A lista de nomes não fica por aqui. De acordo com o The Intercept, Anita Dunn, a principal estratega política na campanha presidencial de Biden, que agora atua como assessora da Casa Branca, abandonou recentemente o cargo enquanto sócia-gerente na empresa de consultoria na qual ela própria é cofundadora, a SKDK, que fornece serviços de relações públicas e de publicidade para a Pfizer.

Susan Rice, nomeada pelo presidente norte-americano como assessora de política interna, detém cerca de cinco milhões de dólares em ações da Johnson & Johnson e outros 50 mil em ações da Pfizer.
Também o secretário de Estado, Anthony Blinken, consta na lista. Segundo o jornal, Blinken foi assessor da Gilead Sciences, a empresa de biotecnologia que produziu o Remdesivir, o único medicamento que recebeu luz verde por parte da agência reguladora norte-americana para o tratamento da Covid-19.
O dilema das patentes
Todos estes funcionários da Administração de Joe Biden podem desempenhar um papel fundamental para determinar se os EUA apoiarão ou não uma proposta de renúncia a certos direitos de propriedade intelectual das vacinas contra a Covid-19, para permitir uma produção global e uma distribuição mais ampla.


Numa altura em que crescem as preocupações sobre a desigualdade dos países no acesso às vacinas, os países mais pobres e menos desenvolvidos estão a apelar à revisão de certas políticas que permitam resolver o problema de escassez de vacinas. No início de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que 75 por cento das cerca de 200 milhões de doses de vacinas administradas em todo o mundo foram distribuídas em apenas dez países.

Os países de baixo rendimento depositam as suas esperanças na Covax, uma iniciativa internacional que envolve a Unicef, a OMS e outras organizações sem fins lucrativos de saúde pública para comprar e distribuir vacinas contra a Covid-19 aos países de rendimentos médios e baixos. Os EUA entregaram cerca de quatro mil milhões de dólares à Covax, mas a iniciativa continua a debater-se com a falta de fundos e sofreu recentemente cortes na entrega de vacinas por parte da AstraZeneca e da Novavax.

Vários países não receberam ainda nenhuma vacina e alguns especialistas alertam que alguns terão de esperar anos até atingirem níveis de vacinação significativos e conseguirem alcançar a imunidade de grupo.


"A Covax está pronta para entregar, mas não podemos entregar vacinas que não temos. Acordos bilaterais, proibições de exportação e o nacionalismo de vacinas causaram distorções no mercado, com grandes desigualdades na oferta e procura", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante uma entrevista coletiva na passada sexta-feira.

Desta forma, e a fim de combater o que os especialistas apelidam de “apartheid de vacinas”, a África do Sul e a Índia apresentaram à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma proposta de suspensão das patentes de vacinas, o que permitiria aos países de baixo rendimento produzir as vacinas de forma acessível. As patentes protegem a propriedade intelectual de um produto para que este não possa ser reproduzido. Na indústria farmacêutica e no caso das vacinas, as empresas patenteiam um medicamento quando este é descoberto e desenvolvido, para que não possa ser fabricado sem a sua autorização.

A proposta é apoiada por países de baixo e médio rendimento e pelo diretor da OMS, o secretário-geral da ONU e alguns laureados com o Prémio Nobel da Paz. No entanto, este mecanismo é travado pelos países mais ricos, nomeadamente os EUA e o Reino Unido, e a União Europeia. O argumento utilizado é que essas patentes são necessárias para incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos e, portanto, a sua suspensão seria vista como um desincentivo à inovação.

Estes países defendem que os direitos de propriedade intelectual, consagrados nos tratados da OMC, demoraram décadas a serem alcançados e são decisivos para promover a inovação. Há especialistas que afirmam mesmo que, sem eles, provavelmente não se teria chegado às vacinas contra a Covid-19 em tão pouco tempo.
Farmacêuticas pressionam Governo dos EUA
Também as empresas farmacêuticas se opõem a esta proposta que levaria a um corte nos lucros futuros sobre estes medicamentos. Segundo The Intercept, estas multinacionais não só estão a pressionar o Governo de Biden a opor-se à suspensão das patentes, mas também a impor sanções comerciais aos países que a apoiem ou que passem a produzir vacinas sem a devida permissão.

Segundo o jornal, tudo indica que a Administração Biden irá seguir a abordagem do antecessor, Donald Trump, opondo-se a qualquer renúncia de patentes ou de direitos de propriedade intelectual. No entanto, a Administração norte-americana deixou claro que estão ainda a analisar a proposta.

A principal prioridade dos Estados Unidos é salvar vidas e acabar com a pandemia nos Estados Unidos e em todo o mundo”, disse Adam Hodge, porta-voz do Representante do Comércio dos EUA, numa nota enviada a The Intercept. “Como parte da reconstrução das nossas alianças, estamos a explorar todas as possibilidades de coordenação com os nossos parceiros globais e a avaliar a eficácia desta proposta específica pelo seu verdadeiro potencial em salvar vidas”, acrescentou Hodge.
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