Comunidade internacional incapaz de consenso político quanto ao Sudão
A Conferência Internacional de Londres foi incapaz de encontrar uma solução política para o conflito que ameaça dividir em dois o Sudão, horas depois das forças paramilitares RSF terem anunciado a formação de um governo paralelo, apesar dos recentes desaires militares sofridos perante o exército regular.
No seu comunicado final, os participantes na conferência comprometeram-se a mobilizar mais 800 mil milhões de euros para o país da África Oriental, mergulhado numa crise humanitária catastrófica que afeta 30 milhões de pessoas.
"Muitos abandonaram o Sudão", lamentou o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Lammy, na conferência. "É um erro moral quando há tantos civis decapitados, bebés de apenas um ano de idade vítimas de violência sexual e mais pessoas ameaçadas de fome do que em qualquer outro lugar do mundo".
"Continuar a olhar para o outro lado do Sudão terá consequências catastróficas", disse por seu lado o Alto-comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi.
Acabar com a emergência humanitária depende da resolução do conflito.
"Como apelamos claramente, precisavamos de estar unidos em torno de uma necessidade urgente, antes de mais, de que o Sudão fizesse a transição para um governo independente liderado por civis", disse à Reuters, Lana Nusseibeh, ministra assistente para os assuntos políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos.
"Ficámos muito desapontados porque, apesar da gravidade da situação e dos esforços do Reino Unido, não conseguimos chegar a acordo sobre um comunicado conjunto ontem", acrescentou.
Comunicado final
Várias fontes justificaram o fracasso com desentendimentos entre Estados como os Emirados Árabes Unidos e o Egito. Tanto o exército sudanês, que governa oficialmente o país, como as Forças Rápidas de Apoio, FSR, contam com apoios entre as forças regionais.
Na conferência participou ainda a Arábia Saudita. Riade tem-se esforçado por encontrar soluções acolhendo várias rondas de negociações entre as partes sudanesas, que redundaram todas em fracasso.
Uma fonte diplomática afirmou à Reuters sob anonimato, que o comunicado final esbarrou na linguagem requerida pelo Egito, com apoio dos sauditas, que parecia legitimar as pretensões de al-Burhane e que foi por isso rejeitada por outros participantes, incluindo os Emirados.
No texto possível da conferência de Londres, líderes de uma quinzena de países, incluindo os Estados Unidos, e organizações internacionais, apelaram a um "cessar-fogo imediato e permanente" no Sudão e enfatizaram "a necessidade de impedir qualquer partição" do país.
"A prioridade deve ser a obtenção de um cessar-fogo imediato e permanente e o fim do conflito. Os participantes apoiarão proativamente os esforços para encontrar uma solução pacífica e rejeitarão todas as atividades, incluindo a interferência externa, que aumentem as tensões ou que prolonguem ou permitam os combates", lê-se no comunicado.
Os participantes "rejeitaram todos os planos, incluindo o anúncio de governos paralelos, que ponham em risco a unidade, a soberania e a integridade territorial do Sudão e possam comprometer as aspirações democráticas do povo sudanês", numa resposta ao anúncio do líder das RSF.
O G7 pediu igualmente um cessar-fogo imediato, apelando em comunicado a todos os "atores externos que cessem todo o apoio que alimente ainda mais o conflito".
A falta de consenso internacional quanto a uma solução vem dificultar ainda mais a situação.
As RSF e o exército governaram o Sudão em conjunto depois de derrubarem o governo civil, mas desentenderam-se em 2023 quanto à integração das duas forças. A guerra estalou há dois anos, a 15 de abril.
Durante o primeiro ano de guerra, as Forças Rápidas apossaram-se de vastas regiões do Sudão. O exército reconquistou nos meses mais recentes a maior parte do centro do país, incluindo, há duas semanas, a capital, Kartum, de onde havia sido expulso pelas FSR no início do conflito.
Centenas de milhares de pessoas fugiram da cidade. Muitos civis saudaram contudo o que apelidaram de "libertação" depois de quase dois anos sob domínio dos paramilitares, acusados de genocídio, de pilhagens e de agressões sexuais.
Depois de perderem a capital sudanesa, os soldados das RSF centraram os seus ataques no Darfur, para tentarem conquistar El-Facher, a última capital provincial fora do seu controlo. Domingo, anunciaram ter tomado o campo de refugiados de Zamzam, próximo daquela cidade, de mais de 500.000 deslocados ameaçados de fome, num ataque que deixou mais de 400 mortos, segundo as Nações Unidas, e que atraiu a condenação de toda a comunidade internacional.
Dois dias depois, já com a conferência de Londres em curso, e quando passavam dois anos de guerra, o líder das RSF e ex-adjunto de al-Burhane, Mohamed Hamdane Daglo, anunciou a formação de um governo paralelo que, afirmou, iria representar todo o Sudão.
"Neste aniversário, afirmamos com orgulho o estabelecimento de um governo de paz e unidade", disse o general Daglo na sua conta de Telegram, anunciando em privado uma "nova moeda" e um "novo cartão de identidade".
"Este Governo representa a verdadeira face do Sudão", disse. Uma pretensão que dificilmente reunirá apoio generalizado.
O exército de Burhane controla o norte e o leste do Sudão, assim como a capital, com os paramilitares a dominarem o sul e o oeste.
A guerra destruiu as principais infraestruturas do país, deixando o sistema de saúde completamente inoperacional. É por isso impossível conhecer o balanço total de vítimas. Em 2024, o antigo enviado da ONU para o Sudão, Tom Perriello, apresentou estimativas de 150 mil mortes.
As partes em conflito foram acusadas de atacar civis, de bombardear indiscriminadamente áreas povoadas e de obstruir a entrega de ajuda humanitária.