O cidadão luso-belga detido no mês passado na República Centro-Africana (RCA) foi formalmente acusado de terrorismo e de atentar contra a segurança do Estado, anunciou o Ministério Público centro-africano.
O homem, consultor da organização não-governamental (ONG) norte-americana FHI360, foi acusado de seis crimes, incluindo atentado contra a segurança interna e externa do Estado, bem como terrorismo, segundo a justiça centro-africana, citada hoje pela agência noticiosa Associated Press (AP).
Se for considerado culpado, enfrenta uma pena perpétua de trabalhos forçados.
Entre os supostos crimes do trabalhador humanitário, o gabinete do procurador enumerou "a existência de vários contratos com os líderes de grupos armados, o fornecimento de informações estratégicas sobre as diferentes posições das Forças Armadas Centro-Africanas (FACA), dinheiro e armas, sendo identificado como um alegado funcionário de uma organização não-governamental americana que está a fazer investigação sobre os pastores Fulani".
Segundo a acusação, o homem alegadamente também "defendeu crimes de guerra e crimes contra a humanidade, a propaganda de grupos armados enquanto os encorajava a criar um ramo terrorista internacional como o Estado Islâmico", acrescentou o comunicado.
O detido tem passaportes belga e português.
A Family Health International 360 (FHI360), uma ONG de saúde pública que gere projetos relacionados com o planeamento familiar e a saúde reprodutiva, confirmou que um dos seus trabalhadores se encontra detido na República Centro-Africana.
O homem foi detido no mês passado em Zemio, uma cidade no sudeste da República Centro-Africana que tem sido assolada por combates entre milícias étnicas locais e rebeldes anti-governamentais há mais de uma década.
"Estamos a trabalhar para garantir a libertação imediata do nosso consultor", disse a porta-voz da FHI360, Jennifer Garcia, à Associated Press imediatamente após a sua detenção.
Até ao momento, a AP não conseguiu contactar o homem e nenhum dos seus advogados comentou a acusação conhecida na sexta-feira.
Mohamed Ag Ayoya, representante especial adjunto do secretário-geral das Nações Unidas responsável pela ação humanitária, disse à AP que estava a acompanhar a situação.
"Tomámos conhecimento das notícias e do comunicado de imprensa do procurador através da imprensa". disse Ayoya, acrescentando: "Não temos comentários a fazer. Mas o que posso dizer a este nível é que é a sua embaixada em Bangui que está a gerir o processo".
Em 31 de maio, o Governo português disse à Lusa estar a "acompanhar presencialmente" o caso, inclusivamente fornecendo comida ao luso-belga.
"O número dois da Embaixada [de Portugal] em Kinshasa já o visitou, tal como o cônsul honorário [de Portugal] na República Centro-Africana", disse à Lusa fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
As autoridades centro-africanas advertiram os trabalhadores estrangeiros das ONG contra a participação em atividades que pudessem pôr em perigo a segurança nacional, sob pena de serem alvo de processos judiciais.
Na sequência desta detenção, as forças armadas foram enviadas para Zemio, após mais de seis anos de ausência da cidade.
A República Centro-Africana está em conflito desde 2013, quando rebeldes predominantemente muçulmanos tomaram o poder e forçaram o então presidente François Bozizé a abandonar o cargo. Milícias maioritariamente cristãs ripostaram.
Um acordo de paz de 2019 ajudou a abrandar os combates, mas seis dos 14 grupos armados que assinaram o acordo abandonaram-no mais tarde.
O exército da RCA, um dos mais pobres do continente africano, é apoiado por mercenários do grupo russo Wagner ou do seu sucessor, o Africa Corps.
Uma missão de manutenção da paz da ONU, incluindo militares portugueses, e tropas ruandesas estão atualmente destacadas na República Centro-Africana para tentar reprimir a violência e proteger os civis.