Várias mulheres da etnia muçulmana uigure, detidas em campos de concentração na província chinesa de Xinjiang, têm sido alvo de violação, abuso sexual e tortura, segundo revelou um novo relatório, baseado em depoimentos de algumas das vítimas. Os Estados Unidos e o Reino Unido condenaram, esta quinta-feira, as "atrocidades" relatadas por esta minoria perseguida pelo Governo chinês.
As mulheres nos chamados campos de "reeducação" da China para uigures são "sistematicamente violadas", abusadas sexualmente e torturadas. Uma investigação da BBC, baseada em testemunhos de algumas ex-reclusas e de um guarda destes campos, revelou as alegadas experiências de muitas mulheres desta etnia às mãos de guardas e polícias que as detinham.
Uma antiga reclusa dos campos para uigures, Tursunay Ziawudun, contou ao jornal britânico que passou nove meses dentro do vasto e secreto sistema de centros de "reeducação" de Xinjiang e que, enquanto esteve detida, foi vítima de violações constantes e abuso sexual por parte de "homens chineses mascarados".
Segundo a muçulmana de 42 anos, os homens apareciam "todas as noites" nas celas, com a cara tapada com uma máscara e sem uniforme de polícia, e selecionavam as mulheres que queriam. As vítimas eram, então, levadas pelo corredor até uma "sala negra", onde não havia câmaras de vigilância. Ziawudun foi, segundo a mesma, várias vezes levada para essa sala, depois da meia noite, e torturada e violada por um grupo de dois ou três homens.
"Talvez esta seja a marca mais dificil de esquecer em mim para sempre", lamentou à publicação. "Eu nem quero que essas palavras saiam da minha boca".
"Talvez esta seja a marca mais dificil de esquecer em mim para sempre", lamentou à publicação. "Eu nem quero que essas palavras saiam da minha boca".
Tursunay Ziawudun, que fugiu de Xinjiang após a sua libertação e agora está a viver nos Estados Unidos, contou ainda que sentia vergonha de falar no assunto antes e receava voltar para os campos chineses e ser punida com mais severidade se denunciasse as situações de abuso sexual e tortura que viveu.
Tortura e abusos constantes
Ziawudun foi detida em março de 2018, enquanto o marido estava a trabalhar no Cazaquistão. Mas já tinham sido amobs presos entre 2016 e 2017. Contudo, depois de o marido de Ziawudun ter viajado para o país vizinho, as autoridades locais prenderam-na novamente, alegando que ela precisava de "mais educação".
A mulher relatou ter sido levada para o mesmo campo onde tinha estado antes, mas que o local estava diferente, maior e com um grande número de novos prisioneiros. Ao entrar no campo de detenção, contou, as mulheres tinham de entregar todos os seus bens e jóias, eram humilhadas pelos guardas e obrigadas a cortar o cabelo.
A mulher relatou ter sido levada para o mesmo campo onde tinha estado antes, mas que o local estava diferente, maior e com um grande número de novos prisioneiros. Ao entrar no campo de detenção, contou, as mulheres tinham de entregar todos os seus bens e jóias, eram humilhadas pelos guardas e obrigadas a cortar o cabelo.
As reclusas eram ainda forçadas a usar o DIU (dispositivo intrauterino) ou a serem esterilizadas, sendo ainda submetidas a "exames médicos inexplicáveis" e obrigadas a tomar comprimidos e "vacinas" de 15 em 15 dias, que lhes "causavam náuseas e dormência".
As torturas, segundo o relato, começaram após dois meses da detenção, com interrogatórios sobre as atividades do marido no Cazaquistão. Uma vez, ao resisitir a responder, um polícia atirou-a ao chão e começou a bater-lhe.
Só depois é que começaram as violações, quando ela e outra rapariga que estava na mesma cela foram levadas para uma "sala escura".
"Uma mulher levou-me para o quarto ao lado onde a outra rapariga estava", descrevendo ainda que antes de ser violada foi sujeita a choques elétricos nos genitais.
Só depois é que começaram as violações, quando ela e outra rapariga que estava na mesma cela foram levadas para uma "sala escura".
"Uma mulher levou-me para o quarto ao lado onde a outra rapariga estava", descrevendo ainda que antes de ser violada foi sujeita a choques elétricos nos genitais.
