A coligação governamental alemã entrou em colapso depois de o chanceler Olaf Scholz ter demitido o ministro das Finanças e ter revelado que iria pedir um voto de confiança no seu executivo no início do próximo ano.
Scholz afirmou não ter confiança no ministro das Finanças, Christian Lindner, que lidera o Partido Democrático Liberal (FDP) que fazia parte da coligação juntamente com o Partido Social Democrata e os Verdes de Scholz.
Jorg Kukies, conselheiro próximo do chanceler Olaf Scholz e especialista em questões económicas, é o novo ministro das Finanças alemão, revelou esta quinta-feira à Agência France Presse fonte governamental de Berlim. O anúncio foi feito pelo líder do governo alemão, em conferência de imprensa, depois de uma reunião na chancelaria em que os três partidos que formam a coligação “semáforo” - o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes, e o Partido Democrático Liberal - se sentaram para discutir a continuidade desta união.
Scholz acusou Lindner de ter “quebrado” a sua confiança com “muita frequência” e de ter como único interesse a política de clientelismo e a sobrevivência a curto prazo do seu próprio partido.
“Um tal egoísmo é incompreensível. Já não há confiança em trabalhar com Lindner (…) Não quero que o nosso país passe por este tipo de comportamento”, afirmou o chanceler, sublinhando que “gostaria de ter poupado” o país a esta “decisão difícil”, especialmente em tempos difíceis.
A chamada coligação “semáforo” liderada pelo chanceler governa a Alemanha desde 2021. Mas as tensões internas estavam a borbulhar há semanas antes de explodirem na noite de quarta-feira. Menos de uma hora depois destas declarações, o líder do FDP, Christian Lindner, admitiu que foram apresentadas propostas para relançar a economia alemã que não foram “sequer aceites pelo SPD e pelos Verdes como base de consulta”, acrescentando que Scholz “banalizou durante muito tempo” as preocupações económicas dos cidadãos.
“As suas contrapropostas são fracas, pouco ambiciosas e não contribuem para ultrapassar a fraqueza fundamental do crescimento no nosso país”, criticou em conferência de imprensa.
Os três outros ministros do FDP apresentaram a demissão ao fim da noite de quarta-feira.
Entretanto, Volker Wissing, o ministro dos Transportes retirou a demissão e disse aos jornalistas na manhã de hoje, em Berlim que, depois de falar com Scholz, tinha decidido continuar como ministro abandonando o partido.
Os outros dois ministros do FDP que se demitiram podem vir a ser substituídos, indicou hoje de manhã a agência noticiosa alemã DPA.
Os Verdes pretendem manter-se na coligação e pedem novas eleições na primavera. Até lá, o partido está “em funções e determinado a cumprir integralmente os deveres do seu cargo”, sustentou o ministro da Economia e vice-chanceler, Robert Habeck, em declarações à rádio Deutschlandfunk.
O titular da pasta da Economia considera que o chanceler tomou a decisão correta e frisou que a Alemanha ainda é capaz de funcionar.
“A este respeito, a decisão do chanceler foi lógica. Foi coerente e necessária nesta altura”, acrescentou Habeck.
Segundo Habeck, o líder do FDP não conseguiu cumprir a tarefa fundamental de elaborar um orçamento e perdeu o respeito dos outros membros do governo.
Questionado se a Alemanha ainda era capaz de funcionar, Habeck afirmou: “Sim, claro que sim”, acrescentando, no entanto, que “já não temos uma maioria no parlamento”.
Nas declarações à rádio Deutschlandfunk, Robert Habeck acrescentou ainda que não tinha intenções de ser ministro interino das Finanças.
Minutos antes, Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros, também ela dos Verdes, lembrou a “responsabilidade” da Alemanha num contexto internacional, por exemplo, no apoio à Ucrânia.
O que os divide?
A coligação, que estava no poder há quase três anos, tem enfrentado dificuldades praticamente desde o início já que muitas das posições que defendem os seus partidos são opostas. Enquanto o SPD e os Verdes apoiam uma forte atuação do estado, com a emissão de dívida para financiar políticas públicas, caso seja necessário, o FDP tem uma visão contrária.
As divergências, sobretudo nas políticas económica e orçamental, ficaram mais expostas há um ano quando o Tribunal Federal Constitucional reprovou a decisão do executivo de realocar verbas destinadas a atenuar as consequências da pandemia de covid-19. Sem essas verbas, o executivo alemão ficou com um buraco de 60 mil milhões de euros no orçamento. A forma de o combater não gerou consensos.
Lidner defendeu uma ampla redução de impostos para as empresas, por exemplo, e a redução de metas de proteção climática que considera demasiado ambiciosas. Ideias completamente rejeitadas por Robert Habeck, dos Verdes, ministro da Economia e vice-chanceler.
Os partidos que formam a coligação têm, ao longo dos últimos três anos, perdido popularidade, atingindo os níveis de votação mais baixos de sempre em várias eleições regionais e sondagens. Já a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 fez disparar os preços da energia e deixou a Alemanha perante um aumento das despesas com a defesa - e o custo de acolher 1,5 milhões de refugiados ucranianos.
A Alemanha enfrenta agora o seu segundo ano sem crescimento económico.
A crise no seio da coligação mergulhou a maior economia da Europa no caos político, horas depois de a eleição de Trump ter desencadeado uma profunda incerteza sobre o futuro da economia e da segurança do continente.
Moção de confiança
O chanceler convocou na quarta-feira uma moção de confiança para 15 de janeiro, o que pode levar o país a eleições antecipadas em março de 2025, meio ano antes do previsto. Com esta medida, o Governo de Scholz deixa de ter maioria no Parlamento.
Esta quinta-feira, o líder do principal partido na oposição, a União Democrática Cristã, Friedrich Merz, defendeu que o chanceler deve apresentar imediatamente a moção de confiança.
“A coligação já não tem maioria no Bundestag alemão (câmara baixa do parlamento) e devemos, portanto, instar o chanceler a convocar um voto de confiança imediatamente, o mais tardar no início da próxima semana”, afirmou Merz aos jornalistas.
c/agências