Pelo segundo dia consecutivo, vários aviões militares chineses aproximaram-se de Taiwan numa altura em que o país realiza cerimónias em homenagem ao falecido presidente de Taiwan, Lee Teng-hui, conhecido por "Senhor Democracia". O Ministério da Defesa de Taipé instou as autoridades chinesas a "controlarem-se e a retirarem", ao passo que a China esclareceu que as manobras militares não são um "aviso, mas um ensaio" para assumir o controlo em Taiwan.
"O ROCAF enviou aviões caça e implementou um sistema de mísseis de defesa aérea para monitorizar as atividades", disse o Ministério da Defesa na rede social Twitter, referindo-se à Força Aérea da República da China, a designação formal da Força Aérea de Taiwan.
Na sexta-feira, a China tinha já anunciado a realização de manobras militares no Estreito de Taiwan, que coincidia com a visita do vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, Keith Krach, que chegou na quinta-feira à ilha para uma visita de três dias no âmbito das cerimónias em homenagem a Lee Teng-hui, falecido presidente de Taiwan.
Em comunicado, o Ministério chinês da Defesa justificou que os exercícios consistem numa "ação legítima e necessária, tomada em resposta à atual situação no Estreito de Taiwan, para salvaguardar a soberania nacional e a integridade territorial".
Por sua vez, o Ministério da Defesa de Taiwan condenou as manobras militares, considerando que a China está a agir em provocação, prejudicando seriamente a paz e a estabilidade. “O Ministério da Defesa condena isso veemente e apela às autoridades do continente [chinês] que se controlem e se retirem da fronteira”, disse em comunicado. China e Taiwan vivem como dois territórios autónomos desde 1949, altura em que o antigo Governo nacionalista chinês se refugiou na ilha, após a derrota na guerra civil frente aos comunistas. Mas a China considera Taiwan como território sob a sua soberania e opõe-se a qualquer tipo de interação oficial entre outros países e a ilha.
Por este motivo, a visita do vice-secretário de Estado dos EUA e, por sua vez, a aproximação de Washington a Taipé é altamente sensível para Pequim e os exercícios militares são mais um reflexo da tensão entre os dois país, que recentemente tem sido alimentada por questões comerciais e de segurança, mas também pela pandemia do novo coronavírus.
China a “um passo mais próximo da ilha”
Krach é o segundo mais alto funcionário dos EUA a visitar Taiwan em dois meses, depois da visita do secretário de Saúde norte-americano, Alex Azar, em agosto. Nessa altura, a China já tinha tomado ações semelhantes às manobras realizadas nos últimos dias.
Krach é, no entanto, o mais alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA a visitar Taipé desde que os dois lados romperam os laços formais, em 1979, quando os EUA aceitaram a "política de uma só China", que pressupõe que Pequim é o único Governo legítimo de todos os territórios chineses.
A China já tinha advertido contra o envio do vice-presidente dos EUA à ilha depois de na segunda-feira, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Wenbin, ter exortado os Estados Unidos a "interromperem todas as formas de intercâmbio oficial com Taiwan". A China tem uma "vontade firme, total confiança e capacidade suficiente para impedir todas as interferências externas e ações separatistas das forças de independentistas de Taiwan", avisou o porta-voz do ministério.
Um mapa fornecido pelo Ministério demonstra que nenhum dos aviões chineses chegou perto do continente de Taiwan. No entanto, em tom de ameaça, o jornal Global Times, do Partido Comunista Chinês, escreveu na sexta-feira que “cada vez que um alto funcionário dos EUA visitar Taiwan, os caças do PLA [Exército de Libertação Popular] deviam estar um passo mais perto da ilha”.
No artigo é deixado claro que o alvo da China é “dissuadir o conluio entre os EUA e a ilha”, acrescentando que a aproximação dos dois países “está a tornar-se a fonte mais importante de agitação no estreito de Taiwan”.
“Os EUA e Taiwan não devem avaliar erradamente a situação, ou acreditar que o exercício militar é bluff. Se eles continuarem com as provocações, romperá, inevitavelmente, uma guerra”, acrescenta o editorial publicado no jornal, sublinhando que as manobras militares não são um “aviso, mas um ensaio” para assumir o controlo em Taiwan.
“O continente está determinado a tomar todos os meios necessários, incluindo opções militares, para evitar que os EUA e a ilha aumentem as suas provocações”, lê-se ainda no artigo.
Analistas dizem que a resposta militar chinesa é uma mensagem clara para os EUA contra a rutura do equilíbrio que Washington tinha mantido sob as administrações anteriores.
Do lado de Taiwan, o Governo parece ver os EUA - com a liderança de Trump e as tensões com Pequim - como uma oportunidade de lutar por uma relação mais estreita com Washington e, por sua vez, alcançar o objetivo de ser reconhecido internacionalmente como um país independente.
Johnny Chiang, líder do principal partido de oposição de Taiwan, o Kuomintang, escreveu na sua página do Facebook que ambos os lados precisam de retomar o diálogo para reduzir o risco de guerra. “As pessoas que desejam desempenhar um papel na comunicação são estigmatizadas e aqueles que clamam pela guerra são considerados heróis. Essa atmosfera definitivamente não é favorável ao desenvolvimento pacífico e estável do estreito de Taiwan”, defendeu Chiang, cujo partido tradicionalmente privilegia os laços com a China.
O adeus ao “Senhor Democracia”
Os exercícios militares – apelidados pelos EUA de “fanfarronice militar” – acontecem numa altura em que Taiwan lamenta a morte do primeiro presidente a ser democraticamente eleito em Taiwan.
À semelhança da sua cerimónia fúnebre, Lee Teng-hui tomou posse em março de 1996 também perante jogos de guerra e testes balísticos da China nas águas próximas a Taiwan. Lee Teng-hui, que faleceu em julho aos 97 anos, foi presidente de 1988 a 2000. Era apelidado de “Senhor Democracia” por ter terminado com o regime autocrático a favor de eleições livres e por defender a independência de Taiwan.
Num discurso durante o memorial que decorreu este sábado, a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, disse que Lee Teng-hui moldou o país de atualmente. “Confrontado com desafios internacionais intimidadores, ele habilmente liderou o povo de Taiwan ao promover uma diplomacia pragmática. Taiwan tornou-se o sinónimo de democracia e foi impulsionado para o palco mundial. Por causa disso, o presidente Lee passou a ser elogiado como o ‘Presidente Democracia’”, disse a presidente taiwanesa.
“Graças aos seus esforços, Taiwan agora brilha como um farol da democracia”, concluiu a presidente.
c/agências