"Assim que entrou, ela começou a gritar", disse Ziawudun. "Não sei como explicar, pensei que eles estavam a torturá-la. Nunca pensei que a violassem".
Nas palavras de Ziawudun, a rapariga que foi levada com ela, com os seus 20 anos, ficou "completamente diferente" depois deste episódio: "Ela não falava com ninguém, ficava sentada a olhar fixamente como se estivesse em transe".
"Muitas pessoas naquelas celas perderam a cabeça".
"Muitas pessoas naquelas celas perderam a cabeça".
Algumas das mulheres que eram levadas das celas à noite nunca mais voltaram, disse ainda Ziawudun. As que eram levadas de volta foram ameaçadas para não contarem às outras mulheres na cela o que lhes tinham feito.
"Não pode contar a ninguém o que aconteceu, só pode deitar-se em silêncio", citou a muçulmana.
Homens chineses "pagavam para escolher" reclusas "mais bonitas"
Os relatos em primeira mão do que se passa dentro dos campos de "reeducação" são raros, mas vários antigos prisioneiros e um guarda revelaram à BBC que viveram ou presenciaram situações que evidenciam a existênia de um sistema organizado de violações em massa, abuso sexual e tortura.
Um dos depoimentos que o jornal britânico conseguiu, e que corrobora os relatos de Ziawudun, foi o de Gulzira Auelkhan, uma mulher cazaque que vivia em Xinjiang e ficou detida durante 18 meses num dos campos chineses.
Um dos depoimentos que o jornal britânico conseguiu, e que corrobora os relatos de Ziawudun, foi o de Gulzira Auelkhan, uma mulher cazaque que vivia em Xinjiang e ficou detida durante 18 meses num dos campos chineses.
Auelkhan era, segundo contou, forçada a despir as mulheres uigures e algemá-las antes de as deixar sozinhas com homens chineses. Depois, levava-as para o banho e limpava os quartos.
"O meu trabalho era tirar-lhes a roupa acima da cintura e algemá-las para que não se mexessem", disse Gulzira Auelkhan, cruzando os pulsos atrás da cabeça para demonstrar como ficavam as vítimas.
"Depois eu deixava as mulheres no quarto e um homem entrava - algum chinês de fora ou um policia. Sentava-me em silêncio ao lado da porta e quando o homem saía da sala eu levava a mulher a tomar banho", relatou.
Os homens chineses, afirmou ainda, "pagavam para escolher as jovens presidiárias mais bonitas".
De acordo com a reportagem, vários reclusos afirmaram ter sido forçados a ajudar os guardas, ameaçados de que seriam punidos se não o fizessem. Auelkhan admitiu, contudo, que não tinha forças para resistir ou intervir.
"O meu trabalho era tirar-lhes a roupa acima da cintura e algemá-las para que não se mexessem", disse Gulzira Auelkhan, cruzando os pulsos atrás da cabeça para demonstrar como ficavam as vítimas.
"Depois eu deixava as mulheres no quarto e um homem entrava - algum chinês de fora ou um policia. Sentava-me em silêncio ao lado da porta e quando o homem saía da sala eu levava a mulher a tomar banho", relatou.
Os homens chineses, afirmou ainda, "pagavam para escolher as jovens presidiárias mais bonitas".
De acordo com a reportagem, vários reclusos afirmaram ter sido forçados a ajudar os guardas, ameaçados de que seriam punidos se não o fizessem. Auelkhan admitiu, contudo, que não tinha forças para resistir ou intervir.
Para esta mulher cazaque é evidente que se trata de um sistema organizado de violações.
"Eles forçavam-me a entrar naquela sala", disse. "Forçavam-me a tirar a roupa daquelas mulheres, segurar-lhes as mãos e sair do quarto".
Sistema de violações organizado
Uma das características destes campos de concentração chineses para uigures e outras minorias é a existencia de uma espécie de salas de aulas. Alguns professores são, por isso, convidados a "reeducar" os detidos - esta "reeducação" é, no entanto, criticada pelos ativistas que consideram que as pessoas destas minorias são privadas da sua própria cultura, língua e religião, e doutrinados na cultura chinesa dominante.
Qelbinur Sedik, uma mulher usbeque de Xinjiang, estava entre os professores de chinês levados para os campos e coagidos a dar aulas aos detidos.
