Cinco anos depois do "impeachment" de Dilma, Brasil permanece dividido

por Lusa
Martin Acosta - Reuters

O analista brasileiro Luiz Antonio Dias considera que processo de destituição da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, aprovado pelos deputados há exatamente cinco anos, fez retroceder o país e acentuou uma polarização que terminou na eleição de Bolsonaro.

Em declarações à Lusa, o historiador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) recorda que o processo de `impeachment` de Dilma Rousseff evoca elementos do golpe de 1964 no Brasil, com campanhas de grupos económicos e de mediáticos para afastar a chefe de Estado, eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda).

"Internamente é difícil entender como chegamos numa situação como esta [no Brasil], uma situação de barbárie realmente", salientou o historiador.

O início do processo de destituição da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff completa hoje cinco anos e, desde então, o país permanece polarizado, com sucessivas crises na economia, na política, na justiça e outros setores da sociedade.

A 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados do Brasil dava seguimento ao processo de destituição da ex-presidente numa sessão conturbada em que muitos falaram em nome de Deus, da família e até mesmo de torturadores da ditadura militar, cuja votação terminou com 367 votos favoráveis ao afastamento, 137 contrários e 7 abstenções.

O processo que retirou Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT) do poder depois de 13 anos e quatro vitórias consecutivas em eleições presidenciais -- finalizado meses depois num julgamento no Senado em agosto do mesmo ano - foi recheado de controvérsias.

Na época, o noticiário tinha em destaque as denúncias de corrupção da operação Lava Jato, que investigou crimes na Petrobras e outros órgãos públicos, acusações envolvendo membros do PT, sigla de Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amplificados por uma crise económica aguda e manifestações de rua.

O processo que destituiu a primeira mulher eleita para governar o Brasil não estava baseado em práticas de corrupção, mas sim em crimes orçamentais, cujo enquadramento legal foi alterado posteriormente.

Rousseff foi afastada do cargo naquele dia porque o Congresso considerou que ela era responsável pelas "pedaladas fiscais", nome com que ficaram conhecidos os atrasos nos pagamentos de dinheiro a bancos públicos para cobrir gastos com programas de Governo brasileiro.

Somados às `pedaladas` também constavam três decretos editados pelo Governo sem autorização do Congresso para a abertura de créditos suplementares, que alegadamente contrariavam o artigo quarto da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015.

O historiador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Luiz Antonio Dias, recorda, em declarações à Lusa, que naquela época o Brasil vivia um agravamento de instabilidade social, que aumentou a polarização da sociedade.

"Diante de um quadro de polarização que vinha crescendo, com o apoio de setores das `media`, da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), houve a reedição de um fenómeno que vimos em 1964 [ano da instauração do Golpe militar no Brasil]", explicou Dias.

"Houve a construção de uma narrativa muito forte de crise económica, de corrupção, incompetência do Governo Dilma [Rousseff], que é muito parecido com aquilo que o João Goulart [ex-presidente brasileiro deposto pelos militares] sofreu em 1964, até ao golpe e, isto, acabou mobilizando parte da sociedade, os empresários e parte das camadas médias", acrescentou.

Neste caldeirão, os opositores do PT organizaram grandes manifestações de rua contra o Governo, que acabaram a influenciar os políticos a votar a favor do afastamento da ex-presidente.

"Estas manifestações em 2016 não podem ser desconsideradas porque de facto ocorreram e foram grandes. [Elas] acabam ajudando a construir esta narrativa de que a Dilma Rousseff não tinha apoio, que a sociedade civil e a opinião pública exigiam a intervenção", destacou o historiador.

Dias lembrou, porém, que aconteceram atos em defesa do Governo e da ex-presidente, mas estes protestos foram desvalorizados pela cobertura dos media e setores com grande influência na opinião pública, que apoiaram a saída de Rousseff.

"Ainda que o processo todo tenha se construído em torno das pedaladas, a discussão toda se deu em torno da crise económica, da incompetência da Dilma [Rousseff] ou da corrupção e nunca sobre a questão das `pedaladas` que nunca foram tratadas como um crime de responsabilidade [nome dado às infrações dentro da Constituição do Brasil que podem destituir um Presidente]", avaliou Dias.

Questionado se o processo de destituição de Rousseff influenciou a eleição do atual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o historiador da PUC-SP não tem dúvidas.

Consolidou-se "uma polarização entre o PT e o `antipetismo` e todos aqueles que não concordam com o PT por qualquer razão acabaram aderindo a campanha do Bolsonaro. Este processo que termina em 2016 com o golpe se desdobra adiante até a eleição de Bolsonaro", salientou.

"Em 2016 não houve um golpe contra a Dilma em si, foi um golpe contra o PT (...) O que temos [na eleição presidencial] em 2018 foi um desdobramento daquilo que tivemos em 2016. Não se articula um golpe daquela magnitude para entregar o Governo de volta ao PT. A grande questão é que o que veio no lugar do PT é de uma incompetência muito grande", acrescentou.

Instado a fazer um diagnóstico sobre os impactos da destituição de Rousseff sobre a democracia brasileira, Dias considerou que o país retrocedeu muito e citou o facto de que o Brasil cair nos rankings que medem a qualidade das democracias, verificando-se casos de ataques a jornalistas, ideias, livre-pensamento e universidades.

"Olhando internamente não sei como chegamos neste ponto, vivemos hoje um processo de barbárie. A impressão que se tem é de que até 2012 ou 2013 é que vínhamos avançando a passos largos (...) de 2015 e 2016 para cá, as coisas começaram a retroceder de tal forma que nós retrocedemos hoje índices que nos levam de volta a década de 1980, voltamos [por exemplo] ao mapa da fome", frisou Dias.

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