O acampamento feminino é "rigidamente controlado", disse Sedik à BBC. Mas a professora lembra-se de ter ouvido histórias e rumores de violações que, mais tarde confirmou serem verdade.
Um dia Sedik abordou uma guarda chinesa que conhecia e perguntou se ela sabia de alguma coisa sobre "algumas das histórias terríveis de violações".
Falando posteriormente e num pátio sem vigilância, a polícia chinesa confirmou à professora que não eram apenas histórias e rumores.
"Sim, a violação tornou-se um costume".
Qelbinur Sedik, uma mulher usbeque de Xinjiang, estava entre os professores de chinês levados para os campos e coagidos a dar aulas aos detidos.
O acampamento feminino é "rigidamente controlado", disse Sedik à BBC. Mas a professora lembra-se de ter ouvido histórias e rumores de violações que, mais tarde confirmou serem verdade.
Um dia Sedik abordou uma guarda chinesa que conhecia e perguntou se ela sabia de alguma coisa sobre "algumas das histórias terríveis de violações".
Falando posteriormente e num pátio sem vigilância, a polícia chinesa confirmou à professora que não eram apenas histórias e rumores.
"Sim, a violação tornou-se um costume".
"São violações coletivas e os polícias chineses não apenas as violam, como também as eletrocutam. Elas são sujeitos a terríveis torturas", terá dito a guarda a Sedik
Num outro depoimento para o Projeto de Direitos Humanos Uigur, Sedik contou que ouviu falar de um bastão elétrico que era usado em mulheres para as torturar - relato que também corrobora a experiência que Ziawudun descreveu.
Havia "quatro tipos de choque elétrico", disse Sedik - "a cadeira, a luva, o capacete e a violação com uma vara".
"Os gritos ecoavam por todo o prédio", disse ainda. "Eu conseguia ouvi-los ao almoço e às vezes quando estava na aula".
Privação de comida
A apoiar alguns destes relatos, divulgados pela BBC, um antigo guarda dos campos de concentração chineses, que falou sob condição de anonimato, descreveu a tortura e a privação de comida dos presidiários.
Os detidos podiam ficar sem comer se não memorizassem com precisão passagens de livros sobre Xi Jinping, de acordo com ex-guarda.
"Uma vez, estávamos a levar as pessoas presas para o campo de concentração e vi todos a serem forçados a memorizar aqueles livros. Eles sentaram-se horas a tentar memorizar o texto, todos tinham um livro nas mãos", disse.
Aqueles que reprovavam nos testes eram forçados a usar roupas de três cores diferentes com base no facto de terem reprovado uma, duas ou três vezes, explicou, e submetidos a diferentes níveis de punição, incluindo privação de comida e espancamento.
"Entrei nesses campos. Levei presos para esses campos", disse. "Eu vi aquelas pessoas doentes e miseráveis. Eles definitivamente sofreram vários tipos de tortura. Tenho a certeza disso".
Países ocidentais condenam "atrocidades" reveladas
Os detidos podiam ficar sem comer se não memorizassem com precisão passagens de livros sobre Xi Jinping, de acordo com ex-guarda.
"Uma vez, estávamos a levar as pessoas presas para o campo de concentração e vi todos a serem forçados a memorizar aqueles livros. Eles sentaram-se horas a tentar memorizar o texto, todos tinham um livro nas mãos", disse.
Aqueles que reprovavam nos testes eram forçados a usar roupas de três cores diferentes com base no facto de terem reprovado uma, duas ou três vezes, explicou, e submetidos a diferentes níveis de punição, incluindo privação de comida e espancamento.
"Entrei nesses campos. Levei presos para esses campos", disse. "Eu vi aquelas pessoas doentes e miseráveis. Eles definitivamente sofreram vários tipos de tortura. Tenho a certeza disso".
Países ocidentais condenam "atrocidades" reveladas
Depois de divulgado, na quarta-feira, a reportagem a BBC, foram vários os países que condenaram os atos cometidos contra pessoas da minoria muçulmana uigure.
Esta quinta-feira, a Administração Biden disse estar "profundamente perturbada" com o relatório da BBC.
"Estamos profundamente perturbados com os relatos, incluindo testemunhos em primeira mão, de violações e abuso sexual sistemático contra mulheres em campos de concentração para uigures étnicos e outros muçulmanos em Xinjiang".
"Essas atrocidades chocam a consciência e devem ter consequências graves", acrescentou um porta-voz da Casa Branca.
O assunto também não passou despercebido no Reino Unido. O ministro Nigel Adams afirmou, esta quinta-feira no Parlamento, que os relatos evidenciam "atos claramente malignos".
"Qualquer pessoa que tenha visto a reportagem da BBC não pode deixar de ficar comovida e angustiada pelo que são atos claramente malignos", disse. O Reino Unido, acrescentou ainda, vai continuar a trabalhar com os países europeus e com o novo governo dos Estados Unidos para pressionar a China.
Também Nus Ghani, membro do Parlamento britânico, afirmou que "estas histórias horríveis somam-se ao enorme e crescente corpo de evidências que detalham atrocidades perpetradas pelas autoridades chinesas em Xinjiang - atrocidades que podem até ser consideradas genocídio". Ghani apleou ainda a Nigel Adams que não estreitasse "laços de qualquer tipo com a China, até que haja um inquérito judicial completo que investigue estes crimes".
Na mesma onda de criticias, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Marise Payne, também comentou os factos revelados pela publicação, afirmando que as Nações Unidas deviam ter acesso "imediato" à região.
"Consideramos a transparência de extrema importância e continuamos a instar a China a permitir que observadores internacionais, incluindo a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, tenham acesso imediato, significativo e irrestrito a Xinjiang na primeira oportunidade", disse.
Desde 2016, a China colocou mais de um milhão de uigures e membros de outras minorias predominantemente muçulmanas em prisões e campos de doutrinação, que Pequim classifica como centros de treino vocacional, segundo organizações de defesa dos Direitos Humanos.
Não é a primeira vez que surgem relatos de antigos detidos que dizem ter sido submetidos a tortura, esterilização e doutrinação política, além de trabalho forçado, como parte de uma campanha de assimilação étnica.
Documentos governamentais a que a imprensa internacional teve acesso revelaram a extensão da campanha, mas a China negou quaisquer abusos e disse que as medidas tomadas são necessárias para combater o terrorismo e o separatismo.
"Estamos profundamente perturbados com os relatos, incluindo testemunhos em primeira mão, de violações e abuso sexual sistemático contra mulheres em campos de concentração para uigures étnicos e outros muçulmanos em Xinjiang".
"Essas atrocidades chocam a consciência e devem ter consequências graves", acrescentou um porta-voz da Casa Branca.
O assunto também não passou despercebido no Reino Unido. O ministro Nigel Adams afirmou, esta quinta-feira no Parlamento, que os relatos evidenciam "atos claramente malignos".
"Qualquer pessoa que tenha visto a reportagem da BBC não pode deixar de ficar comovida e angustiada pelo que são atos claramente malignos", disse. O Reino Unido, acrescentou ainda, vai continuar a trabalhar com os países europeus e com o novo governo dos Estados Unidos para pressionar a China.
Também Nus Ghani, membro do Parlamento britânico, afirmou que "estas histórias horríveis somam-se ao enorme e crescente corpo de evidências que detalham atrocidades perpetradas pelas autoridades chinesas em Xinjiang - atrocidades que podem até ser consideradas genocídio". Ghani apleou ainda a Nigel Adams que não estreitasse "laços de qualquer tipo com a China, até que haja um inquérito judicial completo que investigue estes crimes".
Na mesma onda de criticias, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Marise Payne, também comentou os factos revelados pela publicação, afirmando que as Nações Unidas deviam ter acesso "imediato" à região.
"Consideramos a transparência de extrema importância e continuamos a instar a China a permitir que observadores internacionais, incluindo a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, tenham acesso imediato, significativo e irrestrito a Xinjiang na primeira oportunidade", disse.
Desde 2016, a China colocou mais de um milhão de uigures e membros de outras minorias predominantemente muçulmanas em prisões e campos de doutrinação, que Pequim classifica como centros de treino vocacional, segundo organizações de defesa dos Direitos Humanos.
Não é a primeira vez que surgem relatos de antigos detidos que dizem ter sido submetidos a tortura, esterilização e doutrinação política, além de trabalho forçado, como parte de uma campanha de assimilação étnica.
Documentos governamentais a que a imprensa internacional teve acesso revelaram a extensão da campanha, mas a China negou quaisquer abusos e disse que as medidas tomadas são necessárias para combater o terrorismo e o separatismo.
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